Baseado num caso verídico, “Tarde Demais”, de José Nascimento, explora as consequências de um naufrágio de pescadores no rio Tejo. Este artigo foi publicado originalmente no dia 5 de Agosto de 2011, no Diário de Notícias.
Chama-se José Nascimento é um dos rostos daquele que é conhecido como o cinema militante português, tendo realizado documentários depois da Revolução dos Cravos, como é o caso de Terra de Pão, Terra de Luta (1977) ou de Pela Razão que Têm (1976). Após ter sido professor na Escola Superior de Teatro e Cinema, montado inúmeros filmes e estreado, no final dos anos 80, “Repórter X” (1987) e “Mar à vista” (1989), Nascimento regressou uma década depois com a longa-metragem de ficção “Tarde Demais”, onde continua a projectar as reminiscências do movimento do cinema directo e, sobretudo, político no seu trabalho.
A “prova dos nove” da sua carreira, assim descrevia o filme ao Expresso em 2000, por altura da estreia. Após ter batalhado por ser subsidiado pelo estado, Paulo Branco produziu “Tarde Demais” ao lado de um realizador que sabia as dificuldades que se encontravam defronte de si. Ao propor-se contar a demanda de quatro pescadores que naufragam no rio Tejo (caso verídico ocorrido em 1995), José Nascimento segue o esforço de chegarem à margem ao caminharem em maré baixa.
Depois de grande preparação de actores, que se mentalizavam para enfrentar duras circunstâncias de rodagem, a equipa partiu no mês de Fevereiro para o meio do Tejo, onde filmaram a taineira naufragada, filmando ainda “em Alcochete, numa praiazinha chamada as Hortas”, declarou o realizador ao Diário de Notícias.
Não obstante a magnífica direcção de actores e interpretação de Vítor Norte (o protagonista Zé), Adriano Luz (Manel), Nuno Melo (Joaquim) e Carlos Santos (António), podemos sem dúvida afirmar que a representação do sofrimento, do frio e da confusão dos quatro personagens tomou um grau de verdade engrandecido pela violência das condições em que foram filmadas as cenas no rio (que preenchem quase toda a totalidade da obra).
Sem utilizar uma fórmula televisiva que se limita a reconstituir um caso real, “Tarde Demais” transmite, pela própria forma, uma grave sensação de claustrofobia e de enclausuramento. Criando uma atmosfera interessante e singular através da fotografia (assinada por Mário Castanheiro, responsável pela imagem do procedente “Lobos”, do mesmo realizador, ou do mais recente “A Espada e a Rosa”, de João Nicolau) e da banda musical (do compositor Nuno Rebelo), José Nascimento segue, com proximidade e intimismo piedosos, os medos e as decisões das personagens diante de um “deserto” de água, fazendo com questionemos a nossa natureza quando somos postos em situações-limite.
Tal como opina Eurico de Barros, jornalista e crítico de cinema do DN, este é um filme “invulgar e brutalmente realista”, onde “um Portugal ancestral e artesanal (…) morre à beira do Portugal optimista do futuro”. Assim sendo, “Tarde Demais, não sendo só isso – longe disso –, é também um filme político”, acrescenta o crítico.
Da mesma maneira, o teórico de cinema João Mário Grilo escreveu na Visão, em 2000, que o filme exalta “a constatação simples de que somos todos náufragos (…) num sistema onde os salva-vidas não saem, os helicópteros não voam e os milagres são servidos a domicílio pelos conta-gotas de soro televisivo.”
Contando com ainda com a participação especial de Rita Blanco (que expõe o lado paralelo da narrativa do filme, onde as famílias e amigos dos pescadores sentem a impotência de não conseguirem enfrentar a burocracia própria das autoridades), “Tarde Demais” foi vencedor, em 2001, do prémio para melhor filme português no Fantasporto e do Globo de Ouro para melhor actor (Vítor Norte), acabando por ser um dos filmes mais duros e perturbantes sobre o rio Tejo.
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