sábado, julho 31, 2010

Kynodontas






Começo já por afirmar que tenho a plena consciência de que não vou conseguir discorrer acerca de todos os aspectos do filme numa só publicação, mas a vontade de escrever e divulgar esta obra que encontrei quase ao acaso é tanta que não me deixa esperar e tomar o devido tempo para que consiga fazê-lo eficazmente.

Kynodontas (Canino em português) estreou esta semana em Portugal apenas no cinema Medeia King em Lisboa. Ao deparar-me com alguns comentários dedicados ao filme, com os variados resumos que são apresentados, com a marca de água de Cannes no cartaz (desculpem o cliché, mas pesquisar os filmes que marcaram presença em Cannes quase sempre assegura uma sessão de cinema feliz), com os diversos trailers e com a surpresa de se tratar de uma produção grega, percebi que seria um bom filme a ver, ainda que sem expectativas exacerbadas. Foi então que dediquei uns curtos mas tão requintados 92 minutos a ver esta obra.

Kynodontas conta-nos com as imagens o ambiente familiar e social de uma família (a pedra basilar a partir da qual sociedade moderna se construiu, fundamentou e apoiou) grega cujo quotidiano e concepções de regularidade estão completamente deslocados da realidade comum a todas as sociedades do universo na sua forma mais básica.

Um casal e os seus três filhos: seres alienados e privados de um dos principais elementos definidores da personalidade humana – o nome -, sendo assim chamados de ‘pai’, ‘mãe’, ‘filho’, e as filhas, ‘a mais nova’ e ‘a mais velha’, que, à excepção do pai, que assegura a condição financeira crucial à permanência no estado de inércia em que os restantes membros familiares se desenvolvem através de um emprego, não são autorizados, pela criação de mitos relativamente ao mundo no exterior num jogo e manipular de ideias criado e levado a cabo ao longo de toda a educação dos filhos, a ultrapassar as barreiras físicas e psicológicas criadas pela alta vedação que circunda todo o terreno pertencente à propriedade onde vivem.

Assim a família vai vivendo, dia após dia, uma realidade completamente díspar à comum: não têm acesso ao mundo físico exterior, como já referido, e, para além disso, todos os meios de cortar com essa barreira espacial, como televisão, rádio ou mesmo internet, foram afastados daquele lar. Os filhos vivem apenas com os conhecimentos que lhes foram adquiridos pelos pais que, zelando por uma certeza de bondade quase utópica, criam formas de repelir qualquer elemento que ameace essa concepção – quando confrontada com a palavra ‘zombie’ por um dos filhos a mãe responde que zombies são uma espécie de flor -, e tantos outros exemplos destes estratagemas educativos.

O filme estabelece uma ligação muito forte entre os ideais desta (dis)funcional família e a sagrada família do Jardim do Éden que se manteve pura e limpa até ao momento do conhecimento do mundo, e são inúmeras as referências que nos levam a estabelecer esta comparação: o jardim filmado, circundante à casa, surge como uma metáfora para a libertação do espaço ‘casa’ que se define como principal meio físico de clausura, e onde as maravilhas acontecem, as crianças brincam e se exercitam e aprendem a conhecer apenas o apetecível dentro daquele lugar.

Os criadores de todo este ambiente – os pais - parecem perceber quais as melhores formas de levar a cabo toda a seu processo de experimentação educacional com os filhos mas parecem esquecer-se de que o Homem é um ser essencialmente social e, ainda mais do que isso, intelectual, e que de uma forma ou de outra estes dois elementos se relacionariam e posteriormente revelariam as verdadeiras potencialidades humanas – para o bem ou para o mal. A consequência disto revela-se na capacidade que os filhos vão ganhando de perceber as suas curiosidades e compreender as mais-valias – porque sim, na sociedade actual, ao contrário do demonstrado na fase mais precoce e utópica do filme, há pessoas que encontram mais-valias na maldade – da mentira, chantagem e manipulação entre os membros da família.

Contudo, nem só da presença destes cinco elementos vive esta narrativa: procurando enaltecer e preservar as potencialidades sexuais do filho homem, o pai sente-se obrigado a introduzir uma outra personalidade – de forma esporádica - no seio desta comunidade, neste caso uma mulher que se oferecia em troco de dinheiro (mas não podendo, uma vez que tudo naquela família procura zelar pelo conceito de bondade e paz, ser conotada esta acção de forma negativa como acontece com a prostituição básica). Este personagem, de nome Christina, vai revelar-se como a ferrugem que corrompe a poderosa estrutura de ferro que protege aquelas crianças das vicissitudes do mundo exterior.

Do ponto de vista formal, este filme apresenta um tipo de voyeurismo não tão óbvio como o de filmes como Janela Indiscreta ou mesmo Disturbia, mas de forma algo semelhante ao de Afterschool, não só pela maneira de como são captados os planos de acção como também pela interpretação do movimento de câmara, opções estéticas e até introdução do elemento ‘vídeo’ dentro do próprio filme – o que de si revela o forte elemento voyeur já referenciado: o espectador é mais do que isso e, por estar tão distante daquela realidade vivenciada pelos personagens filmados, sente a lacuna e a barreira inteligível que não permite o contacto com as experiências que ocorrem em frente aos seus olhos.

Vale muito a pena ver por tudo: pelo cinema formal de excelente qualidade e de uma beleza e percepção estética atordoantes, pela narrativa de uma complexidade filosófica fantástica que levanta muitas questões, dá respostas a algumas e ainda tem a ousadia de tentar quebrar com alguns ideais sociais, pelos actores, irrepreensíveis e incontornáveis, que incorporam o personagem de uma forma estonteante e especial, como os de Idioterne ou mesmo Antichrist (e agora a ligação às exigências de Lars Von Trier aos seus actores), onde se vislumbram cenas de sexo explícito, mutilação e agressão aparentemente não simuladas (o que também acontece em Canino), e pela ode ao mundo do Homem, à sua condição na sociedade e à relevância desta na preservação racional da espécie.

Em jeito de conclusão é muito bom perceber também que o cinema, a arte e a cultura são superiores a quaisquer tipos de condicionalismos económicos, e que obras destas continuam a ser produzidas mesmo em períodos de condições adversas: da Grécia, um dos países mais fragilizados com a actual crise económica global, surge esta obra-prima do cinema contemporâneo.

sexta-feira, julho 30, 2010

Sátántangó

É, precisamente, quando as chuvas de um Outono pardacento dão início na Hungria da decadência do comunismo que Béla Tarr decide abrir o seu monumental e híbrido épico, fazendo-as permanecer eternas na melancolia apocalíptica com que o filme se encontra ambientado.

Também é a partir do segmento simbólico que dá início a Sátántangó que percebemos do que se propõe o húngaro a tratar – do gado ao qual o homem pertence e do seu contínuo e anedótico estado de animalidade –, tal como o estilo, único e deslumbrante, com que ficará imbuído. Antes de drama (ou comédia?), e antes de qualquer outra convencional categoria narrativa, há que tratar esta obra-prima como uma profunda e misteriosa alegoria, um ensaio não apenas político e anti-capitalista, mas uma jornada que perscruta os caminhos da humanidade e desdobra o véu para um negro futuro. Explorando, desencantado, o universo de uma aldeia perdida por aí, onde inundam a corrupção moral e as desmedidas ambições materiais que preenchem o colossal vazio da alma do seu povo, somos confrontados com a chegada de Irimiás, o homem que todos julgavam morto, que acaba por se revelar, diante dos seus planos manipuladores (que denunciam, duplamente, a ingenuidade e ignorância das pessoas e uma vida regida pela lei do mais astucioso), tão ou mais diabólico e conspurcado do que os restantes, e somos confrontados, também, com a sede de morte e comportamentos levados pelo impulso animalesco, representada, com mais força, pela sequência de Estike, a criança que, após torturar e envenenar o seu gato, se suicida. Talvez este segmento resuma a essência derrotista e algo niilista de Sátántangó, o modo como vê que o homem está perdido em si mesmo, num mundo onde o império do egocentrismo se adivinha inevitável. Mas escrevo apenas o primário, o vislumbre daquilo que ainda pa(/e)rece indecifrável e merecedor de reflexão.

Tarr embebeda-nos com os seus lentos, anti-maniqueísta, naturalista e ascético olhar e perspectiva, a tal ponto que o confundamos entre as múltiplas perspectivas dos protagonistas, os campos abandonados, as estradas lamacentas, a porta e a janela estáticas mas vivas, a música e a noite eternas, e, ao mesmo tempo que cria aquela que não é mais que a anedota cósmica da vida, dança connosco, durante sete horas, um tango revelador da miséria para que, irrevogável e lentamente, caminhamos juntos, como o rebanho que eles próprios criaram.

quinta-feira, julho 29, 2010

Toy Story 3

Lembro-me, felizmente bem, da novidade que foi quando a primeira longa-metragem da Pixar estreou – não propriamente da áurea que entretanto ganhou entre os restantes público, crítica e procedente criação cinematográfica na animação, mas, mais especificamente, do efeito que causou em mim e das vezes que o revi, em casa e em cassete, vezes sem conta. Teria, entretanto, os meus seis anos, marcando uma relação com o cinema extremamente precoce, mas cujos frutos se acabaram por figurar muitos, e maduros (a tal ponto que, e recordo-o lendo alguns registos de final do ensino primário, já me dizia futuro realizador da Disney!). Foi, pois, vendo continuadamente toda a filmografia da produtora (desde os grandes e primeiros clássicos de animação tradicional às últimas estreias da sua decadência face ao império das três dimensões, uns bons, outros nem por isso) que, natural e paulatinamente, avancei para um tipo de cinema diferente, adaptado às minhas necessidades e capaz de desenhar um novo rumo à minha projecção da vida e da minha existência. Ver Toy Story 3, no dia de hoje, foi uma experiência rara de nostalgia, foi obrigar um Flávio-Andy de dezoito anos, que também vai para a faculdade, no meu caso estudar cinema, a defrontar-se com uma infância que já lá vai e não volta, com uma mente aberta e apenas preocupada em resolver os problemas do universo interior que se ia criando na altura. E vê-lo ao lado de outras crianças, cujo mundo ainda lhes está tão fresco, numa alienação colectiva propiciada pelos desconfortáveis e desnecessários óculos 3D, foi ainda mais simbólico e único – não especialmente pelo desenvolvimento da trama, que é uma interessante reciclagem dos dois primeiros filmes da trilogia, mas, sem dúvida, pela poderosíssima sequência final. Essa, sim, sintetiza aquela que foi uma descoberta fascinada de uma das facetas do Cinema como procura de mim, aquele tempo em que foi passado um irrevogável Passado, aqueles necessários abandono e despedida pelos quais cada ser humano tem que fazer dos vários “sis” que o compõem…

sexta-feira, julho 23, 2010

A Origem

Christopher Nolan é o único realizador, na actualidade e em Hollywood, a conseguir fazer bons blockbusters, que consigam suscitar interessantes problemáticas e que, ao mesmo tempo, tenham a função de entreter o espectador. 
O pós-Cavaleiro, obviamente muito aguardado pelos espectadores de todo o mundo (só no cinema onde fui ver o filme na estreia havia 3 sessões mais ou menos ao mesmo tempo do mesmo, preparado para encher as salas, o que efectivamente aconteceu), podia, com facilidade, desiludir os seus seguidores mas, claro, para além de situar numa zona de conforto e predilecta em termos narrativos (o thriller psicológico bem mostrado em “Memento”, baseado na memória), Nolan supera-se, e lança uma obra engenhosa, complexa e bastante curiosa. Reflectindo sobre a ambivalência ser / parecer, o realizador constrói, a partir de um simples mote, uma aventura pelas ruas da imaginação, do sonho. 
E, de facto, ver A Origem foi como entrar num sonho, fascinante e recreativo, como se o estivéssemos a descobrir e a explorar por sabermos que, no espaço daquelas duas horas, haveria um necessário despertar. Há no filme dois tipos de crenças – a que afirma a verdade no sonho vivido, representada pela personagem de Marion Cotillard, abafada por uma outra crença (exaltada talvez em demasia), a que suporta a verdade na “realidade” vivida, representada, e muito bem, pela de Leonardo DiCaprio. Arrisco-me a dizer que ambas sustentam ilusões intersubjectivas que não vão de encontro à absoluta verdade (talvez nem exista alguma) e que, portanto, descobrimos este mundo sem nada saber o que iremos achar, quem iremos conhecer ou a “quem” este pertence. É, pois, um filme a ser utilizado para posterior reflexão sobre diversas correntes. 
Posto isto, resta salientar o carácter psicanalíco e algo alegórico de Inception: o mar como símbolo da ponte entre o inteligível e o imperceptível, o consciente e o inconsciente, o possível e o impossível; o gelo e a neve como demonstração da exploração do iceberg freudiano; o labirinto psico-emocional como representação dos enigmas do id; a destruição do mundo vista nos sonhos como imagem da fragmentação do auto-conceito que vamos tendo de nós, em co-existência com a desordem. 
Mas não é nenhuma obra-prima. Nolan não consegue deixar de escapar a alguns clichés, maquilhagem e a um exagerado abuso nas cenas de acção, explosões e tiros, mas compreendo-o: tinha que o ser porque o filme foi essencialmente feito, financiado e promovido para vender e ser falado. 
É, em contrapartida, o seu ritmo frenético, com um tom quase épico (sabendo bem instrumentalizar o pathos do espectador), que me deixa como noutros filmes ele me conseguiu deixar, e isso não deixa de ser óptimo. Nisso, e para entreter, o realizador é exímio.

segunda-feira, julho 19, 2010

As Vinhas da Ira

Existe, n’As Vinhas da Ira que John Ford tão impecavelmente filmou, uma dimensão que ultrapassa a aventura e retrato social desenhados por Steinbeck, uma força tão sensível que ultrapassa até o próprio alerta do horror vivido nos tempos da Grande Depressão. E é, sem dúvida, esse humanismo que faz com que este seja uma incontestável grande obra, uma das melhores que o cinema teve até os dias de hoje. 

Ford filma as personagens com amor, apaixonado pelo seu desespero e sentido de união, filma o valor da família e eleva-o a uma categoria milenar, intemporal e primária, como se, antes de tudo e de todos, e face a qualquer circunstância possível, devesse apenas existir a família e nada mais. E com o mesmo sentido de comiseração, o realizador não descura o extremo oposto, a decadência da tradição e o triunfo da megalomania do ser humano e do individualismo egocêntrico. Assim, se fazemos, com facilidade, um relacionamento entre a (docu-)ficção montada e as ideias marxistas e anti-capitalistas, também é com segurança que se repara que Ford tenta, com a mesma energia, ultrapassar toda essa conotação política. Porque, com brilhante lucidez, este sabe que nenhum ser humano é apenas bom ou apenas mau, e porque sabe que o sentido de pertença a um determinado lugar (presencie este o que presenciar, como nascimentos ou mortes) é, apenas, outro indicador do natural egoísmo humano. 

Então filma a (perda da) fé em Deus, filma a força do grupo, insuperável até nos momentos mais tenebrosos (que lembram, de certa forma, as atrocidades que se passavam na Europa da Segunda Guerra Mundial, altura onde o filme foi lançado), filma a maldade dos tiranos, filma o protagonista, representativo do estado de solidão e perdição vividos, e filma-os entre uma Natureza complacente e atenta, em magníficos planos abertos e num belíssimo preto e branco. E tudo capta com imparcial afeição e compaixão, porque, e pedindo emprestadas as palavras da personagem da mãe de Tom (interpretada, brilhante e inesquecivelmente, por Jane Darwell), all that lives is holy.

sábado, julho 17, 2010

Duas sugestões

Bem pouco tem sido o tempo que possa aproveitar para vir aqui, ao blog, escrever sobre um ou outro filme que me tem agradado (em breve, espero, falarei d’As Vinhas da Ira, de John Ford) e, por outro lado, muita tem sida a vontade de partilhar convosco (mais) uma opinião a um dos grandes de Andrei Tarkovsky, Stalker, de que já falei nesta publicação. A análise foi escrita pelo Roberto, e sugiro aos leitores que lá passem e a leiam porque, de facto, sintetiza, com engenhosa percepção, aquilo que significa o filme para a humanidade. Se não conhecem, talvez seja a altura de abrirem os olhos e descobrirem a obra de mestre deste messias cinematográfico. 

E por falar em messias, sugiro, de igual forma, a leitura de um livro que muito me está a surpreender. Chama-se A Função do Cinema e das Outras Artes e foi escrito por Elie Faure num contexto em que o cinema era ainda muito precoce e cujas proporções e possibilidades se adivinhavam imensas. E é por esse adivinhar e sentido profético que Faure ficou assim conhecido… ler cada texto dele sobre a arte nova que entretanto o cinema era, é ler uma ode à sua importância, ao seu real valor, ao seu refulgente futuro. Efectivamente, o autor via o cinema como a mais importante das artes, a mais humanista, por implicar, quase necessariamente, o trabalho colectivo, e chega-o, a dada altura, a equiparar à arquitectura de um templo – por transcender a idealização do indivíduo criador, por ser fruto de uma coordenação harmoniosa entre os trabalhadores e pedreiros, por ser passível de ser utilizado e visto e sentido e até ultrapassado de múltiplas formas por todo o tipo de ser humano. Assim sendo, na sua opinião, o cinema caminharia pelo caminho da sabedoria, da luz e da compreensão máxima do homem, por eternizar cada gesto seu, seja feito em espontaneidade ou em ficção. Não deixa de ser irónico registar o seu actual desenvolvimento e visão massificada do mesmo, mas essa é, claro, outra história. Sim, sem dúvida,  penso e gosto de acreditar que o cinema fará sempre parte do nosso futuro como motor do nosso desenvolvimento moral e espiritual.

domingo, julho 11, 2010

Três grandes obras subvalorizadas

O Roberto, do conhecido blog Cineroad, convidou-me para mais um desafio: escolher três "grandes obras subvalorizadas" da passada década, a jeito de retrospectiva. A minha selecção pode ser verificada se clicarem na imagem de cima. Obrigado, mais uma vez, Roberto.

quarta-feira, julho 07, 2010

Peregrinação Exemplar

Numa terra onde a fé não se apresenta mais que uma fantasia de crianças e num mundo sem espaço para Deus, a humanidade entrega-se a si mesma, tomando toda a responsabilidade pelo seu fatídico destino. E Bresson não hesita, nesta simples alegoria lírica, em esclarecê-lo sob o olhar protagonista de um burrinho chamado Balthazar, santificado e divinizado até onde seria possível. Ver o naturalista e ascético Au Hasard Balthazar é, duplamente, sentir poesia em estado bruto e redefinir a perspectiva sobre a nossa própria existência. Isto porque a jornada “dúmbica” do burro, que assiste, em paralelo com as narrativas sociais que confluem com a dele, não é mais que uma contemplação do horror e crueldade humanas, do absurdo a que se fica sujeito desde a nascença. Mas o espectador não é livre de culpa. O espectador é parte, diria quase activa, daquele sofrimento e de toda aquela ridicularização e barbaridade, muito simplesmente por deixar que a desumanização prossiga com uma aparente e vil naturalidade. E a comoção que se nos dá, e as lágrimas que se deixam cair naquele esperado fim com o Bem rodeado do rebanho do Mal, tão certo como o correr de um rio, não são mais que os evidentes sinais de que é preciso, com urgência, rever a nossa fé, o nosso destino, a nossa estrada e o nosso final. Sim… grande, grande filme.