sábado, abril 26, 2008
[REC]
quinta-feira, abril 24, 2008
"Ensaio sobre a Lucidez", José Saramago
Quatro anos se passaram desde o surto de cegueira branca que assolou o país e que fez com que a sua população ficasse, durante semanas, invisual. As pessoas, não tendo encontrado uma explicação para o facto insólito, fizeram como que um pacto de silêncio não formalizado – como vemos na página 175, “Tem razão, pacto em sentido formal não houve, interveio o primeiro-ministro, mas todos pensámos, sem que para isso tivesse sido necessário pôr-nos de acordo e escrevê-lo num papel, que a terrível provação por que havíamos passado deveria, para a saúde do nosso espírito, ser considerada como um pesadelo abominável” – acerca do assunto e continuaram com as suas vidas.
Assolada por um temporal em pleno dia de eleições, a capital vê as suas urnas quase vazias até a meio do dia, quando o tempo começa a melhorar. Contados os votos, a esmagadora maioria – 70% – está em branco e, por isso, convocam-se novas eleições, cujos resultados – ainda mais catastróficos – levam a que o governo lhe declare Estado de Sítio.
A primeira parte do livro é centrada no Ministério em poder, nas suas tácticas e estratégias por si utilizadas face à nova “cegueira”, que desta vez tem a forma de votos brancos. A segunda parte centra-se nas consequências provocadas por uma carta enviada ao governo por um dos protagonistas da prequela.
Contrariamente ao que acontecia com Ensaio Sobre a Cegueira, aqui não encontramos nenhuma personagem que, desde os primeiros desenvolvimentos da narrativa, se perfile como principal. Em vez disso, a obra oferece-nos um enredo que se divide, como já mencionado, em duas partes.
A primeira, referente aos dez capítulos iniciais, essencialmente interessada em mostrar-nos o lado dos políticos, a quem dá o destaque de personagens principais. A segunda, protagonizada por um comissário, um inspector e um agente de segunda classe, e que nos mostra a investigação por eles realizada – após o governo ter recebido uma carta escrita por um dos protagonistas do livro anterior, o primeiro cego, que apontava a mulher do médico como eventual suspeita do surto de votos brancos que assolou as últimas eleições na capital, pelo facto de, há quatro anos, não ter cegado – com o objectivo de averiguar as causas da elevada taxa de votos em branco.
Alguns acontecimentos são protagonizados por uma outra personagem, o presidente da câmara municipal, através de cujos olhos presenciamos o momento da explosão da bomba no metro.
Se, no Ensaio Sobre a Cegueira, existia um enredo que, acompanhando a árdua jornada de um grupo de cegos liderado pela única pessoa a não cegar, nos mostrava a mutação a que o Homem se submetia, a sua perda de identidade, de humanidade, que o levavam a cometer actos de profunda crueldade e barbaridade, mas também de solidariedade e camaradagem, aqui encontramos uma nova intriga e novas reflexões acerca da condição humana.
Nos capítulos dedicados aos políticos, o tema que, na generalidade, os caracteriza, é a corrupção. Corrupção política – através dos discursos preparados para os ministros – e corrupção dos valores – que leva os ministros a cometer decisões hediondas, como a implantação da bomba no metro que resulta em dezenas de vítimas, para ludibriar o país.
Nos capítulos protagonizados pelo presidente da câmara, somos sobretudo levados a reflectir sobre a forma como agimos em relação aos que se encontram à nossa volta, como neste excerto: «É interessante como levamos todos os dias da vida a despedir-nos, dizendo e ouvindo dizer até amanhã e, fatalmente, em um desses dias, o que foi o último para alguém, ou já não está aquele a quem o dissemos, ou já não estamos nós que o tínhamos dito».
Já aqueles em que a acção se centra no comissário e seus subordinados, os temas são a ética – que leva o comissário a recusar-se a criar provas que incriminem, de alguma forma, a mulher do médico – e, novamente, a corrupção – quando o ministro do interior, servindo-se do seu cargo superior em relação ao comissário, procura a todo o custo provar a culpabilidade de um inocente.
Concluindo, os temas que predominam neste livro são a corrupção, a ética e os valores humanos. No primeiro, chocavam-nos as descrições terrivelmente realistas dos actos cometidos pelas personagens, bem como dos ambientes, cada vez mais degradados, que as rodeavam; aqui, choca-nos a frieza com que um ministro ordena a implantação de um dispositivo que causará a morte de dezenas de cidadãos e, horas depois, atribui a culpa aos supostos inimigos, os cabecilhas dos brancosos, ou a forma como um homem denuncia uma mulher – por um crime que ela nem cometera –, a quem, anos antes, devera a sobrevivência.
Mas será “Ensaio Sobre a Lucidez” uma sequela no verdadeiro sentido da palavra? As possíveis respostas a esta questão são várias e, claro, dependentes de cada leitor.
Alguns dirão que não, dado que nos primeiros dez capítulos não encontramos mais que menções – na maior parte das vezes, vagas – aos acontecimentos narrados em Ensaio Sobre a Cegueira e que, por esse motivo, boa parte do livro tem poucas relações – evidentes – com o enredo do anterior.
Outros, contudo, responderão que sim, que o livro é uma continuação pois, apesar de na primeira dezena de capítulos a acção não continuar seguindo as mesmas personagens da prequela, a verdade é que estas voltam e que, mesmo sob a forma de personagens secundárias, têm, a certa altura, um grande impacto nos acontecimentos, como de resto nos é anunciado pelo narrador – «Se esta discussão não tivesse acontecido, se o manifesto presidencial e os papéis volantes tivessem, por desnecessários, terminado no livro a sua breve vida, a história que estamos a contar seria, daqui para diante, bastante diferente». Além disso, a sua ausência é compensada pelos interrogatórios, que nos proporcionam informações sobre o que se passou com elas ao longo dos quatro anos que se passaram, bem como sobre o presente.
Assim, podemos concluir que Ensaio Sobre a Lucidez, apesar de centrar a acção noutras personagens, não negligencia as que protagonizaram o romance antecedente, nem tampouco o seu enredo; dá-lhes, aliás, continuação.
Falando agora da escrita, nesta obra encontramos características que tornam as criações de Saramago algo, pode dizer-se, singular.
Com isto falo, claro, das frases – por vezes, excessivamente – longas, que negligenciam regularmente as regras de pontuação; as reflexões acerca da condição humana e do Homem, muitas vezes conotadas com um certo sarcasmo também típico de Saramago; os diálogos cujas falas se apresentam intercaladas por vírgulas, violando, por isso, o sistema que predomina na maioria dos romances.
De notar que esta última característica, o facto de as falas das personagens estarem separadas por uma simples vírgula, é decisiva para a construção dos diálogos, que desta forma beneficiam de uma maior fluidez, como vemos no seguinte exemplo: «Olho para si e não lhe vejo cara de assassina, Não sou uma assassina, Matou um homem, Não era um homem, senhor comissário, era um percevejo».
Os motivos que me levaram a gostar bastante deste livro prendem-se, sobretudo, à escrita do autor – que, ao contrário de muitos, é um valioso suporte à narrativa –, às reflexões acerca do ser, do Homem, à história em si, que nos mostra uma capital abandonada pelos governantes, um Ministério reinado por corruptos e um grupo de personagens de convicções fortes por quem acabamos por torcer, mais cedo ou mais tarde.
Apesar disso, não posso deixar de apontar dois aspectos negativos. O primeiro relaciona-se com o facto de não nos ser dada nenhuma explicação para as causas da cegueira branca do anterior, nem acerca dos votos em branco. O segundo, que impede que Ensaio Sobre a Lucidez ascenda ao brilhantismo de Ensaio Sobre a Cegueira, é o facto de, como grande parte do livro é centrada em políticos e nas reuniões entre si e de, depois, sermos apresentados a outros protagonistas – personagens completamente novas à história –, o livro não provoca no leitor o mesmo envolvimento com a história e as personagens, algo que era atingido com mestria no anterior.
É, contudo, um óptimo livro, que em muito supera as leituras a que as massas comodamente se habituam e que, pessoalmente, recomendaria a todos os que gostaram do Ensaio Sobre a Cegueira.
segunda-feira, abril 14, 2008
Hostel
Neste post, farei uma crítica a um filme que revi este fim-de-semana e que foi bastante falado aquando da sua saída, Hostel.
Hostel estreou nos E.U.A. em 2005 e aqui em Portugal em Abril de 2006 – precisamente quando eu o vi pela primeira vez. Antes da sua estreia por terras americanas, o filme causou grande impacto nos festivais em que foi exibido, tendo levado alguns críticos a afirmar que se tratava do filme mais assustador de sempre e que era extremamente violento (existem relatos até de pessoas que não aguentaram até ao fim do filme). Criou-se, então, um enorme hype à volta do filme e todos estavam ansiosos por vê-lo. Será que aquilo que diziam era verdade? Continuem e a ler e descobrirão…
A trama do filme começa por nos apresentar às três personagens principais, dois americanos (Paxton e Josh) e um islandês (Oli), que se encontram em Amsterdão, o penúltimo destino da viagem pela Europa. Apesar de tencionarem ir para Espanha em seguida, um habitante local indica-lhes um sítio onde eles podem satisfazer todas as suas fantasias sexuais, um albergue situado em Bratislava, na Eslováquia. Persuadidos por aquilo que ele lhes dissera e pelas fotografias das mulheres que poderiam lá encontrar, os três partem para Bratislava. Lá, encontram duas mulheres (Natalya e Svetlana) com quem começam a criar uma afinidade, não sabendo o terror que os aguarda.
A primeira parte do filme ocupa-se de desenvolver as personagens, apesar de o fazer apenas superficialmente. Um deles é viciado em sexo e, aos oito anos, viu uma rapariga afogar-se, outro intitula-se como o “rei do swing” e a nossa personagem principal é o mais recatado do trio e o mais responsável. De início, devo dizer que as personagens não criam grande empatia com o espectador mas isso vai mudando à medida que a história desenvolve. A segunda parte do filme muda drasticamente de tom e mergulha as personagens principais num terror que nunca poderiam prever, apresentando-nos um lugar onde cada um pode matar, torturar e satisfazer as suas fantasias mais selvagens por um preço. Como podem imaginar, o destino do trio não é nada admirador.
O ponto central da história é mesmo esse lugar e a forma como as coisas funcionam por lá – e isto é, segundo o realizador Eli Roth, baseado em factos reais. Encontramos então um grupo de vilões ricos de várias nacionalidades dispostos a tratar as suas vítimas de forma digamos… não muito agradável. As cenas de tortura variam de intensidade – aquela em que cortam os tendões do calcanhar a uma personagem é a melhor e a mais perturbante de todas. Quanto ao gore, é em grande quantidade e capaz de fazer alguns desviar os olhos em algumas cenas.
sexta-feira, abril 11, 2008
:U2 3D (2007) - Crítica
Como já disse, “U2 3D” começou com “Vertigo”, o que foi uma óptima escolha e deu perfeitamente para reconhecer toda os efeitos digitais que podiam impressionar o espectador. Na primeira meia hora fiquei bastante surpreendido com a tecnologia mas, quando me habituei, pude concentrar-me mais nas músicas que foram tocadas e devo dizer que achei algumas um pouco irritantes e foram desnecessariamente colocadas como, por exemplo “The Fly” ou “Pride”… não sei é mesmo por não apreciar maioriotariamente tanto as versões “live” às do estúdio ou se, realmente, estavam fracamente tocadas, porque a única coisa que me vinha aos pensamentos era que mal podia esperar pela próxima música.Gostei da “Love and Peace or Else” e a “Sunday Bloody Sunday”, apesar de não inspirar tanta força e sentimento como a original, fez-me recordar o meu ano passado, com alguma nostalgia. Retomando, as outras melodias não me atraem e podiam ser facilmente substituidas com êxitos como “Elevation” ou “City Of Blinding Lights”, que são agradáveis e fazem-me vibrar!
Ainda assim, e apesar disto e alguns planos que podiam ser cortados, agradou-me todo o espectáculo, pesar de não ser apologista de ter em cartaz concertos musicais. Para isso, na minha opinião, criavam-se espaços próprios, não misturando com filmes de ficção e documentários (sublinho também o sentido da palavra “documentário”, género que surge, do nada, no IMDB) para quem não queria ou podia ver a banda preferida ao vivo. A recta final foi bastante boa, com a passagem da declaração universal dos direitos do Homem, e com as palavras a sairem do grande ecrã.
Passei, no final de tudo e fazendo o balanço, um óptimo serão ao lado dos meus melhores amigos, apesar de algumas performances pudessem estar melhor, algumas músicas pudessem ser substituidas, e alguns planos pudessem ser reconsiderados. Repito: apesar de ter gostado de “U2 3D”, nada de concertos nas salas de cinema!
Nota: 8/10