quinta-feira, dezembro 27, 2007

Pecados Íntimos (livro & filme)

"Little Children" (ou "Pecados Íntimos", título português que a mim me parece muito melhor adequado à história e, por isso mesmo, se não se importarem, vou tratar o livro/filme por ele) foi um livro primeiramente lançado em 2004, do autor Tom Perrotta, que recebeu aplausos da crítica literária e se tornou um best-seller. Devo admitir que, se não fosse a adaptação para cinema, que estreou ano passado e que conta com Kate Winslet, Patrick Wilson e Jennifer Connelly nos papéis principais, muito provavelmente não pegaria sequer no livro. "Leia o livro, veja o filme." - esta frase começa a já ser comum nas capas das reedições de livros aquando da estreia da sua adaptação cinematográfica, mas a verdade é que esta foi a primeira vez que fiz as duas coisas. O resultado? É só continuarem a ler...!

Acreditem, é preciso muito para que um filme ou livro me consiga fazer torcer para que uma história romântica entre dois adúlteros (que sabem a condição de ambos desde o início) acabe bem. Foi por isso que, de início, quando lia o livro, estava um pouco reticente em relação ao que acharia da história. Comecei, contudo, a virar as páginas e a descobrir uma história rica, bem desenvolvida e estruturada, interessante, cativante e, acima de tudo, surpreendente. Foram precisos apenas alguns dias para o ler, e isso é algo bastante positivo num livro - também, não se alarmem, o livro tem cerca de 350 páginas, apenas.

Basicamente, aqui encontramos Sarah Pierce, uma mãe na casa dos trinta cuja vida passada entre a piscina municipal, o jardim-de-infância, os passeios ao final de tarde e a lida da casa há muito a deprime. Além de tudo isso, ela tem de aguentar a companhia de três outras mães, de nomes Mary Ann, Theresa (a que mais se assemelha a uma amiga, das três) e Cheryl, que não estão muito melhor que ela na vida - como vemos pelas suas conversas, todas estão "cansadas", sendo que nenhuma sente complexos em admitir que adormece durante o sexo, ou que está cansada do marido e um casamento à beira da ruína; Todd Adamson, por sua vez, é um homem de trinta e um anos que, por ter reprovado duas vezes no Exame de Ordem, se vê na posição que, para todos os efeitos, seria a sua mulher a ocupar: a de ficar em casa a tratar do seu filho, Aaron, enquanto estuda para a terceira tentativa em passar o tal Exame. Também ele se vê preso num casamento naufragado na monotonia do dia-a-dia, sendo que a sua mulher Kathy, realizadora de documentários, é, para ele, alguém distante e frio, alguém que rouba a atenção do filho para si, e que apenas serve para o lembrar do insucesso da sua vida profissional. Estas duas personagens são o casal à volta do qual outras várias se englobam, mas fiquem descansados os que pensam que esta é mais uma daquelas histórias lamechas sobre um casal que não consegue ficar junto: existe, à mistura, uma trama sobre um alegado pedófilo que chegou agora à cidade, Ronald James McGorvey, e vários outros dramas familiares que envolvem outras personagens - como o marido de Sarah ou Mary Ann - e que resgatam sempre a história da melancolia em que se podia instalar.

A certa altura, várias personagens estão a discutir sobre o livro "Madame Bovary" (uma cena muito interessante e irónica, pois os paralelismos com a realidade são muitos, a tal ponto de chegarmos a pensar se Mary Ann não dirige os seus argumentos a Sarah e não à protagonista do dito livro, uma adúltera convicta) e eis que Sarah diz, em prol de Emma Bovary: "A questão aqui não é a traição em si. É a necessidade de ter uma alternativa. A recusa da tristeza.", argumento esse que pode ser também utilizado em prol dela mesma. Este é apenas um dos exemplos que podemos utilizar para considerar "Pecados Íntimos" um livro de estudo de personagens, ora reparem nelas. A maioria - se não todas - está mergulhada no passado, presa a uma realidade alternativa. Tomem o caso de Larry, que vive perseguido por um incidente que acabou a sua carreira logo aos 30 e poucos, ou do pedófilo, que, a certa altura, em conversa com a mãe, admite que gostava de conseguir namorar mulheres da sua idade, mas que simplesmente não consegue. Há muito mais aqui do que uma simples história romântica.

Pessoalmente, adorei o livro. Começa muito bem, apesar de haver umas 20 ou 30 páginas lá para o meio que são um pouco paradas mas as últimas 100 páginas são realmente muito boas e conduzem a um final excelente, soberbo, brilhante, metafórico, realista, enfim, um final que me impressionou bastante pela sua imprevisibilidade e que termina o livro em grande. Recomendo (claro) a toda a gente, mas uma nota para os mais susceptíveis: o autor não se poupa a utilizar palavrões nos diálogos - ou mesmo na narração - e, se acham a palavra "preto" um insulto racista, então vão ser várias as vezes em que se vão chatear pois, como disse, o autor não tem complexos e encara a realidade de forma crua e verosímil, chegando mesmo a ser irónico de forma genuína no final, que, se escrito de outra forma, não seria a mesma coisa.

Filme


Falemos, então, do filme (achavam que me esquecia?!), que, como já disse, conta com actores excelentes no elenco principal e tinha tudo para ser uma fiel adaptação mas que, infelizmente, me desiludiu - e eu que ia com boas expectativas, pelas opiniões que já tinha ouvido! A história, pode dizer-se, é a mesma, pelo menos nos traços gerais. As personagens importantes estão quase todas lá, e a estrutura do enredo continua sólida e interessante, apesar de mais calma e arrastada. A primeira hora de filme, mais coisa menos coisa, está bem conseguida, tentando retratar, dentro de possível, aquilo que vimos no livro, com os maiores detalhes. Contudo, na segunda hora, é o descarrilamento total em direcção a um final hediondo, que nada tem a ver com o livro. É agora que peço a quem não queira saber detalhes cruciais da história que não leia o resto do texto. Foram avisados!

Foram várias as vezes que carreguei o botão "pause" do DVD para, por uns segundos, me questionar sobre o que via. São várias as coisas que me fizeram pensar, e que me aborreceram - para não dizer outra coisa. Por exemplo, como é que Kathy, no filme, é tratada quase como uma figurante, tendo apenas uma ou outra cena de destaque? No livro, a cena em que ela pergunta a Todd (ou Brad, no filme, não percebi o porquê de mudarem o nome dele ou o nome do local onde Ronald vive!) por Sarah é inesperada e contribui para o drama da história - aqui, não tem nem metade do efeito. E nem me façam falar do fim-de-semana que ela e Todd passaram na praia, que muito valeu à história e ajudou a fundamentar as acções futuras de Todd - não me esqueço daquela fala de Kathy, quando ela lhe pergunta se ele olha para Sarah como apenas um romance de Verão, que diz "Já agora, deixa-me dizer-te uma coisa. Caso ainda não tenhas reparado: o Verão está a acabar". Quanto ao drama pessoal da personagem de Larry com a mulher, podem esquecê-lo. À parte de uma menção numa conversa, a mulher dele não tem qualquer papel na história, por isso podem esquecer a cena da Igreja, por exemplo - e, com isto, muita carga emocional da história foi desperdiçada. Bertha, a melhor amiga da mãe de Ronald - May -, também foi eliminada. Não que a personagem tivesse uma importância de outro mundo, porque a história, ao contrário do que se passava no caso anterior, podia ser contada sem ela, mas é sempre estranho a ausência dela, especialmente na última parte do filme, onde ela ganhava um pouco de destaque na cena do hospital. Richard - o marido de Sarah - foi também desperdiçado pelo filme, ao ponto de que, na última parte, é completamente ignorado e deixa o final ainda mais vazio pois... que é feito dele? No livro, como sabem, ele parte para a Califórnia para um encontro do Clube de Fãs da Slutty Kay - esta foi uma boa storyline -, e liga a Sarah a dizer que o casamento deles está acabado. No filme nada disso acontece, pelo que, em relação à tal Kay - que, afinal, se chama Carla -, só a cena em que Sarah apanha o marido com as cuecas dela e a masturbar-se importa. Já em relação a Mary Ann, podem esquecer também a sua intervenção no final, já que o filme não se dá ao trabalho de gastar uns cinco minutinhos de forma a poder incluí-la - a cena com o marido, em casa, e posteriormente no parque infantil foi também esquecida. E que dizer do dia que Todd e Sarah passam na praia, enquanto ele se balda ao Exame? Aqui nem aparece, para choque meu. Pior: na contra-capa do DVD existe uma foto deles os dois na praia a beijar-se, levando-nos a pensar que a cena acontece, quando nem 1 minuto lhe é dedicado! Claro que, com isto tudo, ninguém podia esperar um final fiel ao do livro - se fosse, eu até perdoava um pouco a ausência de Bertha e o mau desenvolvimento das personagens de Richard e Kathy -, pelo que o resultado é, para quem adorou ler, desastroso e deturpado. Se havia um pequeno twist, no livro, na cena em que éramos levados a acreditar que Ronald ia atacar Sarah, aqui nada disso acontece, já que a cena foi incluída mas deturpada; por outro lado, Mary Ann foi eliminada, como já disse; Larry faz as pazes com Ronald, sim, mas nada com a mesma carga dramática como no livro; Sarah e a filha têm um final diferente também; em suma: nada da união entre ex-polícia, adúltera, pedófilo e bisbilhoteira, numa roda a fumar, em perfeita harmonia, como no livro, e lá se foi a metáfora que tanto apreciei - já para não falar que o final trata a relação de Sarah e Todd (ou Brad) como se não fosse mais que uma sub-narrativa, o que é chocante. Por outro lado, o filme acrescenta uma cena em que somos levados a acreditar que Jean tomou conhecimento do caso entre Sarah e Todd para depois não lhe dar desenvolvimento. Confesso que fico a pensar qual a sua utilidade, já que, no livro, nada de vagamente semelhante acontece, e só nos leva a criar uma antipatia para com Jean.


Contudo, o filme tem coisas boas. Ver Kate Winslet e Jennifer Connelly, duas das minhas actrizes favoritas, juntas no ecrã é sempre algo muito bom, por exemplo; a realização é boa, e conta com bons detalhes - vejam a cena na piscina que retrata o passar do tempo; a história continua concisa e com lógica na sua estrutura, mas mais pobre; a cena do encontro entre Sheila e Ronald está mais chocante aqui. Porém, no final, sabe a pouco, e o pouco que é, desilude. O filme ainda tenta criar tensão, desnecessariamente, no fim, ao fazer a filha de Sarah - inexplicavelmente -desaparecer por momentos, mas isso não chega. Não vou ter a presunção de dizer o que devia ficar e o que devia ser retirado do filme, apenas digo que não me importava que ele fosse vinte minutos mais longo, desde que incluísse muita coisa que foi descartada. E isso, sim, talvez o elevasse ao nível do livro.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

"Orgulho e Preconceito", Jane Austen



Com uma edição de bolso de apenas 278 páginas, numa edição - com imperfeições - da Europa-América, mentiria se a dissesse que a sua pequenez não me cativou pois, apesar de não ser um requisito indispensável, o tamanho de um livro é, para mim, um factor a ter em conta - pelo que não advinho horas muito prazerosas diante das cerca de 800 páginas d'"Os Mais", livro que terei, obrigatoriamente, de ler para a disciplina de Língua Portuguesa -, já que nem sempre existe disponibilidade para a leitura. Porém, como começava agora as férias, senti que tinha tempo suficiente e o livro revelou-se de tal forma interessante que o acabei em cinco dias.

Bem, mas o que dizer sobre a obra? Antes de mais, quero falar das características que me levam a considerá-la um romance histórico e que são fáceis de adivinhar: o grau com que nos são retratadas as paisagens, quer urbanas, quer rurais e a forma como nos é descrita a forma de pensar e agir da sociedade de então, esta última originando, indirectamente, o título do livro pois, ao longo da história, é-nos muito falado do orgulho dos privilegiados e do seu preconceito em relação às classes inferiores a si. Ficamos, então, de forma geralmente irónica, a saber como a sociedade se regia no início do século XIX, data em que este livro é publicado pela primeira vez, coisa que me agradou.

Quanto à escrita, como já salientei, é muito boa. Sempre atenta aos detalhes, mas sem aborrecer, a escritora não perde tempo e, a cada capítulo, existem sempre novas situações a acontecerem. Devo, contudo, denunciar a forma rotineira como grande parte da história se passa pois, se por um lado nos mostra quais eram os divertimentos das diferentes classes, por outro começa a ser previsível ao ponto de sabermos que, ao final de um capítulo, um novo jantar, almoço, baile ou qualquer cerimónia do género será planeado. É por isso que, tendo consciência desse mesmo aspecto da história, Austen astutamente introduz, com grande regularidade, novas e diversificadas personagens na história, evitando assim a repetição que se poderia, a alguma altura, instalar e tornar a leitura enfadonha. Se bem que também essa ideia acaba por ter uma outra face pois, um pouco mais à frente na história, chega a ser confuso lembrar os laços que unem as muitas personagens e as relações entre si.

Em relação à história, o romance apresenta-se com o mote de que "é uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna necessita de uma esposa" e alonga-se pelas suas quase três centenas de páginas a dar-lhe uma conclusão. Não vos querendo estragar muito a experiência, o enredo começa com a chegada de um jovem rico - o Sr. Bingley - à vizinhança, e somos levados a crer que será ele o par amoroso da protagonista Elizabeth Bennet, a segunda de cinco irmãs, coisa que não se sucede, pormenor que apreciei pois foi um bom... twist, digamos, para a história já que seria um cliché se assim fosse. As peripécias que se vão sucedendo à volta das duas famílias principais - Bennet e Bingley, precisamente - são muitas e quase sempre muito interessantes, apesar de, claro, haver aquele aspecto rotineiro da história. Bem construída, a narrativa oscila entre o drama e o romance, mas sempre com um toque de comédia lá para o meio, pelo que são várias as vezes que nos enternecemos e que torcemos pelas personagens, bem como são muitos os momentos em que nos rimos com elas - e, neste campo, nada me fez mais rir que a dinâmica da relação dos pais de Elizabeth. Só tenho é a lamentar a forma como algumas personagens são descartadas da história, como por exemplo Mary, uma das irmãs de Elizabeth, que, comparada com algumas das outras, é quase uma figurante ao longo de toda a história, e nunca tem oportunidade de se afastar da unidimensionalidade que a caracteriza.

Se, ao fim de umas meras vinte páginas, este livro já se candidatava a ser um dos meus favoritos, quando o fechei pela última vez foi com a certeza de que era o meu favorito - não sou uma pessoa com uma lista de livros lidos infinita, mas já li alguns autores e posso dizer que, perante a monumentalidade deste livro, um "As Palavras Que Nunca Te Direi", de Nicholas Sparks, empalide, quer pelo seu cariz melodramático, quer pela sua natureza fútil, por completo - tanto que, passados quase 200 anos, ainda há pessoas a ler um, enquanto que duvido que o mesmo aconteça com o segundo. Há qualquer coisa na história, aliás, há muita coisa, que nos faz olhar para "Orgulho e Preconceito" com outros olhos, e não há como não sentir uma certa nostalgia perante o espaço temporal retratado.
Diria que é de fácil leitura, e só tenho mesmo a queixar-me da teatralidade inicial dos diálogos. Li as últimas 170 páginas durante o dia de hoje e, sendo eu um leitor casual, que farão os que estão mais habituados! Acho que agradará a quem procure uma boa história romântica, mas não "lamechas" Quanto a mim, falta ver o filme.


P.S.: Obrigado, Isabel, por mo recomendares!