quarta-feira, agosto 31, 2011

Chris Crocker revelado

O documentário “Me at the Zoo”, sobre a celebridade do Youtube Chris Crocker, realizado por Chris Moukarbel e Valerie Veatch, esteve à procura de financiamento entre os fãs através do site Kickstarter.

Tendo o objectivo de juntar, até ao dia de hoje, 19 mil dólares (pouco mais de 13 mil euros) para a conclusão do projecto (montagem, direitos de autor relativos às músicas utilizadas e gráficos), o financiamento chegou a exceder a sua meta pois, segundo podemos ver no portal, a produção do filme já conseguiu um total de 19686 dólares (aproximadamente 13605 euros).

Me at the Zoo” (que pede emprestado o título do primeiro vídeo publicado no Youtube) segue a vida de como Chris Crocker passou de um adolescente homossexual vítima de bullying na escola para uma celebridade em redor do mundo, apenas por publicar vídeos no Youtube.

Entre os mais famosos encontra-se “Leave Britney Alone!” (publicado em Setembro de 2007 e que o lançou em definitivo como celebridade, tendo sido alvo de paródias e respostas), vídeo onde defende, a chorar, a cantora pop Britney Spears e que se tornou num dos mais acedidos de sempre na Internet, hoje visto por mais de 40 milhões de pessoas.

Conhecido pela sua persona provocadora e excêntrica e por abordar questões sobre os direitos LGBT, Chris Crocker, nascido no dia 7 de Dezembro de 1987 nos EUA, encontra-se empenhado em lançar-se na indústria da música, tendo lançado já oito singles, entre os quais se destaca “Freak of Nature”, que ganhou este ano um teledisco realizado por Worm Carnevale.

O documentário “Me at the Zoo”, que não tem ainda data de estreia definida, revela as novas e originais estratégias de financiamento de projectos independentes.

Lembrando um caso muito recente, o realizador italiano Ettore Scola admitiu que, por causa da "crise económica" e das "novas lógicas de produção e distribuição", iria por um ponto final na sua carreira o que, na minha perspectiva, me parece uma mera desculpa que cobre, provavelmente, o seu cansaço pessoal pelo cinema.

Filmes como "Me at the Zoo" comprovam que é possível fazer múltiplos cinemas, fazendo-o chegar ao público "habitual", bastando, apenas, uma boa dose daquilo que falta nalguns projectos: sentido estratégico.

[a primeira parte do post, com lado noticioso, foi originalmente publicado aqui]

Double Feature [7]: Adeus, Rapazes e Canino

O Double Feature é um espaço de opinião regular sobre dois DVDs lançados (ou reeditados) pelas distribuidoras portuguesas. O comentário que segue foi publicado no dia 6 de Agosto de 2011, na revista Notícias Sábado que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.

Adeus, Rapazes, de Louis Malle
Avalon / FNAC
★★★★★

Vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1987, Au Revoir les Enfants é uma inesquecível obra-prima e um clássico absoluto do cinema francês. Dando uso à memória como forma para reproduzir a sua infância vivida durante a Segunda Guerra Mundiual, Louis Malle versa a história de como dois jovens rapazes (onde um deles é judeu) travam amizade num colégio católico durante o Inverno de 1943. É sobretudo através de uma fotografia profundamente bela que este conto lírico ganha maior energia, parecendo que Malle concentrou forças para filmar a subtileza dos gestos dos protagonistas. O poder da sugestão aqui presente acaba assim por tornar visível o horror da guerra e a ocupação nazi em França, deixando transparecer, por parte do autor, uma comovente sinceridade.

Canino, de Giorgos Lanthimos
Clap Filmes
★★★★

Misto de tragédia, comédia negra, sátira social e, em muitos aspectos, antropológica, esta grande obra que nos chega de uma Grécia abalada pela crise económica foi vencedora do prémio para melhor filme no Estoril Film Festival e, numa tirada que surpreendeu as previsões, esteve nomeada para o Óscar para melhor filme estrangeiro. Conduzida através de uma câmara dir-se-ia quase “clínica”, Giorgos Lanthimos conta a história de três irmãos alienados do mundo e dos conceitos usados pelo ser humano por culpa dos pais. Kynodontas obriga-nos assim a questionar a nossa posição em comunidade e o que é isto de ser naturalmente humano, vislumbrando a possibilidade de não sermos poluídos socialmente se dependermos nos impulsos e na curiosidade que nos são característicos.

Double Feature [6]: Somewhere e José e Pilar

O Double Feature é um espaço de opinião regular sobre dois DVDs lançados (ou reeditados) pelas distribuidoras portuguesas. O comentário que segue foi publicado no dia 9 de Julho de 2011, na revista Notícias Sábado que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.

Somewhere – Algures (2010), de Sofia Coppola
Prisvideo
★★

Se o propósito de Sofia Coppola, na sua quarta longa-metragem (depois de As Virgens Suicidas, em 1999, Lost in Translation – O Amor é um Lugar Estranho, em 2003, e de Marie-Antoinette, em 2006), foi criar um filme sobre o tédio que nada mais é senão entediante, então a realizadora foi bem sucedida. Estamos aqui, assim, perante um inquietante caso de objecto cinematográfico vazio, com personagens ocas e uma relação pai / filha mal explorada, situando-nos “algures” no universo mimado dos ricos e das celebridades do mundo do cinema. Radical e formalmente minimalista (e, por isso, desafiante), o Leão de Ouro do Festival de Veneza de 2010 é um filme intimista (parecendo relembrar a infância da cineasta, que conheceu o cinema ao lado do pai), mas intrincado e superficial.



José e Pilar (2010), de Miguel Gonçalves Mendes
Jumpcut
★★★★

Documentário galardoado sobre a relação entre o Nobel da Literatura Português José Saramago e a mulher Pilar Del Río, presidenta da Fundação José Saramago, durante a época em que “A Viagem do Elefante” era escrito e apresentado em público, Miguel Gonçalves Mendes estuda os dois parceiros com uma visão sobre quem são, o que pensam e a forma como encaram o amor que nutrem. Humanizante e quase doméstico, há dentro de José e Pilar uma noção transcendental sobre a ideia de complemento e união aliado ao signo trágico e demasiado próximo da morte e do fim, o que torna este filme um registo de elevada importância, mas apenas na perspectiva em que guarda para a eternidade um vislumbre daquilo que dois seres humanos sentiam um pelo outro.

Double Feature [5]: Hereafter e A Cidade Branca

O Double Feature é um espaço de opinião regular sobre dois DVDs lançados (ou reeditados) pelas distribuidoras portuguesas. O comentário que segue foi publicado no dia 23 de Julho de 2011, na revista Notícias Sábado que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.



Hereafter – Outra Vida, de Clint Eastwood
Lusomundo / Warner
★★★★

Melodrama fantasioso assinado pelo realizador lendário Clint Eastwood, “Hereafter – Outra Vida” é uma lição de como o cinema ainda pode escapar às fórmulas banais produzidas por certos filmes e programas de televisão no que diz respeito ao fim da vida. A história segue por isso três protagonistas assombrados pelas suas experiências de morte (entre eles Matt Damon e Cécile de France), instalados em espaços distintos, e cujo destino parece invariavelmente passar pelo seu encontro. Tocante e “humanizante”, Eastwood aborda a mortalidade sem pudor, mas com um comedimento que não é usual no panorama cinematográfico norte-americano, sobretudo o que expõe, de forma gratuita, os seus efeitos especiais. Muito falado pela cena de maremoto inicial, “Hereafter” é, muito antes que um “filme-desastre”, um “filme-sagrado”.


A Cidade Branca, de Alain Tanner
Clap Filmes
★★★★

Lisboa torna-se sinónimo de solidão neste registo realizado por Alain Tanner e produzido por Paulo Branco. Este é um drama tranquilo que se inicia com um marinheiro suíço que desembarca em Portugal e que o segue na sua errância pelas ruas decrépitas e brancas da capital, enquanto envia para a namorada que vive na Suíça pedaços de filme filmados numa pequena câmara Super 8. É a partir do momento em que vemos este registo que o olhar de Tanner se funde com o do protagonista (Bruno Ganz, conhecido recentemente por interpretar o papel de Hitler em A Queda), levando o espectador a visitar uma cidade que parece estrangeira. O amor que o marinheiro passa a ter por uma empregada de hotel (Teresa Madruga) exalta a melancolia e o grave sentimento de exílio do próprio filme.

Caça ao leão veneziano começou ontem



Começou ontem a 68.ª edição do Festival de Cinema de Veneza, que perdura até o dia 10 de Setembro, que abriu com a longa-metragem escrita e realizado por George Clooney, The Ides of March, que o crítico de cinema e editor do Ípsilon Vasco Câmara considerou, no blogue onde acompanha os desenvolvimentos do festival, "evidente, mas liso como um poster".


A mostra de 2011 conta este ano com dois filmes portugueses (que estão incluídos na secção "Horizontes", presidida pelo vencedor da Palma de Ouro na penúltima edição do Festival de Cannes, Apichatpong Weerasethakul): Cisne, longa-metragem de Teresa Villaverde, e Palácios de Pena, "curta" de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt

A competir pelo Leão de Ouro, encontram-se os 23 filmes: “The Ides of March”, de George Clooney (filme de abertura, EUA), “Tinker, Tailor, Soldier, Spy”, de Tomas Alfredson (Reino Unido), “Wuthering Heights”, de Andrea Arnold (Reino Unido), “Texas Killing Fields”, de Ami Canaan Mann (EUA), “Quando La Notte”, de Cristina Comencini (Itália), “Terraferma”, de Emanuele Crialese (Itália), “A Dangerous Method”, de David Cronenberg (Alemanha e Canadá), “4:44 Last Day on Earth”, de Abel Ferrara (EUA), “Killer Joe”, de William Friedkin (EUA), “Un Été Brulant”, de Philippe Garrel (França), “Taojie (A Simple Life)”, de Ann Hui (China), “Hahithalfut (The Exchange)”, de Eran Kolirin (Israel), “Alpeis (Alps)”, de Yorgos Lanthimos (Grécia), “Shame”, de Steve McQueen (Reino Unido), “L'Ultimo Terrestre”, de Gian Alfonso Pacinotti (Itália), “Carnage”, de Roman Polanski (França), “Poulet Aux Prunes”, de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud (França), “Faust”, de Aleksander Sokurov (Rússia), “Dark Horse”, de Todd Solondz (EUA), “Himizu”, de Sion Sono (Japão), e “Seediq Bale”, de Te-Sheng Wei (China).

Fora de competição destacam-se as estreias de Steven Soderbergh, com "Contagion", Madonna com "W.E.", e Al Pacino com o auto-retrato "Wilde Salome". Relativamente aos documentários, um dos mais esperados é sem dúvida "Tharir 2011" (o título diz tudo), de Tamer Ezzat, Ahmad Abdalla, Ayten Amin e Amr Salama.

O presidente do júri é o vencedor do Leão de Ouro de 2008 (The Wrestler), Darren Aronofsky.


Mais Malick nos próximos anos

Segundo o portal online Twitch, o actor norte-americano Christian Bale foi escolhido para interpretar um papel no novo filme do cineasta Terrence Malick, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes pela longa-metragem “A Árvore da Vida”, que ainda se encontra em exibição.

Após ter representado no quarto filme do realizador veterano (“O Novo Mundo”, sobre a história da princesa índia Pocahontas), Christian Bale regressará num novo projecto que, segundo a mesma fonte, será filmado em princípios de 2012.

O filme contará um casal (um homem e uma mulher) como protagonista. Segundo o Twitch apurou, Terrence Malick encontra-se a decidir que actriz escolherá para o papel principal, encontrando-se dividido entre Rooney Mara (“A Rede Social”), Haley Bennet (“Kaboom – Alucinação”), Clemence Poesy (“Harry Potter”) e Mia Wasikowska (“Alice no País das Maravilhas”).

O próximo filme do consagrado realizador (que entre 1973 e 2011 dirigiu apenas cinco longas-metragens) encontra-se já em fase de pós-produção, a ser em princípio lançado no próximo ano. Encontra-se ainda sem título e conta com a participação das estrelas Ben Affleck (que substitui o papel que inicialmente se dirigia a Christian Bale), Jessica Chastain, Rachel McAdams e Rachel Weisz.

Terrence Malick encontra-se ainda a trabalhar num documentário científico chamado “Voyage of Time” (“Viagem do Tempo”) dirigido para os cinemas de tipo IMAX (que até o final de 2012 serão três instalados em Portugal).

Apesar de ter sido inicialmente considerado como uma peça complementar à longa-metragem “A Árvore da Vida”, tornou-se progressivamente num filme independente.

Segundo declarações do produtor Bill Pohlad ao site Movie Web, “é importante não canibalizar ‘A Árvore da Vida’. Mas queremos fazê-lo.”

Recentemente, “A Árvore da Vida” foi considerado como o melhor filme do ano segundo a Federação Internacional de Cinema (constituída por mais de 200 críticos em redor do mundo), pelo que o prémio será entregue no dia 16 de Setembro, durante a gala de inauguração da 59.ª edição do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián (Espanha).
[notícia originalmente publicada aqui]

Um naufrágio na confusão do mar algarvio

Com a sua sexta longa-metragem “Cisne” prestes a estrear no Festival de Veneza e nas salas de cinema portuguesa, recordamos “Água e Sal”, um filme com tom intimista de Teresa Villaverde. Este artigo foi publicado originalmente no Diário de Notícias, no dia 26 de Agosto de 2011.
Fazendo parte da nova geração de cineastas que surgiu no final dos anos 80, Teresa Villaverde (nascida a 18 de Maio de 1966) que, ao contrário dos colegas, não estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema, apresentou-se como um raro exemplo de persistência. Estreou-se, pela primeira vez, como actriz em À Flor da Pele (1986), escrito e realizado por João César Monteiro, e como argumentista em Filha da Mãe (1990), de João Canijo, que co-escreveu com o realizador, Oliver Assayas e Manuel Mozos.

Apenas um ano depois, assina aquela que seria a sua primeira longa-metragem: A Idade Maior (que escreveu e realizou), com Vincent Gallo, Maria de Medeiros e Joaquim de Almeida, e que reconstitui Portugal no início da década 70 antes da Revolução dos Cravos e em plena época de Guerra Colonial (tema querido por parte dos realizadores portugueses).

Mais tarde, Medeiros regressaria em 1994 no seu segundo filme, Três Irmãos. Depois de ter lançado, em 1996, a curta-metragem O Amor não me Engana para a televisão, Teresa Villaverde surpreendeu, dois anos depois, o público e a crítica com o desafiante e premiado Os Mutantes, que emana uma evidente preocupação social, debruçando-se sobre os habitantes de bairros marginais.

Foi no princípio do novo milénio, em 2001, que Villaverde decide apresentar aquele que considerou ser o seu filme mais livre: Água e Sal. Rodada em Cabanas, no Algarve, a sua quarta longa-metragem foi ao Festival de Cinema de Veneza (na secção “Cinema do Presente”, onde foi galardoada com uma menção honrosa) “como uma história normal, com uma mulher normal a quem acontecem coisas normais”, onde “às vezes passam nuvens”, segundo a própria sinopse.

Na verdade, esta é a história de Ana (a actriz italiana Galatea Ranzi, cuja voz é dobrada por Carla Bolito), a mãe de uma jovem criança presa a um casamento deteriorado com a personagem que Joaquim de Almeida interpreta. Durante uma viagem que o marido e a filha fazem, a vida da protagonista é consumida por um trabalho profissional e pelo encontro que tem com estranhas personagens: um desconhecido (Miguel Borges) que Ana salva de um acidente ocorrido perto da costa algarvia e que acaba por desejá-la; um jovem (Alexandre Pinto) que ama desesperadamente uma rapariga (Ana Moreira, que protagoniza Transe, o quinto filme de Villaverde) aprisionada pelo pai; a sua amiga Vera (Maria de Medeiros); ou o amante interpretada pelo cantor Chico Buarque, com quem Villaverde tem uma relação muito próxima.

Com uma fotografia interessante (assinada pelo director Emmanuel Machuel, responsável pela imagem de títulos como O Dinheiro, de Robert Bresson) e uma estética liderada pela força do mar algarvio (de onde provém a inspiração para o título da longa-metragem), Água e Sal, produzido por Paulo Branco, tem um tom declaradamente intimista e autobiográfico, já que a realizadora admitiu, em declarações ao jornal Público em 2002, que sentia “que este filme foi o que mais precisei de fazer, pessoalmente”. Filme apontado pela confusão que o preenche (a dada altura do filme, a protagonista reconhece: “Estou à procura, não sei bem de quê”), Teresa Villaverde reagiu declarando que a afligia “o facto de, se vamos falar da confusão, termos que ter a cabeça arrumada. Eu quis falar da confusão, mergulhar nela e assumir a minha própria confusão”.

Depois de ter filmado Transe (2006), filme sobre o tráfico humano, a realizadora portuguesa prepara-se para regressar a Veneza com a sua mais recente longa-metragem: Cisne, que conta com Beatriz Batarda, Miguel Nunes e Israel Pimenta no elenco e que poderemos ver nas salas de cinema portuguesas já no próximo dia 8 de Setembro.

Quando os heróis são super

Após o enorme sucesso de “O Cavaleiro das Trevas”, por este ano já passaram pelos ecrãs portugueses heróis como o Capitão América, Thor ou Lanterna Verde. E mais vêm a caminho, confirmando um dos terrenos de maior sucesso do cinema de acção e aventuras do presente. Este artigo foi publicado originalmente no dia 27 de Agosto de 2011 na revista Notícias Sábado, que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.
São muitos, de todos os tamanhos, cores e feitios e são, principalmente, a personificação de uma força que os espectadores gostariam de ter: a capacidade de enfrentarem os próprios medos.

Não será certamente por acaso que sejam poucos os super-heróis que não tenham a sua origem em bandas desenhadas (encontramos excepção em filmes como 'Os Incríveis', da Disney, que curiosamente parodia célebres personagens do género). Estas personagens com super-poderes foram criadas sobretudo no início dos anos 60, quando a Guerra Fria assombrava a imaginação do público. Muito embora fossem apresentados como uma forma de puro entretenimento, a raiz de personagens como o Homem de Ferro é fundamentalmente política. Na altura, os seus inimigos eram maioritariamente russos, ligando-os invariavelmente ao comunismo temido pelo bloco ocidental dominado pelos EUA. Já 'Capitão América: O Primeiro Vingador', que recentemente estreou nas salas de cinema portuguesas, surgiu pela primeira vez num ambiente de Segunda Guerra Mundial onde se considerava fundamental utilizar um símbolo que movesse as massas como arma ideológica e patriótica contra o regime nazi. Por sua vez, o Super-Homem apresentou-se como uma réstia de esperança para uma sociedade mergulhada na Grande Depressão.

Hoje em dia, o cinema, com todas as suas evoluções tecnológicas, surge como uma ferramenta de comunicação e entretenimento talvez mais sedutora que as bandas desenhadas. Não é por isso de admirar que entre o leque de temas abordados nas narrativas destes filmes de super-heróis passe invariavelmente o terrorismo, um dos maiores medos dos espectadores contemporâneos.

Podemos por isso considerar 'O Cavaleiro das Trevas', segundo episódio da trilogia revitalizada da personagem Batman pelo realizador norte-americano Christopher Nolan, como o filme pós-11 de Setembro por excelência, confrontando o público com problemas morais que jamais outro filme do género tinha ousado colocar antes. O arqui-inimigo Joker (Heath Ledger, que recebeu um Óscar póstumo pela sua interpretação) é aqui um demente com uma inteligência supra-normal, que nos faz recordar as ideias que Behring Breivik, responsável pelos atentados ocorridos na Noruega no dia 22 de Julho deste ano, quis transmitir a uma sociedade aterrorizada.

Não obstante a responsabilidade social dos filmes de super-heróis (cujo conjunto tem justificado um novo género cinematográfico), o entretenimento e a rentabilidade que Hollywood reparou ter com estas produções fez com que inúmeras sequelas, “reboots” (ou seja, novos começos) e adaptações fossem lançadas umas a seguir às outras. É o caso de 'Os Vingadores', um verdadeiro cruzamento cinematográfico que estreará já no próximo ano e que juntará figuras como Hulk, Homem de Ferro ou o Capitão América.

A esperança que veio da América
Criado pela dupla Jerry Siegel e Joe Shuster, a personagem mais mítica com “super” no seu nome teve a primeira aparição no dia 18 de Abril de 1938, na primeira edição da revista de banda desenhada Action Comics. Como se situava em plena época de Grande Depressão, o Super-Homem batalhou inicialmente com inúmeros homens de negócios cuja prática de corrupção o levava a zelar pela justiça, o que faz com que o ensaísta Roger Sabin considere que ele era o resultado do “liberalismo ideal do New Deal, de Franklin Roosevelt”. Fora da BD, o super-herói surgiu referido na rádio, em videojogos, na televisão (em desenhos animados ou não, como as séries 'Lois & Clark', dos anos 90, ou 'Smallville', que terminou este ano), em músicas, em artes plásticas, teatro mas também no cinema. Como exemplo, podemos destacar o conjunto de episódios reunidos num filme 'Superman' (1948); o clássico 'Super-Homem – O Filme' (1978), com Christopher Reeve, seguido de três outros episódios (e que ajudou a edificar o género de filmes de super-heróis), e 'Super-Homem: O Regresso' (2006), realizado por Bryan Singer que teve desapontantes resultados de bilheteira. Encontra-se previsto para 2013 'Man of Steel', uma continuação protagonizada por Henry Cavill.

O herói que não é “super” 
Um ano depois de Super-Homem ter surgido pela primeira vez, Batman aparecia numa edição de BD da DC Comics, Porventura um dos mais misteriosos e interessantes heróis, sob a máscara do homem-morcego encontra-se Bruce Wayne, um multi-milionário que, em criança, assiste à morte dos pais e decide investir o seu dinheiro em tecnologia para tornar a sua identidade secreta e combater o crime na cidade ficcional de Gotham City. Criado originalmente por Bob Kane, Batman, o herói sem super-poderes, dá uso à inteligência e agilidade, sendo um bom modelo para os fãs, apesar do ambiente negro que o envolve. Surgindo em diferentes tipos de media, como a televisão (como séries de desenhos animados), rádio, teatro e videojogos, aparece também no cinema, sendo importante destacar 'Batman' (1989, com Jack Nicholson como Joker) e 'Batman Regressa', ambos realizados por Tim Burton num universo estético muito específico. Recentemente, Christopher Nolan revitalizou a série, criando uma trilogia da qual se destaca o enorme sucesso 'O Cavaleiro das Trevas' (2008, com uma interpretação póstuma de Heath Leadger) e cujo último capítulo, 'The Dark Knight Rises', estreará para o próximo ano.

A equipa dos “Homo Superior” 
Com uma primeira aparição em Setembro de 1963, os X-Men, que são da responsabilidade da Marvel, foram criados pela dupla Stan Lee e Jack Kirby. Situa-nos num mundo onde há seres humanos mutantes e negligenciados. E conta a forma como o Professor X pretende comprovar que, se treinados, esses mutantes podem revelar-se, com o gene “X”, superiores ao homem. Tocando não raras vezes em temas sociais como o racismo, a diversidade de género e a demanda pela aceitação e igualdade, foram criadas séries televisivas e peças teatrais baseadas nesta ideia. No cinema, é de ressaltar a existência de uma trilogia composta por 'X-Men' (2000), realizado por Bryan Singer com Hugh Jackman (que personifica o Wolverine) e Ian McKellen; 'X-Men II' (2003), e 'X-Men III: O Confronto Final' (2006). Entretanto, surgiram também prequelas: 'X-Men Origens: Wolverine' (2009) e 'X-Men: O Início', que foi lançado este ano e é protagonizado por James McAvoy. Para o ano, está agendada a estreia de 'The Wolverine', novamente com a presença de Hugh Jackman.

A liga dos esverdeados
Aparecendo ao público consumidor de bandas desenhadas pela primeira vez na 16ª edição da revista 'All-American Comics' em 1940, o corpo dos Lanterna Verde foi concebido por Bill Finger e Martin Nodell. No universo imaginado, cada Lanterna Verde possui um anel com um super-poder tão potente quanto perigoso. Com adaptação para videojogos e séries de desenhos animados e 'live action', foi realizada uma longa-metragem que acabou de estrear nas salas de cinema portuguesas no dia 18 de Agosto, e que se debruça sobre a forma como o inimigo Parallax deseja destruir o balanço inter-galáctico que os Lanterna Verde têm o objectivo de proteger. Dirigido por Martin Campbell, o filme, que tem recebido até o momento críticas geralmente desfavoráveis, conta com as interpretações de Ryan Reynolds (como Hal Jordan, o primeiro humano a ser seleccionado para os Lanterna Verde), Blake Lively, Peter Sarsgaard, Mark Strong e Tim Robbins, estando disponível em 2D ou 3D. Encontra-se de pé a possibilidade de existir uma sequela.

O super-herói acidental
Uma das mais preciosas propriedades da Marvel foi criada por Stan Lee e Steve Ditko e tornada pública em Agosto de 1962 como banda desenhada. A personagem que se esconde debaixo da máscara do Homem-Aranha é complexa. Peter Parker é um adolescente que, tal como os criadores consideravam sobre o seu público, se confrontava não poucas vezes com os sentimentos de exclusão, incompreensão e de curiosidade. Um dia, uma aranha geneticamente modificada pica-o, transformando-o num ser semi-humano e aracnídeo com poderes invulgares e espectaculares. Adaptado para séries televisivas e radiofónicas, livros, videojogos e peças de teatro (incluindo um musical controverso produzido na Brodway, com música de elementos dos U2), o cinema viu o Homem-Aranha numa trilogia com Tobey Mcguire como protagonista. Apesar dos bons resultados de bilheteira e má recepção pela crítica, chegou a ser pensado o lançamento de um quarto capítulo. Porém, será estreado para o ano um reinício da série: 'The Amazing Spider-Man 3D', realizado por Marc Webb e com Andrew Garfield como Peter Parker.

O homem que a América precisava
O Capitão América surgiu pela primeira vez em 1941, criado por Joe Simon e Jack Kirby para a Marvel Comics. A figura surge como símbolo de uma América empenhada em transmitir um sinal de força e evolução em plena Segunda Guerra Mundial. Tal como o filme 'Capitão América: O Primeiro Vingador' (que tem sido bem-sucedido em retorno financeiro e que pode ser visto agora nas salas de cinema portuguesas em 3D) o demonstra, este herói é produto de uma experiência científica e militar, cuja missão é eliminar Hitler e o regime nazi. Possivelmente o mais assumidamente patriótico (começando pelo seu título) de todos os super-heróis, o Capitão América faz parte de uma liga de personagens que serão reunidas em 'Os Vingadores' (adaptação da banda desenhada criada em 1963), a estrear no próximo ano, e que conta com a presença desta personagem, de Hulk, de Thor e de Homem de Ferro. O filme será realizado por Joss Whedon e terá Robert Downey, Jr., Mark Ruffalo, Chris Hemsworth e Chris Evans no elenco.

O playboy que decidiu salvar o mundo
A personagem que se transformou, quase por um acaso, no icónico Homem de Ferro (originalmente apresentado em Março de 1963), não nasceu com pretensões para salvar o mundo. Tony Stark, criado por Stan Lee, Larry Lieber, Don Heck e Jack Kirby, é um playboy norte-americano e um cientista multi-milionário que acabou, durante uma operação, a ser ligado a uma armadura que lhe garantia a vida. Após a ter melhorado, decidiu servir a identidade de Homem de Ferro como meio para combater os inimigos que assolavam o país. Dos anos 60 até agora, a adaptação das aventuras do super-herói foi feita basicamente para televisão (desenhos animados) e videojogos. Porém, em 2008 o público viu no grande ecrã Robert Downey Jr. como Homem de Ferro. A revitalização da personagem funcionou de tal maneira que se seguiu imediatamente uma sequela em 2010, também ela dirigida por Jon Fevreau. Poderemos esperar 'Homem de Ferro 3' em breve, já que foi anunciada uma data de estreia prevista para 3 de Maio de 2013 (nos Estados Unidos).

Uma força proporcional à fúria
Após estar acidentalmente exposto à explosão de uma bomba que ele próprio inventou, o físico Bruce Banner é transformado involuntariamente num monstro enorme e verde e cuja força brutal corresponde ao seu grau de fúria. Inspirado em Frankenstein e concebido originalmente uma vez mais por Stan Lee e Jack Kirby, as aventuras de Hulk foram publicadas em Maio de 1962 pela Marvel Comics. Com inúmeros episódios desenvolvidos para séries de televisão infantis, o Hulk surgiu pela primeira vez no cinema com o realizador chinês radicado nos EUA Ang Lee (responsável por títulos como 'O Segredo de Brokeback Mountain'), em 2003. Visto pelo produtor como um desastre de 'box office', a série sofreu um “reboot” em 2008, com 'O Incrível Hulk', protagonizado por Edward Norton, que recebeu melhor retorno financeiro e recepção por parte da crítica. Muito embora Norton tenha sido considerado para prosseguir com as sequelas, este foi substituído por Mark Ruffalo como Hulk no futuro filme 'Os Vingadores', a estrear no próximo ano.

Mais que um homem, um deus
Inspirados pelo deus supremo da mitologia nórdica, Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby criaram a personagem Thor, fazendo-a surgir pela primeira vez numa banda desenhada em Agosto de 1962. Como o objectivo inicial era gerar o mais poderoso super-herói os criadores da personagem rapidamente entenderam que em vez de ser humano o herói deveria ser um deus. Assim sendo, as aventuras de Thor desenvolvem-se entre batalhas com deuses inspirados noutras mitologias, como a grega e egípcia. Adaptado para televisão a partir dos anos 60 e para diversos videojogos, o cinema assistiu este ano à estreia de 'Thor' em 3D (estreou em Portugal no dia 28 de Abril), realizado por Kenneth Branagh e com Chris Hemsworth, Natalie Portman, Anthony Hopkins e Tom Hiddleston no elenco. Recebendo um retorno financeiro e recepção favoráveis, Thor voltará ao grande ecrã no próximo ano, à semelhança de muitos outros super-heróis, em 'Os Vingadores', e em 2013, numa sequela protagonizada novamente por Chris Hemsworth.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Aprendizes da vida

Se há lição que se pode retirar da comédia tão doce como amarga Assim é o Amor, a estrear na próxima quinta-feira, é que devemos permanecer em constante redescoberta daquilo que a vida tem para nos proporcionar. Este artigo foi publicado originalmente no dia 27 de Agosto de 2011 na revista Notícias Sábado, que integra o DN e o JN.
O realizador Mike Mills parece ter consciência de que a criação cinematográfica é porventura um dos melhores meios para perpetuar as suas memórias e experiências passadas, dando-as a conhecer ao mundo tal como se quisesse transmitir uma lição de vida. Contudo, Assim é o Amor, que estreia entre nós no primeiro de Setembro, partilha com os seus espectadores o universo muito íntimo deste norte-americano reconstruindo-o para nos oferecer uma comédia romântica não poucas vezes com sabor agridoce.

Este é, em concreto e como o título original (Beginners) dá a entender, um filme sobre eternos aprendizes ou sobre a forma como as pessoas são obrigadas a reaprender o modo como levam a sua vida e existência. E, da mesma forma, Beginners é sobre a maneira como redescobrimos o amor e a pluralidade das suas manifestações.

Ewan McGregor veste a pele de Oliver, um artista gráfico que transmite a sua grave melancolia e nostalgia ao seu cão Arthur (que só compreende 150 palavras e não consegue falar!) e, evidentemente, aos espectadores. Recorda “o céu, as estrelas e o presidente” dos EUA para oferecer um contexto e situar a sua história de vida – que, na verdade, é a do próprio cineasta, Mike Mills (realizador de “Chupa no Dedo” e de telediscos para Moby ou os Air).

Quer a personagem como o autor deste filme passam pela experiência traumática de terem perdido a mãe e, uma semana depois, serem confrontados com o pai de 75 anos, que confessa ser homossexual após 44 anos de casamento. Oliver recorda o tempo passado com o pai (interpretado por um magnífico Christopher Plummer) enquanto gay assumido e a maneira intensa como este viveu ao lado do filho e do novo namorado os últimos momentos da sua existência, assombrada por um cancro que acaba por ser mortal. Quando conhece a misteriosa actriz francesa Anna (Mélanie Laurent, que representou na longa-metragem Sacanas sem Lei, de Quentin Tarantino) após a morte do pai, Oliver vê-se subitamente com uma nova energia e impelido a avançar com os sentimentos que nutre por ela, sem esquecer aquilo que o pai lhe ensinou.

Filme sem grandes qualidades de mise-en-scène que mereçam particular destaque, Assim é o Amor vale sobretudo pela sua montagem e, como não podia deixar de ser, pela riqueza das suas personagens que nada mais são que uma projecção pessoal de Mike Mills e das interpretações das mesmas. Próximo da vida e dos dramas do ser humano contemporâneo, esta é uma comédia “simpática” que merece, pelo menos, um visionamento – se possível com ou a pensar naqueles que amamos.

Os dois fantasmas do cinema português

Pouco depois de ter passado em Vila do Conde e em Locarno, 'Alvorada Vermelha' reforça a coesão do trabalho entre os dois realizadores. Este artigo foi publicado originalmente no dia 20 de Agosto de 2011, no Diário de Notícias.
Por coincidência (ou talvez não), a primeira imagem de Odete é um grande plano de duas personagens chamadas nada mais, nada menos que Pedro e Rui. Nesse filme, João Pedro Rodrigues esteve envolvido na realização e no argumento, enquanto João Rui Guerra da Mata assinou a direcção artística e o guarda-roupa. A cooperação entre ambos, que se pode equiparar à parceria dos realizadores António Reis e Margarida Cordeiro no pós-25 de Abril, já vem de antes de Odete e parece não ter sido acidental.

João Pedro Rodrigues, depois de ter frequentado a Escola Superior de Teatro e Cinema, no final dos anos 80 (onde realizou, em 1988, O Pastor e onde hoje João Rui Guerra da Mata é professor da cadeira de Art Direction) e após ter trabalhado como assistente de realização com diversos cineastas, decidiu lançar, em 1997, a sua primeira curta-metragem, Parabéns!. De certa maneira, esta obra, levada ao Festival de Cinema de Veneza, onde recebeu uma menção especial do júri, apresentaria as marcas principais do seu cinema: os temas do amor e do desejo, a homossexualidade e a colaboração com a produtora Rosa Filmes e, como não podia deixar de ser, com João Rui Guerra da Mata, que a protagonizou.

"Comecei a trabalhar em cinema porque o João Pedro me convidou", admite João Rui Guerra da Mata ao DN, que antes de Parabéns! tinha trabalhado em Corte de Cabelo (1995), de Joaquim Sapinho, fundador da Rosa Filmes (em que, curiosamente, Rodrigues foi assistente de casting e responsável pelo guarda-roupa). "Trabalhei em todos os seus filmes como art director e ajudei-o na escrita dos argumentos."

A visibilidade de ambos é lançada em definitivo em 2000 quando O Fantasma, primeira longa-metragem, fez carreira (com tanta aclamação como controvérsia) no circuito internacional. Escrito e realizado por João Pedro, o filme tem uma invisível omnipresença de João Rui: além de ser responsável pela decoração, pelo guarda-roupa, pela caracterização e por um papel secundário, O Fantasma é-lhe dedicado. Seleccionado para competição em Veneza e vencedor do prémio para Melhor Filme Estrangeiro no Festival de Belfort, João Pedro Rodrigues passou a estar nas bocas do mundo.

"Assistimos à chegada de um realizador fundamental", advertia na altura J. S. Chauvin na revista de referência Cahiers du Cinéma. Por sua vez, João Pedro tem a consciência da sua projecção: "Todos os meus filmes foram exibidos nos mais importantes festivais internacionais, todos estrearam comercialmente e foram editados em DVD em vários países, inclusive nos EUA e em Hong-Kong, mercados tradicionalmente difíceis", reconhece ao DN. "Se os portugueses têm consciência disto? Sinceramente acho que não", considera João Rui.

Com a chegada de Odete, melodrama lançado em 2005 e que percorreu festivais em diferentes locais, como Cannes, Belfort, Rio de Janeiro, Milão, Banguecoque ou Seattle, João Pedro Rodrigues foi reconhecido como uma das figuras-chave do cinema LGBT (apesar de já ter considerado redutor o rótulo de realizador gay). Nesta obra, João Pedro retoma uma exploração evidente do corpo masculino e dos afectos entre pessoas do mesmo sexo, aspecto que permanece visível na longa-metragem seguinte, Morrer como Um Homem (2009).

Candidato português à nomeação para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares e exibido em Cannes, Nova Iorque, Toronto, Los Angeles ou Istambul, Morrer como Um Homem (que "vai ser editado em DVD pela Strand Releasing nos EUA no próximo dia 21 de Agosto", diz-nos João Pedro) voltou a contar a colaboração de João Rui Guerra da Mata no argumento e direcção artística. Debruçando-se sobre o universo do espectáculo travesti, o filme tocou em problemáticas profundas como a identidade, a fé e a morte - presente em grande parte do seu trabalho, como na "curta" China, China, lançada em 2007, ou no recente Alvorada Vermelha, co-dirigidos por ambos.

"Quando decidi escrever um argumento para uma curta-metragem do João Pedro, a história que quis contar tinha a ver com a China e com chineses, porque era isso que me interessava", declara João Rui. "O João Pedro convidou-me a realizar China, China com ele porque compreendeu o meu envolvimento na história. Penso que Alvorada Vermelha continua esse nosso caminho de cumplicidades", acaba por reconhecer.

De facto, Alvorada Vermelha, apresentada no Curtas de Vila do Conde e na Suíça, no Festival de Locarno, é o resultado evidente de um trabalho cuja parceria só poderia resultar partindo de uma visão convergente e proporcionada. Filme sobre o mercado vermelho em Macau, "a câmara de Rodrigues e Guerra da Mata emerge como uma força motriz que nos dá o exacto balanço entre o que existe e o que vemos", escreveu Miguel Valverde, o programador da passada edição do IndieLisboa, onde a obra foi exibida.

Mas o trabalho desta dupla não termina aqui; preparam o lançamento do documentário A Última Vez Que Vi Macau, que co-assinam. E há pouco tempo, João Pedro Rodrigues acabou de rodar Manhã de Santo António, curta que "trata do regresso a casa de um grupo de quarenta jovens, rapazes e raparigas, depois de uma noite passada nas festas de Santo António em Lisboa" e que "irá estrear na escola Le Fresnoy, perto de Lille, onde leccionei uma cadeira de Realização no ano lectivo de 2010/11, em Outubro deste ano", diz o realizador. Guerra da Mata encontra-se a filmar aquela que é a sua "primeira curta, O Que Arde Cura, em que o João Pedro está a colaborar".

O realismo como parte da encenação

João Rui Guerra da Mata não se sentiu um estrangeiro em Macau quando filmou Alvorada Vermelha. Vivendo lá grande parte da sua infância nos anos 70 e viajando pela Ásia, partilhou com João Pedro Rodrigues as suas recordações: "sempre pensei que aquelas histórias tinham um tom de filme de aventuras", admite o realizador de Morrer como Um Homem.

"Voltei a Macau 30 anos depois e estivemos a lá filmar durante quase seis meses", diz-nos Guerra da Mata. "O Mercado Vermelho era uma das mais fortes recordações que eu tinha e fazia parte dos nossos planos filmá-lo. Ele é, neste momento, o mais antigo mercado de Macau. E o último mercado onde os animais são vendidos vivos e depois mortos em frente aos clientes."

Por sua vez, Rodrigues considera Alvorada Vermelha "mais como uma continuação dos meus trabalhos anteriores", onde "há sempre um olhar quase "documental" sobre os actores e os décors, apesar de ser tudo muito encenado - há uma espécie de crença no realismo que depois tento transfigurar". Com um lado violento e implacável, Alvorada Vermelha transcende por isso o seu realismo de uma forma muito particular, filmando... uma sereia. "Acho que o lado encenado do filme vem da forma como filmámos aquelas pessoas a trabalhar, é a isso que me refiro quando falo da transfiguração do real. Introduzimos os elementos de fantasia (como a sereia) porque o filme também é uma homenagem a Jane Russell, a protagonista de Macao de Josef von Sternberg, que morreu enquanto estávamos a filmar em Macau."

Produzida pela Blackmaria, a curta-metragem teve ainda "o apoio do Instituto Cultural de Macau", que, na opinião de Rodrigues, "foi fundamental em todo este processo. Tivemos autorização para filmar em todo o território excepto dentro dos casinos, onde essa autorização nos foi recusada. Estranhamente, e ao contrário do que aconteceria nos mercados ocidentais, os trabalhadores do Mercado Vermelho ignoraram-nos quase sempre, deixando-nos filmar como se não estivesse ali uma câmara."

O filme marcará presença em Viena, em Outubro, e em Copenhaga em Novembro.

Uma filmografia entre colaborações

Parabéns | 1997
Escrito e realizado por João Pedro Rodrigues, abre-nos as persianas e apresenta-nos João Rui Guerra da Mata como Chico, um homem comprometido com uma mulher que o acorda, no dia do trigésimo aniversário, com um telefonema. Ao lado de Chico, há uma nova presença na sua cama: João (Eduardo Sobral), com quem passou a noite.

O Fantasma | 2000
Longa-metragem debutante de João Pedro Rodrigues, que a realizou e escreveu, conta com João Rui Guerra da Mata na direcção artística, no guarda-roupa e no papel secundário de um polícia. A história de Sérgio (Ricardo Meneses), que trabalha para a companhia de limpeza urbana em Lisboa e que é obcecado por sexo e pelo corpo do homem. [Trailer]

Odete | 2005
Considerada pelo crítico do DN João Lopes "como uma fábula sobre a pluralidade do amor", Odete, escrito e realizado por João Pedro Rodrigues e com os décors e guarda- -roupa assinados por João Rui Guerra da Mata, acompanha a forma como Sónia (Ana Cristina Oliveira) finge estar grávida do falecido vizinho, namorado de Rui (Nuno Gil). [Trailer]

China, China | 2007
Escrito por João Rui Guerra da Mata, que co-realizou com João Pedro Rodrigues e comandou a direcção artística, explora a demanda de uma jovem imigrante em Portugal a quem chamam de China (Chen Jialiang) na procura de uma liberdade que, depois, se apresenta inalcançável. Marcou presença em Cannes. [Trailer]

Morrer como um Homem | 2009
Candidato português aos Óscares, realizado por João Pedro Rodrigues e escrito em colaboração João Rui Guerra da Mata (que assinou, mais uma vez, a direcção artística) traz-nos a história decadente de Tónia (Fernando Santos), um travesti que se sente pressionado a realizar uma operação de mudança de sexo, embora perante Deus sinta que será sempre um homem. [Trailer]

Alvorada Vermelha | 2011
Co-realizado e escrito por João Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues (que tratou da fotografia), debruça-se sobre o Mercado Vermelho em Macau, onde os animais são brutalmente mortos, e grande parte deles à frente dos clientes. Impressionante, realista e, ao mesmo tempo, lírico, este filme é, no final, dedicado à actriz Jane Russell.

A Última Vez que Vi Macau | 20??

O próximo filme que a dupla lançará é uma longa-metragem que ambos co-realizam. Tendo mais de 150 horas de filmagem para montar, é "uma espécie de ficção em off, mas que tenha um ritmo e uma história - aliás, várias histórias que desembocam umas nas outras", admitiu Rodrigues ao jornal macaense Ponto Final.

João Pedro Rodrigues
Nascido em 1966, João Pedro Colaço do Rosário Godinho Rodrigues especializou-se em montagem na Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa, após ter frequentado um curso de Biologia (onde desejava ser ornitólogo). Entre 1989 e 1996 foi assistente de realização de Jorge Silva Melo, João Guerra e Alberto Seixas Santos, e assistente de montagem de figuras como Manuela Viegas (ao lado do colega Joaquim Sapinho, com quem colaborou como actor na sua curta-metragem de final de curso À Beira Mar). Frequentador cinéfilo da Cinemateca, foi realizador de Parabéns! e Esta é a Minha Casa (1997), Viagem à Expo (1999), O Fantasma (2000), Odete (2005) e Morrer como um Homem (2009), onde grande parte do trabalho trespassa o tema da morte e da sexualidade não-normativa. Co-assinou China, China (2007) e Alvorada Vermelha (2011) com Guerra da Mata. Prepara-se para estrear a curta Manhã de Santo António e, para o ano, A Última Vez que Vi Macau, onde volta a co-assinar a realização. 

João Rui Guerra da Mata
Actualmente professor na Escola Superior de Teatro e Cinema, a infância de João Rui Guerra da Mata passou por Macau, onde voltaria para filmar as curtas-metragens (co-assinadas com João Pedro) Alvorada Vermelha (dedicada a Jane Russell, protagonista de Macao (1952), cujo plano inicial do filme contém a casa onde viveu João Rui) e o documentário A Última Vez que Vi Macau, que será lançado futuramente. Foi, também ao lado de João Pedro, autor de China, China (2007). Trabalhou como director artístico e responsável pelo guarda-roupa em grande parte dos filmes do parceiro, surgindo como protagonista da primeira curta-metragem de João Pedro – Parabéns! Trabalhou ainda com Joaquim Sapinho e Carlos Conceição.

domingo, agosto 28, 2011

Post(ers) [9]

Ken Park (2002), de Larry Clark

domingo, agosto 21, 2011

Nas teias da sedução e da corrupção

Filme controverso e político, Call Girl, rodado no Baixo Alentejo, apresenta-se hoje como um grande exemplo no panorama do cinema português de como é possível conciliar uma ambição comercial com uma visão de autor. Este artigo foi publicado originalmente no dia 19 de Agosto de 2011 no Diário de Notícias.
O realizador António-Pedro Vasconcelos tem sido, até hoje, um dos defensores mais persistentes na ideia de reforma do mercado cinematográfico nacional. “O cinema é uma arte popular e com uma tendência universal. Interessa-me o público popular. Interessa-me tanto a opinião da minha porteira como a de um crítico”, declarou, no final de 2007, ao JN. É com essa perspectiva declaradamente comercial e atenta à generalidade do espectador em Portugal, que Call Girl, lançado em 2007, surge como uma obra dissidente quanto à restante cinematografia do país, ligada principalmente ao cinema de autor.

Porém, tal não significa que Call Girl não tenha uma visão marcadamente autoral. Como explica João Lopes, crítico de cinema do DN, “se é verdade que o Cinema Novo português herdou muito do imaginário da Nova Vaga francesa, (…) desde a sua primeira longa-metragem (Perdido por Cem, 1973), António-Pedro Vasconcelos terá tentado encontrar um lugar simbolicamente idêntico ao de François Truffaut: o de um cineasta que mantém uma voz pessoal, sem preconceitos de aplicar modelos de raiz popular”.

Quer isto significar que, apesar de ter dividido a crítica pela altura do seu lançamento, que ocorreu 2 dias depois do Natal de 2007, Call Girl é essencialmente um filme com um cunho pessoal dirigido para as massas. Co-produzido pela TVI (para o realizador, a televisão é, tal como declara ao JN, “um segundo mercado e a maior janela de promoção dos filmes”), Call Girl foi apoiado com um subsídio estatal de 650 mil euros. Segundo dados fornecidos pelo ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual), o resultado superou todas as expectativas: teve uma receita bruta de nada mais nada menos que 1.034.687 euros, sendo visto por 232.581 espectadores. Feitas as contas, tornou-se no terceiro filme português mais visto, apenas superado pelo Filme da Treta, de José Sacramento e por O Crime de Padre Amaro, de Carlos Coelho da Silva, que ocupa o pódio (e que, curiosamente, é também protagonizado por Soraia Chaves).

“Hoje não imagino o filme sem a Soraia”, admitiu António-Pedro Vasconcelos ao JN. E, de facto, a actriz oferece-nos neste filme uma representação contida e carismática, que sem dúvida será recordado como um dos melhores papéis da sua carreira. “Mas quando foi escrito ela não existia e não mudei uma linha ou uma cena quando ela entrou no filme. Este filme foi escrito para uma actriz que em Portugal não existia. Foi escrito para a Rita Hayworth ou para a Ava Gardner, para as vedetas míticas da minha juventude.”

Call Girl parece portanto citar o cinema clássico norte-americano como inspiração para a forma como a história, claramente contemporânea, é projectada. Filmando o corpo sem pudor e com admirável elegância, o realizador português declarou ao jornal Sol, em 2007, querer propor “uma versão moderna de O Anjo Azul” (1930), filme alemão de Josef von Sternberg. Situando-nos em Vilanova (vila fictícia localizada no Alentejo), Call Girl é sobre a forma como uma prostituta de luxo (Soraia Chaves), é contratada por um homem (Joaquim de Almeida) para seduzir o presidente da câmara (Nicolau Breyner), de modo a que este ceda a autorização a uma multinacional para que se construa um grande empreendimento turístico, ao mesmo tempo que dois agentes da Polícia Judiciária (Ivo Canelas e José Raposo) investigam os sinais de corrupção.

Ainda que o filme seja assinaladamente sobre a degradação política, António-Pedro Vasconcelos aplaudiu, numa crónica no jornal Sol, o funcionamento da autarquia de Ferreira do Alentejo, onde rodou Call Girl. “Uma das boas coisas do cinema é que nos põe em contacto com sítios e pessoas que, de outro modo, nunca teríamos conhecido. Neste caso, levou-me ao Baixo Alentejo, e permitiu-me descobrir um modelo de gestão autárquica digno de ser assinalado”, escreveu, acrescentando por fim “que se come divinamente em Ferreira”, dando “mais uma razão para fazer uma visita à região”. “Comi uma açorda de tomate com bacalhau (…) n’O Páteo, um restaurante que aconselho que se apressem a conhecer, antes que os talibãs do ASAE dêem cabo dele”.

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sexta-feira, agosto 19, 2011

João Pedro Rodrigues & João Rui Guerra da Mata

Com o magnífico Alvorada Vermelha a servir de exemplo para falar da dupla de realizadores portugueses, escrevi um perfil sobre João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata que será amanhã publicado no Diário de Notícias.

Morreu o realizador Raúl Ruiz (1941-2011)

A Clap Filmes anunciou que Raúl Ruiz, realizador chileno radicado em França, morreu hoje em Paris aos 70 anos de idade, vítima de uma infecção pulmonar. 

Nascido no dia 25 de Julho de 1941, Raúl Ruiz Pino foi um distinto teórico e cineasta, tendo vivido até hoje com a sua mulher, também ela realizadora, Valeria Sarmiento.

Inovador e não raras vezes experimental, realizou mais de uma centena de filmes, entre os quais se destacam “A Cidade dos Piratas” (1983), “Três Vidas e uma só Morte” (1996) e o recente “Mistérios de Lisboa”, monumental adaptação do romance de Camilo Castelo Branco. Produzida por Paulo Branco, a longa-metragem, de quatro horas e meia, foi também estendida a uma mini-série de 6 episódios na RTP. Com Adriano Luz, Maria João Bastos, Ricardo Pereira, Clotilde Hesme, Afonso Pimentel, Léa Seydoux e Albano Jerónimo, “Mistérios de Lisboa”, que estreou no passado dia 5 de Agosto nos EUA, tem sido reconhecida como uma obra-prima. O crítico de cinema do DN João Lopes afirmou que “nunca tivemos nenhum filme português com tantas potencialidades para ser trabalhado de modo a conseguir chegar a uma nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro”. 

O realizador estava a trabalhar na pré-produção de um novo filme produzido por Paulo Branco a rodar em Portugal. Teria por título “As Linhas de Torres” e contaria no elenco com John Malkovich, Mathieu Amalric, Melvil Poupaud e Marisa Paredes

Segundo a Clap Filmes, “a cerimónia fúnebre terá lugar na próxima terça-feira, dia 23 de Agosto, às 10h30, na Igreja Saint-Paul (99, Rue Saint-Antoine), em Paris. O seu corpo será sepultado no Chile.”
Esta notícia foi publicada originalmente no site Dinheiro Vivo, aqui.

quinta-feira, agosto 18, 2011

Estreias e box office da semana (i)

Hoje estreiam quatro novos filmes nas salas de cinema portuguesas:

1. “Cowboys & Aliens” é uma adaptação de um romance gráfico homónimo de Scott Mitchell Rosenberg e é uma mistura improvável de ficção científica com western. O filme, situado no Arizona do século XIX, é realizado por Jon Favreau (que realizou os dois “Homem de Ferro”) e conta com as participações de Daniel Craig, Harrison Ford e Olivia Wilde. Trailer aqui.

2. "Green Lantern". Dos EUA chega-nos também “Lanterna Verde”, que mostra como uma irmandade de guerreiros com superpoderes e o objectivo de manter a ordem intergaláctica se confrontam com um inimigo que pretende comandar o equilíbrio do Universo. O filme é realizado por Martin Campbell (“007 – Casino Royale”), e conta com Blake Lively, Mark Strong, Peter Sarsgaard e Ryan Reynolds no elenco. Encontra-se disponível nos formatos 2D (apenas no SBC Cinemas - Fórum Algarve) e 3D. Trailer aqui.

3. "Bem-vindo ao sul". A comédia italiana “Bem-vindo ao Sul” também abre o cartaz da semana e segue a forma como um director de uma estação dos correios de um vilarejo (Claudio Bisio) é obrigado a permanecer numa cidade perto de Nápoles, após ter tentado mudar-se para Milão. O filme é realizado por Luca Minero e está disponível nos cinemas UCI Arrábida 20 (Vila Nova de Gaia) e UCI El Corte Inglés (Lisboa). Trailer aqui.

4. “Vénus Negra”. Por fim, hoje também estreia “Vénus Negra”, uma tragédia filmada por Abdellatif Kechiche (“O Segredo de um Cuscuz”) e que acompanha o caso real de Saartjes Baartman (interpretada por Yahima Torres), uma mulher hotentote que, no início do século XIX, foi utilizada como atracção em espectáculos de aberrações. O filme, que esteve nomeado para o Leão de Ouro na 67ª edição do Festival de Cinema de Veneza, encontra-se em exibição nos cinemas Medeia King e Medeia Monumental, em Lisboa. Trailer aqui.

Hoje o ICA também divulgou os dados do box office semanal.

O filme norte-americano “Os Smurfs”, disponível há já sete dias em 3D na versão original e em 3D e 2D na versão dobrada para português, foi o filme mais visto da semana em Portugal. A animação, realizada por Raja Gosnell, levou 141.243 espectadores às salas, arrecadando uma receita bruta de 844.940,38 euros.

Em segundo lugar da tabela do box office semanal encontra-se outra estreia, “O Planeta dos Macacos: A Origem”, e que foi visto por 62.315 portugueses.

Apesar de se encontrar disponível em menos locais (62 salas) que o último episódio de “Harry Potter” (71 salas), “Super 8” foi mais visto que o final das aventuras do feiticeiro, tendo um retorno financeiro de 113.636,97.

Por sua vez, “Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2”, que se encontra nas salas portuguesas de cinema há 21 dias, já acumulou uma receita bruta 2.839.712,16 euros. Ainda assim, ainda não ultrapassou o filme mais visto do ano em Portugal, “Os Piratas das Caraíbas: Por Estranhas Marés” (2.874.719,03 euros), que se encontra há 91 dias em exibição e na vigésima posição do box office.

A lista completa pode ser consultada aqui.

A rubrica Estreias e box office da semana congrega dois artigos da minha autoria originalmente publicados no site Dinheiro Vivo. Aqui (box office) e aqui (estreias).

Depois da magia, o terror

Daniel Radcliffe, que protagonizou a rentável série cinematográfica “Harry Potter”, vai regressar brevemente na longa-metragem de terror “The Woman in Black” (que podemos traduzir como “A Mulher de Preto”), que ganhou um novo trailer promocional.

A história sobrenatural, baseada no romance de Susan Hill (já adaptada para teatro, rádio e televisão), segue o jovem advogado Arthur Kipps, que viaja para um local distante no Reino Unido para investigar a misteriosa morte de um cliente seu. O filme é assinado pelo inglês James Watkins, responsável por títulos do mesmo género como “A Descida – Parte 2” (2009), que escreveu, ou “O Lago Perfeito” (2008), onde surge como realizador.

Radcliffe é hoje reconhecido como o actor com menos de 30 anos mais bem pago do mundo (com uma fortuna avaliada em cerca de 55 milhões de euros). Em declarações feitas à MTV, o jovem actor admitiu que “durante o ‘screen test’ realizado, as pessoas saltaram aterrorizadas das suas cadeiras, por isso acho que vai ser um filme muito, muito bom”.

O filme estreia no dia 3 de Fevereiro de 2012 nos EUA e 8 dias depois no Reino Unido. Em Portugal, “The Woman in Black” não tem ainda data de lançamento definida.
Esta notícia foi publicada originalmente no site Dinheiro Vivo, no dia 17 de Agosto de 2011.

quarta-feira, agosto 17, 2011

O “film noir pimba” que veio do Alentejo

Dividindo a crítica portuguesa na altura da estreia, “Sapatos Pretos”, de João Canijo explora a sexualidade e a maldade humana no interior do Alentejo de forma violenta e hiper-realista. Este artigo foi publicado originalmente no dia 12 de Julho de 2011 no Diário de Notícias.
O realizador português João Canijo, que este ano completa 54 anos de idade, parece nunca ter sido conhecido por fazer filmes “agradáveis” e o drama Sapatos Pretos apresenta-se como um irrefutável caso disso mesmo.

Depois de ter estudado História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, rendeu-se à sua paixão pelo cinema no início dos anos 80, tendo sido assistente de realização de Wim Wenders (O Estado das Coisas), Jaime Silva (Fim de Estação), ou Paulo Rocha (O Desejado), e ter trabalhado em televisão e teatro.

A actriz Rita Blanco foi uma presença constante nas suas primeiras obras: após ter realizado, em 1984, a curta-metragem A Meio Amor, estreou-se nas longas em 1989, com Três Menos Eu, e em 1991, com o thriller Filha da Mãe. Participou também em Tarde Demais (2000, [ler crítica]), que Canijo co-escreveu com José Nascimento. Mais recentemente, Canijo colaborou com a sua “musa” nos filmes-tragédia Ganhar a Vida (2001), onde protagoniza uma emigrante em França que perde o filho num tiroteio, Noite Escura (2004), que lida com a prostituição e o tráfico humano, e o futuro Sangue do meu Sangue, a estrear no próximo dia 6 de Outubro em Portugal, depois da sua passagem nos festivais de cinema em Espanha, na Coreia do Sul, no Canadá e no Brasil.

Por ser pródigo em dirigir dramas sociais vividos pelos portugueses (quer passados no interior rural ou na urbe), raras deverão ser as actrizes que não quereriam uma oportunidade para trabalhar com João Canijo. Consciente da exposição que acarretaria a representação do papel, Ana Bustorff aceitou protagonizar a memorável protagonista da produção luso-francesa Sapatos Pretos, lançado originalmente no dia 10 de Abril de 1998. Bustorff (que conseguiu, com este filme, o Globo de Ouro para melhor actriz) encarna a femme fatale Dalila, uma mulher que vive e trabalha com o ourives Marcolino (Vítor Norte), o seu sádico marido. Determinada a levar a sua existência de acordo com a sua vontade, começa a vestir-se de forma mais provocante, a traí-lo com um homem chamado Pompeu (João Reis), a inventar um cancro na mama de modo a poder fazer uma operação plástica e a conjecturar uma forma de assassinar o marido.

Baseado num caso real, esta história tem Reguengos (Sines) como pano de fundo. Numa entrevista dada ao DN em 1998, João Canijo admitiu que escolheu por ser “um local anónimo, como a Rinchoa ou um subúrbio da Amadora e assim não perdi tempo e energia a caracterizar o local. Assim, pude centrar o filme nas personagens e na história”.

Filme que partiu as opiniões da crítica portuguesa em dois, a obra foi considerada tanto como um “grande filme português” (Mário Jorge Torres, Público) como um “film noir pimba” e uma “paródia chineleira e eufórica da velhinha Lana Turner [no filme O Destino Bate à Porta (1941)]” (Nuno Henrique Luz, DN). De facto, o realizador filmou Sapatos Pretos, o seu universo “pimba”, sexual e violento com uma visão absolutamente crua, anti-televisiva, hiper-realista e amadora. Como o próprio Canijo assume ao DN, “aquela mulher, numa cidade de província de Portugal, fosse ela qual fosse, seria sempre pimba. Assim como o amante. E como eu não queria fazer um retracto igual à realidade, mas sim mais excessivo, mais forçosamente pimba seria por natureza”.

Conhecido por ter uma cena de violação brutalmente perversa, Sapatos Pretos acaba por transmitir uma visão do casamento pessimista: “um casamento é a relação com o maior potencial de violência que pode existir em qualquer relação humana”, admitiu o realizador. Assim sendo, nada é “bonito” neste filme. “Principalmente, as aldeias e as vilas são horríveis. O filme não tem ilusão alguma em relação ao Portugal real”, declarou Canijo. “O Portugal real é assim”.

O actor por detrás do macaco


Pouco depois de ter estreado entre nós o recente “Planeta dos Macacos”, Andy Serkis enfrenta uma vez mais o mundo do cinema com as possibilidades que a captura digital de movimentos oferece. Este artigo foi publicado originalmente no dia 13 de Agosto de 2011 na revista Notícias Sábado, que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.
Se passasse na rua, não seria estranho que não o reconhecessem pelas interpretações que o celebrizaram em redor do mundo. “Passados dez anos as pessoas ainda me dizem: ‘Então tu fizeste a voz do Gollum?’, ou ‘Tu fizeste os movimentos do King Kong?’” Quem o admite é Andy Serkis, figura central nas interpretações baseadas em captura digital de movimentos, ao jornal diário The Telegraph, e que regressa ao grande ecrã em “Planeta dos Macacos: A Origem”, que acaba de estrear nas salas de cinema portuguesas.

Mesmo antes da polémica instalada quando foi defendida uma nomeação para o Óscar para Zoe Saldana como melhor actriz secundária em Avatar, Andy Serkis tem sido um dos maiores defensores do reconhecimento daqueles que surgem no grande ecrã através de manipulação digital dos actores. Quanto à sugestão apontada por alguns críticos sobre a introdução de uma nova categoria direccionada às interpretações do género, Serkis defendeu a igualdade: “a essência de uma performance é a representação”, afirmou à BBC News.

Nascido em Londres no dia 20 de Abril de 1964, a paixão de Andrew Clement G. Serkis pelo teatro e pelas artes nasceu desde cedo, estudando e participando em peças nos tempos de universitário. Após ter interpretado obras de Shakespeare a Brecht, Andy Serkis fez o salto para as produções televisivas e cinematográficas durante os anos 90. Mas o actor deve o seu êxito à adaptação para cinema dos livros de J. R. R. Tolkien, “O Senhor dos Anéis”, a trilogia épica comandada por Peter Jackson galardoada com 11 Óscares da Academia.

Muito embora o realizador tivesse apenas pedido emprestada a voz do actor (que cede para alguns videojogos), Peter Jackson sentiu-se rapidamente impressionado pela presença física e entusiasmo de Serkis, motivando a escolha do tipo de animação e a colaboração entre ambos nos filmes seguintes. Para se aproximar da personagem Gollum, o actor britânico treinou um tipo de voz ao observar os seus próprios gatos e a forma como expeliam as bolas de pêlo engolidas.

A caracterização “realista” valeu-lhe um sucesso imediato, recebendo inúmeros prémios e nomeações pela sua interpretação e despertando a curiosidade aos espectadores de como a animação poderia parecer tão autêntica. Na vedade, Serkis esteve rodeado de uma talentosa equipa de efeitos especiais, que o colocaram dentro de um vestido justo com pontos onde as câmaras poderiam localizar a origem dos movimentos do seu corpo. Depois disso, os responsáveis pelo estúdio da Weta Digital (que tornaram possível “O Senhor dos Anéis”, “Avatar” ou o mais recente “Planeta dos Macacos”), transportariam a informação para computador, que criaria um modelo tridimensional.

O à-vontade com as características invulgares da representação permitiu que Serkis interpretasse Kong no filme King Kong (2005), também realizado por Peter Jackson, e que lhe valeu um prémio vindo da Associação de Críticos de Cinema de Toronto.

A imagem de “primata humanizado” não é, portanto, nova. Não é de estranhar a sua participação no mais recente “Planeta dos Macacos: A Origem”, o primeiro capítulo da série cinematográfica que não utiliza máscaras para caracterizar os macacos. Andy Serkis interpreta o protagonista César, líder da revolução dos macacos sobre o ser humano.

Ao mesmo tempo que se envolve neste género de projectos cinematográficos, o actor tem participado “tal como é” em filmes como O Terceiro Passo (2006), de Christopher Nolan, De Repente, Já nos 30! (2004), ou o recente Sex & Drugs & Rock & Roll (2009), obra biográfica no qual encarna o vocalista Ian Dury, que morreu em 2000 vítima de um cancro. “Não há distinção entre representar o Ian Dury ou o César”, defende o actor ao The Telegraph.

Ainda este ano, no dia 27 de Outubro, poderemos ver a sua participação em As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne e, em 2012, nos dois capítulos de O Hobbit, onde regressará como Gollum.

A nomeação que não chegou
Representar a misteriosa e assustadora personagem de Gollum / Sméagol não foi tarefa fácil para Andy Serkis. Durante a rodagem da trilogia de O Senhor dos Anéis, a equipa de efeitos especiais WETA responsável pela animação digital foi obrigada a filmar cada cena pelo menos duas vezes – uma com Serkis, e outra sem ele. Com uma interpretação e efeitos especiais aclamados pela crítica e pelo público, surgiram rumores de que este poderia ser nomeado para um Óscar, o que não se veio a comprovar verdade.

O seu papel mais desafiante
Foi a primeira vez na história da série de filmes Planeta dos Macacos que se decidiu não utilizar máscaras mas sim animação baseada na captura digital de movimentos dos actores como forma de potenciar a caracterização dos primatas. Em Planeta dos Macacos: A Origem, agora em exibição nas salas de cinema, Andy Serkis interpreta o macaco que a personagem de James Franco protege do laboratório onde foi criado e manipulado geneticamente. O próprio actor considera ter sido o papel mais desafiante que enfrentou.