Figura proeminente no cinema independente norte-americano, o realizador Gregg Araki regressa ao grande ecrã lançando «Kaboom», que mistura os géneros de comédia, ficção científica, mistério e terror, revelando-o como uma paródia aos filmes mainstream tipicamente produzidos para adolescentes.
A edição passada do Festival de Cannes galardoou Araki com a primeira «Palma Queer» alguma vez entregue na história da mais célebre festa do cinema. Efectivamente, «Kaboom» enquadra-se na tradição do realizador em se debruçar sobre os problemas da jovem comunidade gay, lésbica e bissexual, sendo, ao lado de Gus Van Sant e Todd Haynes, um dos fundadores do chamado Novo Cinema Queer, expressão utilizada em 1992 para definir o tipo de cinematografia que celebrasse a sexualidade não-normativa de forma irreverente, politicamente activa e sem a pretensão de glorificar os homossexuais. No entanto, ao contrário de Gus Van Sant (que levou «Milk» [crítica aqui] a ser nomeado para 8 Óscares da Academia em 2009), Gregg Araki permanece no nicho dos filmes underground, regressando à pulsão pela imaturidade apresentada na chamada «trilogia do apocalipse adolescente», constituída por «Totally F***ed Up» (1993), «The Doom Generation» (1995) e por «Nowhere» (1997). «Pele Misteriosa» (2004) [crítica aqui], que conta com o extraordinário protagonismo do actor Joseph Gordon-Levitt (que representa em «(500) Dias com Summer» (2009) e «A Origem» (2010) [crítica aqui]), será, talvez, o seu melhor filme, tratando os temas da pedofilia, dos abusos sexuais, da prostituição e da solidão.
«Kaboom», por sua vez, parece não querer levar-se a sério. Dotado de uma estética híbrida, que mantém, à semelhança dos restantes filmes, muito dos enquadramentos subjectivos centrados nas personagens, Gregg Araki conta-nos a história de Smith (Thomas Dekker), um estudante de cinema e que se prepara para comemorar o 19º aniversário ao lado da melhor amiga Stella (Haley Bennet) e de London (Juno Temple), investigando as estranhas aparições de homens mascarados de animais que o perseguem. Os eventos vão-se multiplicando, juntando ao rol de sexo e estranheza, a obsessão de uma bruxa lésbica ninfomaníaca, o desaparecimento de uma misteriosa ruiva e o uso de drogas, gerando uma aventura psicadélica e burlesca que antevê a proximidade do fim do mundo. O arco decadente deste delírio cinematográfico, que satiriza as especulações escatológicas sobre o dia 21 Dezembro de 2012, encerra-se no estilo dos filmes de Ed Wood que, convém relembrar, é encarado por alguns (e algo injustamente) como o pior realizador de sempre.
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Este texto foi publicado originalmente no dia 14 de Maio de 2011 na revista Notícias Sábado do DN e JN.
«Kaboom» (traduzido como «Alucinação») estreia amanhã, dia 19, nas salas de cinema portuguesas.
«Kaboom» (traduzido como «Alucinação») estreia amanhã, dia 19, nas salas de cinema portuguesas.
Excelente texto, Flávio! (E já agora parabéns pela parceria com o DN/JN.)
ResponderEliminarVi o filme no IndieLisboa com amigos e é realmente o que dizes, um autêntico delírio. Completamente trippy e sem se levar nada a sério, muito divertido. Fez-me reavaliar a minha opinião sobre Araki, de quem, confesso, nunca fui grande apreciador.
Cumps.
Muito obrigado Pedro.
ResponderEliminarO Araki tem coisas boas, para além deste vi só posso falar do Mysterious Skin (que recomendo).
Um abraço.