Estreou-se há uma década atrás e continua a ser pertinente relembrar as imagens da vida universitária coimbrã que fizeram de ‘Rasganço’ um dos filmes mais controversos e icónicos da cidade. Este artigo foi publicado originalmente no dia 29 de Julho de 2011 no Diário de Notícias.
O primeiríssimo plano daquela que é recordada como a primeira longa-metragem de Raquel Freire (que se estreou comercialmente a 30 de Novembro de 2001) convida-nos a subir, com o protagonista, a escadaria que nos conduzirá à última praxe de uma universitária: o rasganço. A realizadora, nascida no Porto a 22 de Junho de 1973, começa por filmar o ritual, ao mesmo tempo violento e simbólico (que consiste em rasgar o traje do recém-licenciado pelos amigos e família), antecipando um olhar diferente, corajoso e carregado de força sobre a praxe, o fim da inocência e o universo da Universidade, signo histórico da cidade de Coimbra, banhada pelo rio Mondego.
Seguimos então Edgar que, após se sentir posto de parte pela elite académica, se vinga sacrificando jovens estudantes, violando-as. Mas será interessante relembrar as palavras da autora na sinopse do filme, em que resume a sua relação com a cidade: “Coimbra, a mais complexa de todas as personagens, conta a história: eu não sou só uma cidade. Sou uma estufa. Uma reserva natural para estudantes, onde eles vivem em plena liberdade. Sou uma espécie de doce, entre a adolescência e a idade adulta. Mas só para os que puderam estudar. Os melhores. Eles sabem que são uma elite. Uma manhã de Janeiro chegou um homem. Apaixonou-se por mim e pelas minhas mulheres. Tolo, não percebeu que EU não sou para quem quer, mas para quem pode; e que o amor não abre as minhas velhas portas.”
Raquel Freire pode ser considerada uma espécie única de cineasta-activista, em que a força da luta pelas questões que a assolam (como é o caso do amor, da marginalização ou da desigualdade sexual) se manifesta nas imagens que cria. Em alguns dos seus filmes transparece um dos temas mais queridos: a condição da mulher no seu meio social. Esteve inclusivamente associada a movimentos pró-despenalização do aborto.
A realizadora e argumentista cria aqui uma ode sui generis ao inevitável apego à vida proporcionada por Coimbra. Depois da curta-metragem Rio Vermelho (1999), onde filma o rio Douro com uma sensualidade quase sobrenatural (Freire considera que o Porto é a sua cidade), regressa com a necessidade de se lançar com Rasganço. A realizadora queria filmar a juventude e os rituais de passagem. “Tinha uma imagem de Coimbra de grande liberdade, rebeldia, intervencionismo político. De ser um espaço privilegiado para os jovens poderem crescer”, declarou ao JN em 2004.
Raquel Freire “rasgou” aqui o cinema português, afirmando-se como uma nova voz a pedir para ser ouvida. Contando com as interpretações de Ricardo Aibéo, Isabel Ruth ou Ana Teresa Carvalhosa, o filme lançou um grande debate no seio da comunidade estudantil sobre a forma como as actividades praxísticas se encontravam representadas e, por consequência, sobre a própria existência da praxe em Coimbra. Rasganço chega, por isso, a ser um filme “à margem” e um exercício de ficção dotado de uma energia poética que merece ser realçada, auxiliada em grande medida pela fotografia, da responsabilidade de Acácio de Almeida (que também esteve envolvido na imagem de O Sangue, de Pedro Costa, A Cidade Branca, de Alain Tanner, ou Cisne, de Teresa Villaverde, a estrear no próximo mês de Setembro).
A “generala vermelha” (como era então conhecida nos tempos de faculdade, na qual estudou Direito) prepara actualmente o lançamento do seu último filme, A Vida Queima, para breve, enquanto permanece como cronista activa na Antena 1. Rasganço, por seu lado, vive permanecendo na memória de quem o vê e, sobretudo, de quem o sente em Coimbra.
Seguimos então Edgar que, após se sentir posto de parte pela elite académica, se vinga sacrificando jovens estudantes, violando-as. Mas será interessante relembrar as palavras da autora na sinopse do filme, em que resume a sua relação com a cidade: “Coimbra, a mais complexa de todas as personagens, conta a história: eu não sou só uma cidade. Sou uma estufa. Uma reserva natural para estudantes, onde eles vivem em plena liberdade. Sou uma espécie de doce, entre a adolescência e a idade adulta. Mas só para os que puderam estudar. Os melhores. Eles sabem que são uma elite. Uma manhã de Janeiro chegou um homem. Apaixonou-se por mim e pelas minhas mulheres. Tolo, não percebeu que EU não sou para quem quer, mas para quem pode; e que o amor não abre as minhas velhas portas.”
Raquel Freire pode ser considerada uma espécie única de cineasta-activista, em que a força da luta pelas questões que a assolam (como é o caso do amor, da marginalização ou da desigualdade sexual) se manifesta nas imagens que cria. Em alguns dos seus filmes transparece um dos temas mais queridos: a condição da mulher no seu meio social. Esteve inclusivamente associada a movimentos pró-despenalização do aborto.
A realizadora e argumentista cria aqui uma ode sui generis ao inevitável apego à vida proporcionada por Coimbra. Depois da curta-metragem Rio Vermelho (1999), onde filma o rio Douro com uma sensualidade quase sobrenatural (Freire considera que o Porto é a sua cidade), regressa com a necessidade de se lançar com Rasganço. A realizadora queria filmar a juventude e os rituais de passagem. “Tinha uma imagem de Coimbra de grande liberdade, rebeldia, intervencionismo político. De ser um espaço privilegiado para os jovens poderem crescer”, declarou ao JN em 2004.
Raquel Freire “rasgou” aqui o cinema português, afirmando-se como uma nova voz a pedir para ser ouvida. Contando com as interpretações de Ricardo Aibéo, Isabel Ruth ou Ana Teresa Carvalhosa, o filme lançou um grande debate no seio da comunidade estudantil sobre a forma como as actividades praxísticas se encontravam representadas e, por consequência, sobre a própria existência da praxe em Coimbra. Rasganço chega, por isso, a ser um filme “à margem” e um exercício de ficção dotado de uma energia poética que merece ser realçada, auxiliada em grande medida pela fotografia, da responsabilidade de Acácio de Almeida (que também esteve envolvido na imagem de O Sangue, de Pedro Costa, A Cidade Branca, de Alain Tanner, ou Cisne, de Teresa Villaverde, a estrear no próximo mês de Setembro).
A “generala vermelha” (como era então conhecida nos tempos de faculdade, na qual estudou Direito) prepara actualmente o lançamento do seu último filme, A Vida Queima, para breve, enquanto permanece como cronista activa na Antena 1. Rasganço, por seu lado, vive permanecendo na memória de quem o vê e, sobretudo, de quem o sente em Coimbra.
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