Digamos, muito sucintamente, que a tradição do charme e cinefilia que já são característicos do Festival de Cannes não sofrerá alterações com a sua 65.ª edição, que prestará tributo a atriz norte-americana Marilyn Monroe. Sem esquecer o passado, Cannes presta tributo a uma das figuras mais icónicas da arte cinematográfica dedicando-lhe o cartaz oficial (em cima). A responsabilidade da criação do póster (fotografia de Otto L. Bettmann) e restantes grafismos é da agência de comunicação Bronx, que conta com mais de 22 anos de experiência.
terça-feira, fevereiro 28, 2012
segunda-feira, fevereiro 27, 2012
Para (re)pensar A Árvore da Vida
Por vezes há reflexões que têm o indecifrável poder de reposicionar a nossa relação com a imagem cinematográfica – e, como consequência, relembrar o seu poder de alterar a nossa relação com o real. Um desses exemplos, tanto mais extraordinário por ser recente, tem que ver com a transcrição da intervenção da Professora Doutora Maria Filomena Molder (Universidade de Lisboa) sobre A Árvore da Vida, de Terrence Malick (esse filme e esse realizador que foram tratados no ano passado de um modo previsível e injustamente superficial), no colóquio internacional Emoções e Crime. O registo (que foi revisto pela autora) é da responsabilidade de Luís Mendonça (autor do CINEdrio, que também escreve uma introdução inspiradora). O texto pode ser lido aqui.
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Em memória de Erland Josephson
Foi no dia em que as atenções se concentraram numa única celebração e que este ano esteve com os olhos arregalados no passado e na "nostalgia". Confesso que ainda esperava que o ator Erland Josephson (que faleceu ontem) fosse relembrado na cerimónia da entrega dos Óscares da Academia – mas em vão. Nascido em Estocolmo a dia 15 de junho de 1923, Erland Josephson marcou presença em variadíssimos títulos, tendo ficado célebre pelas interpretações em filmes dirigidos pelo cúmplice Ingmar Bergman (como A Hora do Lobo, Lágrimas e Suspiros, Cenas de uma Vida Conjugal ou Saraband) e em trabalhos de autores como Philip Kaufman ou Peter Greenaway. Muito embora já estivesse retirado dos palcos e das rodagens, é com tristeza que recebo a notícia da morte de Josephson. Quanto a mim, admito que recordá-lo-ei para sempre pela participação nos últimos de Andrei Tarkovsky – Nostalgia (1983) e naquele que é o filme mais puro do mundo, O Sacrifício (1986; imagem em cima).
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sexta-feira, fevereiro 24, 2012
Em Busca do Cinema Perdido (1)
Três Cores: Vermelho — Entre o Acaso e o Destino
Em Busca do Cinema Perdido pretende ser uma rubrica que recupere filmes e realizadores que já não são nossos contemporâneos e que, de uma maneira ou de outra, permaneceram na história do cinema.
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Três Cores: Vermelho (título original: Trois Couleurs: Rouge) é uma longa-metragem (99 minutos) escrita e realizada pelo polaco Krzysztof Kieślowski (n. 1941) e que foi anunciada pelo próprio como a última da sua carreira — evidência que se verificou, dois anos depois da sua estreia em 1994, com a morte do autor do filme. Terminando o ciclo de um projeto maior (precisamente a trilogia das “três cores”, da qual fazem parte Três Cores: Azul e Três Cores: Branco, lançados respetivamente em 1993 e 1994), Vermelho é a última tira da bandeira cinematográfica que hasteou Kieślowski, em busca muito mais que uma nova França (ou uma nova Europa).
É por isso redutor, apesar do realizador assim o ter confirmado, acreditarmos, apenas, que a trilogia simboliza os ideais da Revolução Francesa (1789-1799) — liberdade (azul), igualdade (branco) e fraternidade (vermelho). Não obstante, acredito ser acertado olharmos para Valentine, a modelo protagonista de Vermelho interpretada por Irene Jacob, como a figura mais próxima desse ideal supremo da fraternidade, e por duas evidentes razões.
A primeira: pela relação de cumplicidade que estabelece, após ter salvado a sua cadela na rua, com a personagem do juiz reformado.
A segunda: existindo uma cena que se repete nos três filmes da trilogia em que uma velha anónima tenta, em vão, colocar no lixo uma garrafa de vidro, Valentine é a única personagem que a acode.
De facto, em todo o filme, a figura desta mulher é exibida como uma idealização mítica do ser humano, já que Kieślowski não lhe confere qualquer falha ou imperfeição, santificando-a até o momento final e distinguindo-a assim do juiz. Este homem cínico, que espia ilegalmente as conversas telefónicas dos vizinhos em seu redor, parece encontrar uma espécie de salvação quando conhece Valentine — pois não só termina com a ilegalidade dos seus atos como também passa a acreditar, totalmente, no homem e na vida. Compreende-se por isso a teoria de que esta misteriosa personagem pudesse representar, de algum modo, o próprio realizador (que, de certo modo, encontrou outro modo de viver e de olhar com a transição do documentário para a ficção). Não nos admira que, sucedido pela informação de que Valentine esteve presente num acidente a bordo de um navio mas que sobreviveu, o penúltimo plano do filme (o juiz a interpelar o espetador ao olhar para a câmara – em baixo), que antecede a imagem de Valentine (em cima), seja tão comovente e ambíguo (quando muito pela expressão enigmática do ator).
Há dois temas que me parecem centrais neste filme (e que nunca são ditos): a comunicação e o acaso que, aqui, dependem um do outro. E são os primeiros planos do filme que os clarificam (alguém tenta telefonar a outra pessoa mas a ligação está ocupada). Não é certamente por acaso que Vermelho está preenchido por inúmeros telefonemas e tentativas de contactar alguém ou que as duas personagens principais (Valentine e o juiz) vivam sozinhos — tudo isso é sintoma de um certo sentimento de solidão que atravessa o nosso espírito e de uma necessidade de a fazer desaparecer.
No romance A Insustentável Leveza do Ser, o escritor checo Milan Kundera questiona: “será que um acontecimento não se torna mais importante e carregado de significação se depende de um número maior de acasos?” A resposta dá-a de seguida: “só o acaso pode parecer uma mensagem. Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado e que se repete quotidianamente é coisa muda. Só o acaso tem voz.”
À luz deste pensamento e tendo a consciência de que houve para cinema uma apropriação homónima deste romance assinada por Philip Kaufman (em 1988), penso que podemos considerar que Kieślowski, com o seu Vermelho, está mais próxima das ideias de Kundera sobre o acaso que alguma vez Kaufman esteve com a sua adaptação.
Este filme está repleto de repetições — vide, a título de exemplo, a cena em que a cadela do juiz, quando está com Valentine, foge do parque: quando se filma a cadela a entrar na igreja, Kieślowski decide não cortar para o plano seguinte mas ficar-se na porta da igreja durante mais alguns segundos. Esta decisão de montagem é extraordinária: de modo a suscitar no espetador a recordação de outra cena anterior (Valentine a beber água à porta da igreja), obriga-o a lembrar a partir da duração da cena. Para que o acaso ganhe uma significação maior, o realizador recorre a esta decisão de se restar no espaço noutros momentos.
É preciso recordar que, em Vermelho, há uma narrativa paralela à de Valentine que acompanha a decadência de uma relação amorosa entre um estudante de Direito (que, apesar Valentine e ele serem vizinhos, desconhecem a existência do outro) e uma meteorologista, que acaba por traí-lo. Como veremos na segunda metade do filme, o estudante de Direito parece ser uma estranha reencarnação do passado do juiz.
Assim, no final, quando juiz sonha com um futuro feliz para Valentine, está a antecipar e a profetizar (sem saber?) uma história de amor (que nunca vemos mas que sabemos que acontecerá) entre o estudante e a protagonista, que se cruzarão indiferentes e encontrarão depois de uma série de acasos que Kieślowski nos mostrou durante o filme inteiro.
Esses acasos (representados nos jogos de sorte que Valentine joga no café ao lado de casa), que se assumem como autênticos presságios, surgem em várias ocasiões. Exemplo: Valentine conduz na estrada molhada e percorre a passadeira em que o estudante, assustado com a passagem, deixa cair os livros que estuda para se preparar para o seu exame. Quando se agacha para os apanhar, fica intrigado com uma página em que o livro fica aberto e que o auxiliará, mais tarde, na resolução do teste.
Outro exemplo: Valentine ouve, na loja de música, uma peça de um compositor chamado Van Den Budenmayer (curiosamente uma personagem de Azul e que é assumido como alter-ego criado pelo compositor da banda musical da trilogia: Zbigniew Preisner). Decidida a comprar o CD, apercebe-se de que o último disco tinha acabado de ter sido vendido. Kieślowski revela quem: o estudante de Direito, que ouvia também, atrás de Valentine, a mesma peça…
Terceiro e último exemplo: numa sessão fotográfica para um anúncio (que tem como resultado a imagem em baixo), o fotógrafo pede a Valentine para fazer uma expressão triste e para pensar nalgo de melancólico. Em off, e misteriosamente, ouvimos um ruído distante. Ao revisitar o filme apercebemo-nos a origem desse som: é um helicóptero. A evidência pareceria trivial não fosse o filme terminar precisamente com esse ruído que encontra sentido diegético na cena do desastre do navio, em que centenas de pessoas perderam a vida — à exceção das personagens da trilogia das cores, entre elas Valentine e o estudante de Direito. Nada em Vermelho é feito por acaso — tudo faz parte de um destino coletivo, de uma história escrita e de uma harmonia cósmica.
Assim, em Vermelho, parece-me que a criação de um universo (não só servindo os propósitos dramáticos) nunca foi feita com tamanha mestria e com um pleno amor à vida e às pessoas, provocando, a cada visionamento, a reflexão sobre que lugar nós ocupamos, afinal, no mundo. Tendo a consciência de que nos situamos perante o realizador da série de dez filmes para televisão Decálogo (1989), penso que Vermelho é um filme profundamente ligado à fé, ao mistério da vida e àquilo que não conhecemos. E é exatamente por isso que penso que é um filme absolutamente luminoso — numa das cenas mais poderosas, o drama suspende para dar lugar a uma expressão de fascínio do juiz, que pede para Valentine parar de falar. Quando ela lhe pergunta porquê a resposta é simples: a luz está maravilhosa. A câmara sobe em grua e filma o sol a ser refletido pela madeira brilhante do chão, iluminando os dois seres humanos como dois anjos caídos. É este o poder indecifrável de Vermelho: consegue representar este mistério que nos rodeia e caracteriza.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular Realização e Estilo Cinematográfico (2011-2012), lecionada por Joaquim Sapinho, da Escola Superior de Teatro e Cinema.
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Em busca de um novo humanismo em tempos de guerra
Basta vermos os primeiros minutos de Cavalo de Guerra para nos apercebermos que, com este filme, nos encontramos no patamar das grandes produções de Hollywood que seguem, fielmente, o mais tradicional dos modelos narrativos: a fábula. E é precisamente aí que se instala a mais recente longa-metragem de Steven Spielberg (que estreia amanhã nas salas portuguesas), ele próprio já elevado ao estatuto de mito.
O realizador norte-americano, responsável pelo menos simpático Tubarão (1975), Encontros Imediatos de Terceiro Grau (1977), E.T. – O Extraterrestre (1982), A Lista de Schindler (1993), A.I.- Inteligência Artificial (2001), recupera aqui, com a adaptação do romance homónimo de Michael Morpurgo (publicado em 1982 e que gerou, há cinco anos, uma peça de teatro), os temas e mensagens centrais da sua filmografia.
Situando-nos numa Inglaterra que pressente o princípio da Primeira Grande Guerra, Steven Spielberg começa por tratar a relação de cúmplice amizade entre um cavalo chamado Joey e o jovem adolescente Albert (interpretado pelo estreante Jeremy Irvine), que é encarregado de o domar e treinar. A reviravolta sucede-se, contudo, quando das paisagens bucólicas inglesas somos conduzidos por Joey, que entretanto é vendido a um regimento de cavalaria, para uma França avassalada pela guerra.
Transportando a narrativa para as mais diversas personagens e as suas pequenas histórias, a jornada do animal acaba então por assumir contornos épicos (intensificados pela banda musical assinada pela mão de John Williams e pela direção de imagem do polaco Janusz Kaminski). Infelizmente, a nossa atenção não deixará de cuidar alguns “pequenos desastres” ao longo do desenvolvimento do filme, cuja montagem faz descobrir alguns erros de raccord de luz e ambiente (vide, por exemplo, a cena em que o cavalo consegue lavrar a terra e, de repente, sem que isso seja esperado, começa a chover). O mesmo se aplica à cor e à música, por vezes desinspiradas e exageradas na sua tentativa de manipular as emoções do público.
Nomeado para seis Óscares da Academia entre os quais se incluem as categorias de melhor filme e de direção artística (ao contrário do muito esquecido As Aventuras de Tintin – O Segredo do Licorne, que venceu o Globo de Ouro de melhor filme de animação), as atenções parecem ter sido entretanto viradas para a prudência no tratamento dos 14 cavalos utilizados para encarnar o protagonista. Numa edição recente da revista Time, Bryan Walsh, que acompanhou o procedimento (que reproduz, digitalmente, o animal nas cenas mais violentas), confirma a avaliação da American Humane Association: “nenhum animal foi ferido” (seja em termos físicos ou meramente psicológicos).
Mais que um simples filme de guerra ou de aventura (que evoca, através de travellings em grua ou simplesmente pelo conteúdo de certos planos, algumas cenas dos títulos mais exemplificativos do autor, como Indiana Jones e a Grande Cruzada ou O Resgate do Soldado Ryan), Cavalo de Guerra é um melodrama que subsiste fundamentalmente dos atores (entre os quais se encontram nomes como Emily Watson, Niels Arestrup ou Tom Hiddleston) e das relações que estabelecem entre eles e com o animal enigmático (que move montanhas para reaver Albert).
É talvez por isso que seja particularmente fácil não gostar de Cavalo de Guerra: o seu tom ingénuo faz com que o filme seja indicado particularmente às famílias e crianças. Mas a verdade é simples e provavelmente incómoda: o filme é, na essência, um filme otimista e que acredita que a bondade humana (ainda) é possível. Recupera, assim e com invulgar coragem, uma idealização do homem moral (transmitida, precisamente, por John Ford) destruída pelo cinismo do nosso espírito contemporâneo.
(Este texto adapta um artigo publicado no Diário de Notícias - 23 de fevereiro de 2012)
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quinta-feira, fevereiro 23, 2012
Espelho do nosso medo
A caminhar para a estreia de mais um filme da principal corrida dos Óscares (que tudo tem menos de tranquila), convém relembrar o cartaz (em cima) de Extremamente Alto, Incrivelmente Perto, o último nomeado para o Óscar de melhor filme a ter estreia em Portugal e também o primeiro a ser lançado depois da cerimónia de entrega dos prémios (a decorrer já este domingo). Consideradas as primeiras impressões (que são positivas), olhar para este magnífico cartaz (um grande plano do ator protagonista, o excecional Thomas Horn) é olhar, também e talvez sobretudo, para um perturbante retrato da angústia vivida após o 11 de Setembro. Notemos, 1), como a frontalidade e proximidade sugerem a ideia de espelho; notemos, 2), como a boca está tapada pelas pequenas mãos do rapaz; notemos, 3), como o destaque está (con)centrado, única e muito simplesmente, nos seus olhos abertos. A expressividade do olhar tem tanto de sugestivo como de ambíguo – e, no entanto, não se despega das memórias da tragédia vivida há mais de 10 anos atrás. O 11 de Setembro foi, em primeira instância, visto (no local ou em imagens de televisão) em indizível incredulidade. E é deste paradoxo que parece viver e remeter o cartaz, tal como o próprio filme assinado por Stephen Daldry, que recorda este enigmático poder do cinema de nos obrigar a voltar a olhar.
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Sem saber o que querer
É um sonho tornado realidade. Depois de ter encarnado Albert Nobbs na peça encenada por Simone Benmussa, Glenn Close jamais esqueceria a interessante figura que lhe valeu um prémio Obbie em 1983. Inspirada pela história do dramaturgo irlandês George Moore (1852-1933), a atriz norte-americana, que conhecemos pelos seus papéis em Atração Fatal (1987) ou Os 101 Dálmatas (1996 e 2000), levaria quase 30 anos para adaptar por fim para o grande ecrã The Singular Life of Albert Nobbs.
O que há, então, de tão enigmático em Albert Nobbs? À primeira vista conhecemo-lo como alguém simples, que trabalha como mordomo há 17 anos no hotel mais respeitado de Dublin em pleno século XIX e que poupa as suas gorjetas para, mais tarde, poder abrir a sua própria loja na capital da Irlanda. O segredo? Albert é… uma mulher.
“Naquela época a Irlanda era extremamente pobre. Em redor do hotel havia apenas pobreza. Ela sabia que sem o seu emprego era para lá que poderia ir. E ela sabe que pode ser despedida a qualquer momento”, explicou Glenn Close, situando a/o protagonista num contexto social preenchido pelas desigualdades de género e pelo machismo.
No entanto, e como Close afirma, “o poder da história equivale a um simples copo de água”, já que “quando a luz reflete sobre o copo, algo de extremamente complexo é criado”. Aí pretende residir, pois, a profundidade de Albert Nobbs, que vive também da ambiguidade sexual no interior da personagem (a partir do momento em que se apaixona pela colega de trabalho representada por Mia Wasikowska).
Com um orçamento estimado de 6 milhões de dólares (cerca de 4 milhões e meio de euros), Albert Nobbs teve uma receção fria nos EUA, quer na bilheteira (onde é visto como um falhanço comercial) ou pela crítica. Apesar disso, Glenn Close, que produziu, protagonizou, co-escreveu o argumento com o escritor John Banville (vencedor do prémio Booker em 2005) e a letra do tema musical final (interpretado pela cantora Sinéad O’Connor), foi nomeada este ano para o Óscar de melhor atriz (competindo com outra representação de peso de Meryl Streep como A Dama de Ferro). Albert Nobbs conta também nomeações para melhor caracterização e atriz secundária (Janet McTeer).
A longa-metragem [estreou hoje] entre nós e junta ainda os desempenhos de Jonathan Rhys Meyers (Match Point), Aaron Johnson (Kick-Ass – O Novo Super-Herói) e Pauline Collins (A Estrada do Paraíso, também protagonizado por Glenn Close). A realização é assinada pelo filho do Nobel da Literatura Gabriel García Márquez, o colombiano Rodrigo García, responsável por ter dirigido séries de televisão como Sete Palmos de Terra e que conseguiu filmar Albert Nobbs em tempo-recorde: 34 dias.
A desilusão, no fim, é justificada. Impulsionada até ao fim pelo segredo da identidade de género, Albert Nobbs vive de uma austeridade plástica (raramente há planos gerais, vivendo da mera proximidade ao trabalho de ator – que, por sua vez, não tem suficiente valor) e dramática (cada momento narrativo é expandido até a incompreensível exaustão) que nada mais é que irrelevante.
A par de tudo isto, admire-se a fascinante estranheza e ambiguidade de Albert Nobbs que cumpre o destino (infeliz, tal como ele / ela) de nunca estabelecer com o espetador qualquer tipo de relação. Nobbs / Close mantém-se assim uma espécie de máscara cujo acesso é bloqueado até o limite. E García, que parece ter filmado (melhor dizendo: “ilustrado”) com tédio, não resolve esse problema, exibindo com uma pobreza simplista uma figura rica em potencialidade. Enfim: sem saber o quer.
Nota feliz para Janet McTeer (a mais luminosa das personagens), outra infeliz para o tema musical final de Sinéad O'Connor, que reúne um sentimentalismo que, curiosamente, é estranho ao tom do filme.
(A primeira parte deste texto foi publicada no Diário de Notícias - 24 de Fevereiro de 2012)
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Malkovich nos universos de Ruiz e Oliveira
Foi quando inúmeras câmaras de filmar e de fotografar foram empunhadas em riste pelas dezenas de curiosos que se concentraram ontem, pelas 17 horas, no fórum da FNAC no Chiado que se percebeu quem tinha por fim tinha chegado. Terminada, no dia anterior, a rodagem de As Linhas de Torres Vedras, o encontro com o ator John Malkovich (moderado pelo produtor Paulo Branco) durou pouco mais de meia hora e concentrou-se fundamentalmente em Raúl Ruiz (1941-2011) e naquela que seria a sua derradeira longa-metragem.
Começando por evocar a sua primeira colaboração do ator com o realizador chileno (O Tempo Reencontrado, adaptação do romance de Marcel Proust estreada em 1998 e que também foi produzida por Paulo Branco), John Malkovich recordou Ruiz como um realizador sábio, tranquilo e que muito atento ao trabalho dos atores, “ao contrário de muitos outros realizadores”. Para além disso, o ator (que também trabalhou com o cineasta em As Almas Fortes e Klimt, de 2001 e 2006 respetivamente) reconheceu que “ninguém filmava como o Raúl”.
Depois de ter dirigido a adaptação do romance de Camilo Castelo Branco Mistérios de Lisboa (em 2010), Ruiz começou a conceber As Linhas de Torres Vedras a partir do argumento original de Carlos Saboga, cuja história se situa em princípios do século XIX. Falecido em agosto do ano passado e em plena produção do filme, a realização foi tomada pela viúva Valeria Sarmiento (também montadora dos filmes de Ruiz).
Apesar de ser recetivo a novas ideias, Malkovich (que interpreta a personagem do General Wellington) relembrou que Ruiz era alguém que sabia precisamente aquilo que queria quando filmava, considerando-o assim “o pensador mais independente no cinema”. Não é por isso de estranhar que o ator ache “impossível” que a visão de Sarmiento seja fiel à pretendida por Ruiz com As Linhas de Torres Vedras.
O encontro foi também marcado pela comparação de Raúl Ruiz com o cineasta português Manoel de Oliveira, com quem Malkovich também trabalhou. Apesar de serem semelhantes ao nível da experiência acumulada, conhecimento e singularidade das suas visões em cinema, aquilo que os distingue é, essencialmente e na sua opinião, o modo como trabalham a forma dos seus filmes (sendo que Oliveira prefere os planos fixos e de maior duração).
As Linhas de Torres Vedras, que tem estreia marcada ainda para este ano, conta com a participação de outras estrelas internacionais como Catherine Deneuve, Isabelle Huppert, Michel Piccoli ou Marisa Paredes. Já o elenco português é constituído por nomes como Soraia Chaves, Maria João Bastos, Nuno Lopes ou Afonso Pimentel (estes dois últimos presentes no encontro).
(Este texto foi publicado no Diário de Notícias - 21 de Fevereiro de 2012)
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sexta-feira, fevereiro 17, 2012
O cinema como máquina do tempo e da memória
A chegada às salas de cinema portuguesas da mais recente longa-metragem do norte-americano Martin Scorsese está marcada por uma curiosidade pública que já se tornou habitual em plena corrida aos Óscares. E as razões são simples: A Invenção de Hugo (título original: Hugo) tem a proeza de ser o filme nomeado para mais prémios na edição deste ano (onze, entre os quais as categorias de melhor filme e realizador) e, à semelhança de O Artista (filme nomeado para 10 Óscares), tem a particularidade de servir como uma carta de amor ao cinema. Para reforçar a ironia, enquanto o último tem deslumbrado por ser um filme francês, mudo e a preto e branco situado na Hollywood do final dos anos 20, A Invenção de Hugo pretende glorificar os primórdios do cinema na Paris dos anos 30 utilizando a mais recente das tecnologias: o 3D.
O ponto de partida desta aventura é A Invenção de Hugo Cabret (editado em Portugal pela Gailivro), um livro para crianças, escrito e ilustrado por Brian Selznick, que acompanha a jornada de Hugo (encarnado por Asa Butterfield, que conhecemos pela sua interpretação em O Rapaz do Pijama às Riscas), um jovem órfão que vive em segredo dentro de um relógio numa estação de comboios parisiense. Na tentativa de reparar um autómato (a “invenção” de que fala o título e que nos remete às criações do relojoeiro Pierre Jaquet-Droz), que crê ter uma mensagem do seu pai (Jude Law), Hugo trava amizade com uma rapariga e cruza-se com o seu tio, que desvenda ser o mítico cineasta francês Georges Méliès (n. 1861), apresentado aqui na Gare Montparnasse (onde parte do filme decorre), local onde assistimos a uma evocação do descarrilamento ocorrido em 1895. (À esquerda e de cima para baixo: uma imagem de A Invenção de Hugo, outra de L’arrivée d’un train à la Ciotat [dos irmãos Lumière, filmado em 1896], e em baixo uma fotografia do desastre em Montparnasse).
Terceiro filho de um bem-sucedido sapateiro, o futuro realizador nunca quis seguir as pegadas do ofício da família. Mostrando sempre um interesse especial pelas artes plásticas e pelas letras contrariou a vontade dos pais e seguiu, primeiro, carreira no mundo do espetáculo e do ilusionismo e, quando descobriu as imagens em movimento, no cinema, onde criou o primeiro estúdio, desenhou, interpretou e produziu mais de 500 filmes. Falido e incapaz de acompanhar a evolução do cinema, morreu aos 77 anos como um dono de uma loja de brinquedos em Paris.
Num momento decisivo em que o cinema dá a sua reviravolta para o digital e para as três dimensões, Martin Scorsese relembra um título decisivo do património cinematográfico. Estreado há 110 anos e considerado o primeiro filme de ficção científica, A Viagem à Lua (Le Voyage dans la Lune), regressa ao nosso imaginário pela primeira vez numa cópia restaurada e a cores.
Então vista como um filme de longa duração (já que, com os seus 14 minutos, ultrapassava em metragem os habituais dois minutos nas anteriores experiências), projetado a 16 imagens por segundo, a fita do cineasta francês propõe-se a acompanhar, após a concordância de um congresso de astronomia (liderado pelo próprio Méliès), uma expedição de vários cientistas à Lua. Através de uma nave espacial, os astrónomos são projetados para o olho direito do satélite (que ao ser apresentado com um aspeto antropomórfico se tornou numa das imagens mais emblemáticas do filme). Na sua superfície, combatem uma população de seres alienígenas com os seus guarda-chuvas e fogem para a Terra, onde são recebidos na capital francesa com grande entusiasmo.
Apesar da sua leve ingenuidade, A Viagem à Lua contrariou a tendência documental do cinema dos irmãos Lumière, apresentando-o pela primeira vez como dispositivo de ficção e uma arte do entretenimento. A partir de técnicas inovadoras de montagem, Méliès descobria então as possibilidades que hoje sabemos pertencer especificamente ao cinema. As 13.375 imagens que compunham o filme foram também coloridas à mão, uma por uma.
Contudo, a versão colorida foi durante décadas considerada perdida até 1993, quando em Barcelona se descobriu uma cópia extremamente degradada que foi alvo de um delicado e ambicioso restauro (liderado por Tom Burton) e trabalho de separação e digitalização de cada imagem, que terminaria apenas em 2010. Hoje só podemos ficar agradecidos por ter uma das maiores obras-primas do cinema ao nosso inteiro alcance.
(Em cima: uma imagem de A Invenção de Hugo,
outra de The Magic Box, filme de 1951 realizado por John Boulting).
Este confronto entre o presente tecnológico e as raízes do cinema está patente em A Invenção de Hugo, através de um jogo de citações, auto-citações e reproduções próprio da cinefilia conscienciosa do autor. Através de várias citações que, direta ou indiretamente, são introduzidas, o filme acaba por funcionar como uma verdadeira lição de cinema, exibindo obras icónicas dos Lumière, Griffith ou Chaplin. (À esquerda: uma imagem de A Invenção de Hugo, outra de Safety Last / O Homem Mosca, filme de 1923 realizado por Fred C. Newmeyer, com Harold Lloyd).
Tomem-se como exemplo as narrativas paralelas à da jornada de Hugo ou os primeiros minutos da sequência inicial, e que consegue, sem recorrer à palavra, transportar um espírito que é, para além de exclusivamente cinematográfico, próprio do cinema mudo — sem que isso traga, nalgum momento, algum sabor de paródia (como trazem filmes como O Artista).
História adaptada por John Logan, argumentista de O Aviador (realizado também por Scorsese), A Invenção de Hugo carrega consigo uma atmosfera de nostalgia e inocência, a partir uma pulsão por vezes pedagógica e intensificada em grande parte pela música (de Howard Shore) e pela fotografia dirigida por Robert Richardson (que trabalhou com Scorsese em O Aviador e, mais recentemente, em Shutter Island), que utiliza as potencialidades dramáticas das três dimensões (James Cameron, responsável por títulos como Avatar e Titanic, considerou, e com justeza, que esta é a melhor utilização alguma vez feita do 3D). (À direita: uma imagem de A Invenção de Hugo, outra de Shutter Island, dirigidos por Scorsese.)
Defensor fervoroso do restauro e preservação dos filmes, o que Martin Scorsese aqui parece edificar é uma ode, não àquilo que já não existe, mas às possibilidades infinitas da máquina do tempo que sempre foi o cinema.
Este texto adapta dois artigos originalmente publicados no Diário de Notícias, nos dias 15 e 16 de fevereiro de 2012.
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sexta-feira, fevereiro 10, 2012
Uma estreia inesperada
E eis que nos chega às salas de cinema portuguesas… Enter the Void! Caso para dizer, invertendo o lema de Irreversível: afinal, le temps ne détruit pas tout... É um caso infelizmente denunciativo do problema de atraso de alguma distribuição de cinema — três (!) anos depois da sua primeira exibição no Festival de Cannes (edição de 2009, na qual marcou presença na competição oficial do certame), a mais recente longa-metragem do Gaspar Noé (autor dos importantes Irreversível, de 2002, ou Sozinho contra Todos, de 1998) tem exibição comercial marcada entre nós para o próximo 15 de março (acaso irónico: a data coincide com a estreia, na Grécia, do seu novo filme, 7 días en La Habana). Não me parece, contudo, que a estreia de Enter the Void – Viagem Alucinante (título português que já mereceu o cartaz que podemos ver em cima) suscite entre os interessados pela filmografia do cineasta francês (como eu) alguma novidade. De facto, desde o início do ano passado a loja inglesa Amazon disponibilizava a cópia do filme em versão DVD e Blu-Ray, possibilitando assim aos espetadores portugueses uma alternativa que pudesse contornar um aparente e estranho “esquecimento”. Perante este regresso súbito e também estranho (possibilitado pela distribuição da Lanterna de Pedra Filmes), só podemos esperar que ocorra a inteligente solução de editar o novo filme de Noé no mercado dito doméstico, ao mesmo tempo ou em tempo próximo à estreia em cinema.
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quinta-feira, fevereiro 02, 2012
Quando o artifício é o mudo
Se [hoje], dia de estreias nas salas de cinema comerciais portuguesas, decidirmos prestar atenção aos títulos em cartaz teremos uma estranha surpresa chamada O Artista (título original: The Artist). Não, não é 3D, mas um filme… praticamente mudo e a preto e branco. O facto deve ser sublinhado: devido à não advertência das suas qualidades peculiares, o cinema Odeon Liverpool One, na Inglaterra, viu-se obrigado a reembolsar os seus espetadores, que mostraram desagrado e estranheza pelo formato.
Escrito e realizado por Michel Hazanavicius (n. 1967), esta produção francesa leva-nos à Hollywood de 1927 onde atores como George Valentin (interpretado por Jean Dujardin) perdem irrevogavelmente a sua fama devido à passagem do mudo para o sonoro no cinema, assistindo à ascensão de novas estrelas preparadas para enfrentar a nova tecnologia, como Peppy Miller (Bérénice Bejo que, tal como Dujardin, é uma figura presente no trabalho do realizador). A jornada de Valentin relembra, para além do filme Crepúsculo dos Deuses (filme realizado por Billy Wilder em 1950), a decadência real de atores como John Gilbert, Vilma Banky ou Norma Talmadge, ridicularizados pelas suas vozes e sotaques.
Este caricato retorno à era do mudo era já desejado pelo cineasta há já algum tempo: “os grandes cineastas que eu mais admiro provêm do cinema mudo… Hitchcock, Lang, Ford, Lubitsch, Murnau, Billy Wilder (como argumentista).” O interesse, aliás, vem já presente na restante filmografia de Hazanavicius, resultado do seu trabalho como realizador de anúncios de televisão e marcada essencialmente pelo pastiche e pela cinefilia – desde o telefilme La classe américaine, de 1993 (que parodia o cinema clássico norte-americano ao colar vários extratos de filmes da Warner Bros. e ao dobrá-los com novos diálogos) às paródias aos filmes de espiões Agente 117 (que chegou a estrear em Portugal em dezembro de 2006 e está disponível em DVD) e a sua sequela Agente 117 – Perdido no Rio (de 2009, entre nós disponível em aluguer de vídeo).
Homenagem ao cinema mudo ou simples paródia que encantou os norte-americanos mais nostálgicos, a verdade é que O Artista não tem parado de colecionar prémios. Estreado na competição oficial no Festival de Cannes (onde, apesar de ter “perdido” a Palma de Ouro para A Árvore da Vida, foi galardoado com o prémio para melhor ator). Foi considerado o grande vencedor na mais recente edição dos Globos de Ouro (melhor filme de comédia ou musical, melhor ator de comédia ou musical e melhor banda musical, responsabilidade de Ludovic Bource) e é talvez a maior aposta para a próxima cerimónia de entrega dos Óscares da Academia (estando nomeado para um total de 10 nomeações, incluindo melhor filme, realizador e ator). Não nos admiremos por isso que a estreia de O Artista (que chegou em Portugal, pela primeira vez, em outubro do ano passado, ao abrir a 12.ª edição da Festa do Cinema Francês) chegue em plena época de corrida aos Óscares, despertando os olhares mais curiosos.
Independente das suas qualidades, O Artista foi alvo de uma atenção que, para além de histérica, é tão pueril quanto a narrativa com que é preenchido. O que, na verdade, não nos admira: o esforço de conduzir esta homage para os Óscares estava já patente quando estreou no sul de França (uma espécie perversa e bizarra de meta a conquistar). Depois de tomarmos conhecimento de que Billy Cristal estará acompanhado, num sketch a decorrer na cerimónia de entrega dos prémios da Academia, por Uggie (o parceiro canino do protagonista) parece já não haver dúvidas do filme que se imolará vitorioso. O que, em boa verdade e sabemos nós, não significa absolutamente nada.
O que O Artista comprova, isso sim, é que uma boa história dispensa qualquer artifício (seja o 3D, a cor, o som, o digital ou uma proporção da imagem e velocidade distintas…) e que, apesar de a proposta seduzir – ou desinteressar – pela “invulgaridade” do seu formato, é a energia com que as suas sequências são motivadas que efetivamente importa. O filme está carregado dessa potência que entretém (isto é: que agarra com habilidade a atenção do espetador) e impressiona (através da brincadeira com os inúmeros clichés de Hollywood), mas que se reduz, em última instância, por se limitar à cópia daquilo que já não é e a um formalismo encantado de estudante de cinema.
Estou crer que não seja o objetivo do filme motivar o interesse do público pela era do mudo no cinema norte-americano (Luís Mendonça escreveu no seu blogue, em jeito de nota irónica, que “o editor dos 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer já poderá tirar os poucos filmes mudos - e já agora também Singin' in the Rain, Sunset Boulevard ou até Modern Times - que tem vindo a incluir nesse menu fast-food de cinema: afinal, para quê maçá-lo com velharias imperfeitas, se podemos sintetizá-las em hora e meia de grande diversão? Nem parece que está a ver um mudo, né verdade?”). Porque, para o bem ou para o mal, quando assistimos a’O Artista parece que estamos diante não de um filme deslumbrante mas, antes, de um filme deslumbrado.
(A primeira parte deste texto foi publicada no Diário de Notícias - 1 de Fevereiro de 2012)
quarta-feira, fevereiro 01, 2012
Vencedor de Sundance quer ser bandeira por uma maior ousadia
Este texto foi publicado originalmente no Diário de Notícias (31 de Janeiro de 2012)
Terminou em Park City, no estado do Utah, no passado dia 29 de janeiro, aquela que é a 28ª edição do maior festival de cinema independente dos EUA – o Festival de Sundance, que este ano exibiu cerca de 120 filmes (58 dos quais em competição oficial).
A longa-metragem assinada pelo estreante Benh Zeitlin (entrevista em baixo) Beasts of the Southern Wild mereceu o maior destaque, tendo sido galardoado com o prestigiado Grande Prémio do Júri para Melhor Filme de Ficção. Este drama, que foi também laureado com o prémio para melhor fotografia (da responsabilidade de Ben Richardson), filma o percurso de uma jovem rapariga que vive com o seu pai, um doente terminal, nos confins dos Estados Unidos, numa pequena comunidade no delta do rio Mississípi.
Foi após um longo trabalho (3 anos) e o apoio do Sundance Institute (preparado para auxiliar cineastas em início de carreira) que Benh Zeitlin aceitou o prémio, esperando que “este filme seja uma bandeira para que os produtores permitam os realizadores serem tão ousados quanto possam para dirigir um filme”.
Os direitos de distribuição foram comprados e garantidos pela Fox Searchlight que, seduzida pelo caráter espiritual da narrativa, encontrou semelhanças com o filme de Terrence Malick, A Árvore da Vida, que se consagrou um sucesso comercial.
Ainda na área da ficção, o júri do festival de cinema independente reconheceu como melhor filme estrangeiro Violeta se fue a los cielos, longa-metragem de Andrés Wood sobre a vida da icónica cantora Violeta Parra (que fundou a música folclórica no Chile).
Mas não só de ficção Sundance foi preenchido este ano. Depois de já ter vencido, em 2005, o prémio para melhor documentário, Eugene Jarecki voltou a receber o galardão, desta vez para The House I Live In, uma crítica sobre a realidade norte-americana atual do combate às drogas. Por sua vez, The Law in These Parts, retrato duro do sistema militar legal hebraico nos territórios palestinianos ocupados, fez com que o israelita Raanan Alexandrowicz levasse consigo o prémio para melhor documentário internacional.
Ainda que o foco do certame seja exclusivo ao cinema independente e de baixo orçamento, Sundance tem tido uma progressiva atenção mediática por ser palco da projeção dos realizadores de amanhã. Assim, não é de admirar o anunciado crescimento de 6% relativamente às submissões de filmes (de acordo com o site oficial, Sundance recebe aproximadamente 9000 inscrições todos os anos).
A edição de 2012, com duração de nove dias, ficou invariavelmente marcada pelo falecimento do produtor Bingham Ray, de 57 anos, durante o festival.
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