domingo, julho 31, 2011

Um olhar ao serviço da imaginação

No momento em que é reeditado o álbum ‘The Suburbs’ dos Arcade Fire com uma curta do realizador como extra em DVD, um olhar pelo autor de alguns dos mais célebres telediscos. Este artigo foi publicado originalmente no dia 30 de Julho de 2011, no Diário de Notícias.
Poucos serão os músicos que não gostariam de ter um teledisco realizado por Spike Jonze. E os poucos felizardos que conseguem, podem ter até direito a bonecos de plástico a lutar uns contra os outros e com efeitos especiais dignos de um filme de acção, tal como o realizador americano fez na curta-metragem Don’t Play No Game That I Can’t Win, que serve de mais recente teledisco para os Beastie Boys. É esta a matéria de que Spike Jonze é feito.

Scenes from the Suburbs, que agora é lançado em DVD, é uma média-metragem que alia as suas imagena à música dos Arcade Fire. Nela, entramos no universo íntimo de Spike Jonze, do qual as bicicletas e os skates fizeram parte da sua realidade. Já a ficção científica nasce da sua imaginação. Uma vez mais o autor “experimentador” procura assim a união, sem dúvida secreta e pessoal, entre as imagens, a música e ele mesmo.

Antes de se tornar num dos mais reconhecidos realizadores de telediscos, anúncios televisivos e de filmes dos Estados Unidos, o criador da série controversa Jackass nem se chamava Spike Jonze nem poderia imaginar o que o futuro lhe reservava. Nascido em Rockville (Maryland), a 22 de Outubro de 1969, deram-lhe o nome Adam Spiegel. Filho de um grande empresário e de uma escritora, cresceu em Bethesda e adoptou o nome de Spike Jonze não propriamente por ser a sua escolha, mas porque o dono da loja de conveniência que frequentava assim o tratava. Levou a sua adolescência a praticar o chamado BMX Freestyle, executando com talento diferentes manobras com a sua bicicleta. O seu entusiasmo levou-o a criar um clube BMX, com os amigos de liceu Andy Jenkins e Mark Lewman e a trabalhar em Los Angeles a praticar o seu talento como fotógrafo em publicações criadas pelos três.

Foi em 1992 que Spike Jonze se lançou no universo dos telediscos, ao realizar “100%”, dos Sonic Youth, onde mostrou o seu apreço pelos skateboarders. Em 1994, esteve à frente de Sabotage, um dos três telediscos que nesse ano realizou para a banda nova-iorquina de hip hop Beastie Boys. O vídeo, que concretiza uma espécie de paródia aos programas de televisão americanos dos anos 70, ganhou maior reconhecimento ao ser nomeado para 5 prémios nos MTV Video Music Awards (incluindo para melhor teledisco e melhor realização).

A carreira de Jonze nos telediscos ganhou então maior fôlego. Esteticamente relevantes, originais e ousados, entre os mais célebres trabalhos podemos contar Undone – The Sweater Song (1994) dos Weezer, It’s Oh So Quiet (1995), de Björk, Crush with Eyeliner (1995), dos R.E.M. e Da Funk (1997), dos Daft Punk. Foi nesta altura, em 1997, que Spike Jonze criou a sua primeira curta-metragem de ficção de 3 minutos, How They Get There, que escreveu e realizou.

Em 1999 lançou Torrance Rises, média-metragem de ficção, falso documentário no qual realiza, coreografa e interpreta, ao lado de Will Smith, Madonna, Eminem, Chris Rock e Sofia Coppola, realizadora de Lost in Translation – O Amor é um Lugar Estranho, com quem casa no mesmo ano (separando-se em 2003). Ainda em 1999, Spike Jonze lança a sua primeira longa-metragem: a comédia negra Queres ser John Malkovitch?, escrita por Charlie Kaufman (os dois voltariam a cooperar em Inadaptado, o seu segundo filme, em 2002). O primeiro filme teve 3 nomeações para os Óscares da Academia, sendo que o segundo levou para casa o de melhor actor secundário, Clive Owen.

Spike Jonze, que também utiliza o pseudónimo Richard Koufey, criou a controversa série de televisão Jackass e continuou a trabalhar em telediscos (como para Kanye West, Yeah Yeah Yeahs ou LCD Soundsystem), lançando nos últimos dois anos mais duas curtas-metragens e uma longa, o êxito de bilheteira O Sítio das Coisas Selvagens, uma história com contornos de fantasia e imaginação em tudo fiel à sua visão como autor.

Um filme ao som dos Arcade Fire

Spike Jonze junta-se aos Arcade Fire para imaginar “cenas passadas nos subúrbios” num futuro não muito longínquo. Este drama enigmático e sedutor, com duração aproximada de meia hora, é uma recordação do protagonista e da relação que mantinha (e deixou de ter, por razões que nunca são bem explicadas) com o melhor amigo. Contextualizada numa época imaginada de vigilância militar atroz e opressora (sem motivo lógico aparente), a curta-metragem segue um grupo de adolescentes que, apesar de não ser alheio à situação externa do local onde vive (já que se encontram aprisionados na própria cidade), decide levar a sua vida com uma alegre leviandade. E é esse que Spike Jonze se propõe – e consegue – concretizar: filmar, através da música da banda de rock, a leveza da vida para aqueles jovens, filmar o forte sentido de pertença de grupo e filmar a decadência e a passagem para a maturidade em tempos de guerra. Por isso, Scenes from the Suburbs é um extraordinário filme sobre a memória, sobretudo quando utilizada como escape a uma realidade distópica.

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Match Point (2005), de Woody Allen

quinta-feira, julho 28, 2011

Francis Ford Coppola e o futuro do cinema


Francis Ford Coppola, cineasta reconhecido por ter criado uma das mais famosas trilogias da história (“O Padrinho”), lançará em Setembro deste ano o seu novo filme de terror, chamado “Twixt”. O conceito inovador da distribuição do filme parte, segundo o que o realizador declarou no Comic-Con (em São Diego, na Califórnia), em ver o filme “igual a uma ópera”. Por outras palavras, Coppola quer superar a actual forma de ver cinema, pensando “em fazer uma digressão de um mês por algumas cidades dos Estados Unidos," na qual estaria com a sua equipa, "com música em directo e a fazer uma versão do filme diferente para cada plateia”.

O projecto inovador e ambicioso, que conta com um orçamento estimado em quase 5 milhões de euros, redefine, de igual maneira, a utilização do 3D. Utilizando “Avatar”, de James Cameron, como exemplo, Francis Ford Coppola explicou que apenas utilizou os óculos adequados à tecnologia quando se apercebeu da potencialidade da utilização da mesma. Assim sendo, “Twixt” misturará cenas 2D e 3D. “Assim evitam-se as dores de cabeça”, explica o norte-americano.

No mês de Outubro, o realizador viajará pelos EUA para apresentar “Twixt”, uma verdadeira experiência “ao vivo”, à semelhança dos “concertos e desporto”. Para garantir a variedade de visionamentos, utilizar-se-á um sistema informático que alterará as cenas ao longo do desenvolvimento do filme. Esta experiência modifica, por consequência, o conceito de obra única no cinema.

A história foi inspirada num sonho que o realizador teve, e no qual entrava Edgar Allen Poe. Será um filme, “parte romance gótico, parte filme pessoal, parte o tipo de filme de terror com o qual comecei minha carreira”, tal como descreve o autor de “Drácula de Bram Stoker” (1992), que também fez alguns filmes de terror nos tempos de faculdade. “Twixt” será centrado na chegada de um escritor com o intuito de promover o seu mais recente livro numa aldeia e que se vê envolvido na morte de uma rapariga e acaba assombrado por uma aparição nos seus sonhos. O filme contará com as interpretações de Elle Fanning, Joanne Whalley, Val Kilmer e Ben Chaplin, e já ganhou novas imagens promocionais. A primeira exibição terá lugar em Setembro, no Festival Internacional de Toronto.

[notícia publicada originalmente no dia 27 de Julho de 2011, aqui]

Qual será, depois de “Twixt”, o futuro do cinema? Ou, melhor perguntando: como poderemos definir o cinema em si mesmo depois de uma experiência como a que Coppola pretende acarretar? “Twixt” parece ser, de facto, o sucedimento inevitável de uma vaga de projectos com distribuição e exibição inovadores, e que vai contra a velha forma de consumir o cinema. No entanto, a questão vai mais além: falamos aqui de uma modificação, e reforçar que é levada a cabo pela mão de uma tecnologia não-humana, do filme enquanto este se desenrola, tornando-o numa experiência que é, em absoluto, única e, ao mesmo, num filme repartido ad infinitum. Diante de tal evidência, como poderemos considerar a obra original que é “Twixt” sem nos cedermos ao fácil deslumbramento que este nos poderá proporcionar?

terça-feira, julho 26, 2011

Rio da infância e da memória

Da data da sua estreia original à da reposição de uma cópia renovada nas salas de cinema portuguesas em 2010, “Aniki-Bobó” foi durante quase sete décadas o filme do rio Douro por excelência. Este artigo foi publicado originalmente no dia 22 de Julho no Diário de Notícias.
Semanas depois de a primeira longa-metragem de Manoel de Oliveira ter estreado, no Cine-Teatro Éden, no dia 18 de Dezembro de 1942, o jornal Cidade de Tomar avisava que “a fita é uma infame cilada armada à inocência das crianças e à imprevidência dos pais”, chamando-a ainda “uma verdadeira monstruosidade”. Paralelamente, grande parte do público também não viu com agrado a adaptação que aquele realizador vindo do Porto, potencialmente perigoso, tinha feito do conto “Meninos Milionários”, do escritor e advogado João Rodrigues de Freitas. Vivia-se então sobre a penumbra autoritária e corporativista do Estado Novo, que nascera ao mesmo tempo que “A Canção de Lisboa” se demarcara como o primeiro filme sonoro português (no qual o próprio Manoel de Oliveira interpreta) e anunciava uma nova fase do cinema nacional.

Servindo-se das zonas ribeirinhas do Porto e de Vila Nova de Gaia, somos conduzidos à rivalidade sentida por dois jovens rapazes – Carlitos (o protagonista) e Eduardinho –, que estão apaixonados por Teresinha. Para agradar a rapariga, Carlitos rouba da Loja das Tentações a boneca desejada por Teresinha e oferece-a. Mais tarde, quando o grupo de miúdos está a brincar depois de ter faltado à escola, Eduardinho cai para perto de um comboio em movimento e todos começam a suspeitar que Carlitos o teria empurrado.

A história encara, por isso, a perda da inocência, o jogo de poder, o ciúme e o primeiro amor vividos pelas crianças. Manoel de Oliveira filma tudo isso com um olho dir-se-ia quase “neo-realista” (as crianças são actores amadores), trespassando o documentário que deixou para trás – o primeiro trabalho do cineasta portuense foi a curta-metragem documental “Douro, Faina Fluvial”, em 1931. Apesar de apontado com críticas desfavoráveis, podemos considerar que “Aniki-Bobó” irradia uma humanidade proporcional ao tamanho da sua pedagogia, então incompreendido pelo espectador da época. Os valores da amizade, da esperança e da justiça são no fim enaltecidos, como uma lição autêntica de moral ao estilo dos contos populares para crianças.

Em “Aniki-Bobó”, o sentido de documentário alia-se a “uma sensibilidade eminentemente poética posta ao serviço do cinema português”, segundo as palavras do produtor do filme. Quer isto significar que Manoel de Oliveira estrutura o espaço dramático e fictício da história do filme nas paisagens que rodearam a sua própria infância no Porto e em Gaia. Para além de fazer recurso da memória para recordar o seu passado, o realizador perpetua no cinema, mais que as imagens do rio Douro (dirigidas a partir da fotografia de António Mendes), a forma como as olhava em 1942, então com 34 anos. “Se o fizesse hoje fá-lo-ia certamente bem diferente (…) porque quem mudou, ou julga ter mudado, e muito, fui eu”, comenta Manoel de Oliveira, que hoje está a poucos meses de completar o 103º aniversário. E relativamente às intenções didácticas, o realizador admite: “Quando muito, intencionalmente, mas muito ao de leve, pretendi sugerir uma mensagem de amor e compreensão do semelhante, como advertência a uma sociedade que luta e se desespera em injustiças.”

Parábola tão mágica como é a lengalenga que serve de motivo para o título do filme e para as brincadeiras das crianças (Aniki-bebé. Aniki-Bobó. Passarinho. Totó. Berimbau. Cavaquinho. Salomão. Sacristão. Tu és polícia. Tu és ladrão), este filme, com a passagem do tempo e das gerações, ergueu-se como um clássico absoluto e essencial da cinematografia portuguesa e como um dos mais icónicos “quadros animados” do rio Douro.

domingo, julho 24, 2011

Post(ers) [4]

The Social Network (2010), de David Fincher

sábado, julho 23, 2011

5 perguntas (iii): Pedro Cabeleira

Pedro Cabeleira, autor do blogue Estúpido Maestro, escreve na rubrica semanal 5 perguntas, que confrontará vários convidados com uma série diferente de questões sobre a sua relação com o cinema. Uma vez, o Pedro escreveu, a jeito de resposta a uma declaração de Jean-Luc Godard sobre o facto de um autor ter apenas deveres e não direitos, um texto sob a forma de manifesto, porventura controverso, sobre o cinema de autor - cuja leitura eu aconselho que seja feita aqui. Muito obrigado, Pedro, pela tua colaboração.

★★★★★

1. Que filme lhe fez mais ter pena do dinheiro que gastou no bilhete?

Houve um certo filme que fui ver numa sessão da Cinemateca com a presença do realizador que poderia ter sido onde o meu dinheiro foi mais mal investido. Apesar da extraordinária qualidade da obra ainda consegui aprender bastante com a situação, por isso, apesar de ter saído da sala após trinta minutos do seu começo, a “Conversa Acabada” de João Botelho não foi o meu pior investimento. Quando fui ver “Sucker Punch”, filme mais recente de Zack Snyder, lamentei imenso os 5 € que apostei, principalmente por ser um filme de um realizador que eu até tinha alguma consideração. A verdade é que após vinte minutos do inicio da sessão os enjoos e a dor de cabeça falaram mais alto, reacções físicas a um dos piores filmes que vi no grande ecrã.


2. O filme que gosta de um realizador que tenha em muito má conta?

Danny Boyle fez dois filmes que eu considero fracos, coopera com ele nestes filmes um compositor cuja música é claramente desadequada, diria que esse realizador pratica um certo cinema do enjoo, abusa nas cores e adopta um ritmo falacioso e exagerado. No entanto, esta realização “dannyboylesca” adequa-se a um filme que adoro, “Trainspotting”.

3. O filme com o melhor fim?

Pergunta difícil. Há “Haverá Sangue”, “Pulp Fiction”, “O Ódio”, “Barry Lyndon”, “Magnolia”, “Raging Bull”, finais extraordinários! No entanto, em 1971, Stanley Kubrick, consegue, a meu ver, o melhor final de sempre. “A Clockwork Orange” tem o melhor final de sempre, e mal de nós será não concordar que Alex está curado, e difícil será também não nos arrepiarmos ao apercebermo-nos que aquilo que acabámos de ver, foi não só um dos melhores estudos de personagem como uma extraordinária abordagem ao ser, aos seus instintos e acima de tudo ao carácter. Aquele quadro final pomposo, claramente perturbador e ao mesmo tempo tão aliviante e suave é insuperável.

4. Um filme sobrevalorizado?

O cinema tem várias componentes que podem ser analisadas e categorizar um filme como de excelência, grande, muito bom, bom, razoável, etc… ou mesmo de uma forma mais simplista, bom ou mau. No entanto há duas coisas que para mim são essenciais para desenvolver uma ideia de um objecto cinematográfico, a história e a forma como esta é contada. É na não harmonia destes dois pontos que “The Usual Suspects” de Brian Singer de 1995 se torna talvez o filme mais sobrevalorizado. Uma história muito boa, com um clímax quase sufocante, um twist muito inteligente, no entanto, é uma história que foi tornada num filme simplesmente interessante, não mais. Brian Singer vulgariza uma história bastante promissora, não a torna nem densa nem negra, não faz com que o clímax seja sufocante, é um filme que se vê e se acompanha, mas é um filme que perde “personalidade”, não senti a magia de Kayser Soze, não senti medo dele, e se não for por dizerem que ele matou não sei quantos e que é o Diabo em figura de gente nunca iria perceber porque raio os outros o temem tanto. Singer podia ter criado um clima tenebroso, uma obra formidável, mas não, “The Usual Suspects” é apenas uma luxuosa receita que acabou por ficar sem sabor.

5. Uma medida para o cinema português?

Sou apologista que o ICA não deve ser extinguido, mas sim, que devia ser considerada outra distribuição do seu financiamento. Não digo também que se devia acabar com o investimento em filmes, o que seria feito do cinema português? Bom ou mau, a verdade, é que este deve ser feito. No entanto, há uma coisa que não se aposta, quando o produto é mau, deve se investir na mão-de-obra de modo a este ficar melhor. Diria que uma parcela do bolo do ICA devia ser atribuída a estágios ou formações no estrangeiro, que qualificassem portugueses e os especificassem em áreas como distribuição, maquilhagem, imagem, etc… Quanto mais especializados estes fossem, mais fácil seria a produção cinematográfica, mais vantajoso seria o investimento, que estes aprendessem com os grandes, para depois não estarem apenas preparados para cumprir e ser competentes, mas para o fazerem com qualidade e distinção. Formação não é sinónima de criatividade, mas certamente que ajuda para o desenvolvimento desta. Trata-se de aproveitar a potencialidade que o nosso país pode vir a ter nesta área. O conhecimento traz segurança não só em quem tem esse conhecimento mas em quem vai ver os filmes. É fulcral apostar numa formação de excelência quando está mais que provado que os produtos não são de excelência.

quarta-feira, julho 20, 2011

Gianni e a solidão


A segunda longa-metragem que Gianni Di Gregorio escreveu, realizou e protagonizou não é mais que um sucedimento redundante dos falhanços que a sua personagem tem com as mulheres que o rodeiam. Este artigo foi publicado originalmente no dia 16 de Julho de 2011 na revista Notícias Sábado, que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias (com o título Mais do mesmo). 
Apesar de se anunciar como uma comédia quando apresentado este ano no Festival de Berlim, parece impossível soltar mais do que uma gargalhada na segunda longa-metragem do italiano Gianni Di Gregorio, que assina novamente o papel de realizador, argumentista e protagonista depois da sua estreia no cinema com “Almoço de 15 de Agosto” (2008). Nascido em 1949, começou a trabalhar primeiro no teatro como actor e encenador e só depois se voltou para o cinema como assistente de realização (em três filmes de Matteo Garrone) e argumentista (noutros três de Marco Colli, colaborando na escrita do guião do multi-premiado “Gomorra”, em 2008). Só nesse ano decide atirar-se a um projecto como autor (lançando-se a um argumentista que escrevera em 2000) e foi tão bem sucedido que foi galardoado com o prémio de melhor filme debutante no Festival de Cinema de Londres.

Neste segundo filme, Gianni volta a representar um protagonista homónimo e que deve ser encarado pelo seu público como a mais trágica figura de todo o elenco burlesco do filme. É por isso apresentado como um homem de meia-idade que vive o peso do que é estar reformado aos sessenta anos. Casado com uma mulher (Elisabetta Piccolomini) que não ama, pai de uma filha (Teresa Di Gregorio) e com problemas de alcoolismo, Gianni ocupa o seu tempo fazendo favores às mulheres que o rodeiam, como a mãe (Valeria De Franciscis, que faz o mesmo papel que interpretou no primeiro filme do realizador) que constantemente o importuna ou a vizinha que precisa de passear o cão. Acompanhado pela amizade do namorado da filha e motivado pelo amigo e advogado Alfonso (Alfonso Santagata) em procurar um novo amor na sua vida, Gianni passa por constantes aventuras falhadas de sedução. E é precisamente aqui que reside a maior falha nesta autêntica tragédia “Gianni e as Mulheres”: a persistência dos episódios de fracasso e desilusão até o fim não faz mais que repetir o cenário com que o filme se inicia, tornando todo o conteúdo dramático redundante e inconsequente.

Embora seja simples, bem filmado e contenha um grau notável de honestidade e humildade, “Gianni e as Mulheres” não consegue ser mais que um filme pleonástico e insosso que com rapidez cai no esquecimento do seu público.

domingo, julho 17, 2011

Regressar às origens

Rodado no Alto Minho e com uma cena dedicada ao seu rio, "Viagem ao Princípio do Mundo" (1997) é um filme autobiográfico assinado por Manoel de Oliveira conhecido por contar com a derradeira interpretação de Marcello Mastroianni. Este artigo foi publicado originalmente no dia 15 de Julho de 2011 no Diário de Notícias.
Estávamos no ano de 1997 e o realizador Manoel de Oliveira, então com 89 anos, acabava de ganhar no Festival de Cannes o Prémio FIPRESCI e uma menção honrosa do Júri Ecuménico. Havia, contudo, um malogrado sentimento de saudade na apresentação de “Viagem ao Princípio do Mundo”, não apenas por causa da nostalgia presente na sua narrativa, mas por apresentar aquela que seria reconhecida como a derradeira interpretação de um dos maiores actores da história do cinema italiano: Marcello Mastroianni, falecido em Paris a 19 de Dezembro de 1996, vítima de um cancro no pâncreas diagnosticado enquanto rodava o filme.

Neste filme auto-biográfico, Manoel de Oliveira dá a Mastroianni (o realizador-protagonista de 8 ½, de Fellini) o seu próprio papel. Chama-o de Manoel e caracteriza-o também como um realizador. A personagem de Manoel acaba por acompanhar Afonso (Jean-Yves Gautier), um actor francês, na busca da aldeia onde cresceu o seu pai português. Nesta viagem ao Norte de Portugal, Manoel traz a Afonso e a dois colegas actores (Judite, interpretada por Leonor Silveira, e Duarte, representado por Diogo Dória) as suas recordações do Alto Minho. Junto do Rio Minho, Manoel descreve-o como “tenebroso”, lembrando os tempos de criança. “Agora parece calmo! Mas nos dias sombrios de Inverno, sempre que voltávamos [para o colégio de jesuítas] depois do Natal, o rio metia medo. Diante da barca, as águas escapelavam-se como no mar… Era uma barca negra, que nos levava para a outra margem… Afocinhava a proa nas ondas, e a mim, miúdo que era, parecia que nos ia engolir a todos. O intrépido barqueiro não parava de remar. Na minha imaginação de criança, já via um naufrágio e olhava temeroso para o meu pai. Como o visse sereno, tanto bastava para me tranquilizar.”

Quase todo o filme se baseia na viagem de carro do grupo de colegas (conduzida pelo próprio Manoel de Oliveira) até a aldeia do pai de Afonso, que tinha emigrado para França e lá casado com uma mulher. Na freguesia de Barbeita, em Monção (Viana do Castelo), fazem uma paragem e deparam-se com a escultura humorística de Pedro Macau construída pelo escultor Francisco Luís Barreiros, lembrando com uma aldeã (Adelaide Teixeira) os versos populares relacionados com a figura: “Eu sou o Pedro Macau / Carrego às costas este pau. / Por mim passa muito patego, / uns de focinho branco, / outros, de focinho negro. / E nenhum me tira deste degredo.”

Quando, por fim, chegam ao destino, Afonso descobre por fim a sua tia Maria Afonso (Isabel de Castro), casada com José (José Pinto), que o recebe de forma desconfiada, por este não saber a “sua fala”. Só quando Afonso lhe confessa o exclusivo desejo de visitar o cemitério da sua família é que a sua tia se apercebe que está diante do futuro que nunca conheceu.

Apesar de se apresentar como uma produção luso-francesa, este é, provavelmente, um dos filmes mais “portugueses” de Manoel de Oliveira, por se debruçar sobre o tema da saudade e da memória. De facto, o realizador eterniza não só a figura de Mastroianni como também as paisagens das montanhas e rio do Alto Minho, os ecos profundos, íntimos e secretos de uma infância e adolescência passados por Manoel – a personagem que faz de realizador e o próprio realizador que filma a sua personagem.

“Manoel de Oliveira é um monumento, um homem extraordinário; é um privilégio estar a trabalhar com ele”, declarou o actor italiano pouco antes de morrer. Finalizada a obra, o mais velho realizador do mundo, que sabia do “degredo” de que sofria Mastroianni, dedicou-lhe o filme, agradecendo-lhe a centésima septuagésima primeira – e última – representação, que deu corpo, voz e vida ao próprio cineasta.

O cineasta dos múltiplos nomes


Apesar de já ter estreado nos EUA há dois anos, 'Confissões de Uma Namorada de Serviço' estreou-se esta semana nas salas de cinema portuguesas e já foi anunciado como um dos últimos filmes de Steven Soderbergh, que já não quer ser um contador de histórias. Este artigo foi publicado originalmente no dia 16 de Julho de 2011 no Diário de Notícias.
Há dois anos, numa entrevista feita pelo jornal The Guardian, o realizador Steven Soderbergh, hoje com 48 anos, parecia resignado: "Quanto à minha carreira, eu já consigo ver o fim. Tenho uma lista das coisas que quero fazer, e, logo que estejam concluídas, posso simplesmente desaparecer." A peremptória declaração seguia o desgosto sentido pelo épico biográfico de Che Guevara, que lançou em 2008: "Um ano depois de termos acabado de rodar, ainda acordava de manhã a pensar: 'Graças a Deus que não estou a filmar aquele filme.'" No dia 11 de Março deste ano, Soderbergh repetiu num programa de rádio que se retiraria da indústria cinematográfica. Segundo disse Matt Damon ao LA Times, o realizador "quer dedicar-se à pintura", revelando ainda que "ele não está interessado em contar histórias".

Antes de fazer as produções de Hollywood e de se divorciar da carreira que formou, Steven Andrew Soderbergh (apelido que os pais suecos, Söderberg, foram obrigados a adoptar quando imigraram para os EUA), nascido a 14 de Janeiro de 1963, em Atlanta, realizou vários filmes numa Super 8 emprestada enquanto era adolescente, inspirado por Andrei Tarkovsky. Estudando no Luisiana, ganhou maior projecção quando, em 1985, filmou e montou 9012 Live para a banda de rock Yes.

O realizador, que também desempenha os papéis de montador, argumentista, produtor ou de director de fotografia, deve a proeminência da sua carreira à longa-metragem que escreveu em oito dias. Sexo, Mentiras e Vídeo, lançado em 1989, valeu a Soderbergh a Palma de Ouro (ficando na história como o mais jovem cineasta a vencer o Festival de Cannes), entre outros prémios. Além do mais, a obra veio a ter repercussões no panorama cinematográfico global, impulsionando a estreia de mais filmes com baixo orçamento.

Estreando-se como uma das maiores promessas do cinema norte--americano, Steven Soderbergh lançou depois fracassos de bilheteira: Kafka (1991), O Rei do Bairro (1993, nomeado para a Palma de Ouro em Cannes) ou Schizopolis (1996, filme experimental que realizou, filmou, escreveu, interpretou, compôs, montou e dirigiu a fotografia, sem exibir nenhum crédito no início ou no fim do filme). Mais tarde, Steven Soderbergh obrigar-se-ia a assinar funções com variados pseudónimos - Mary Ann Bernard, montadora; Peter Andrews, director de fotografia; Sam Lowry, argumentista - para contornar a Writers Guild of America, que o proibia de tomar conta de várias funções.

A sua filmografia ganha um novo ritmo a partir de Romance Perigoso (1998), O Falcão Inglês (1999), Erin Brockovich e, sobretudo, com Traffic - Ninguém Sai Ileso (2000), vencedor de quatro Óscares, incluindo o de melhor realizador (nesse ano Soderbergh passou a ser o terceiro realizador alguma vez nomeado para a categoria com dois filmes ao mesmo tempo).

Após ter realizado o sucesso de bilheteira Ocean's 11 em 2001, Steven Soderbergh realiza o remake de Solaris (2002), com George Clooney. Confirmava-se, na indústria de cinema de Hollywood, que Soderbergh era daqueles raros casos que tanto se permitia fazer filmes mais experimentais como outros dirigidos a um público mais alargado.

Quando Bubble (2006) gerou polémica ao estrear simultaneamente nas salas de cinema, DVD e televisão, Soderbergh preparava Confissões de Uma Namorada de Serviço, que estreou esta semana nas salas de cinema portuguesas, e O Delator! (2009).

O cineasta lançará, antes de desaparecer, como promete, do mundo do cinema, mais três filmes: Contagion, thriller com um elenco de luxo (Kate Winslet, Matt Damon e Jude Law), Liberace, com Michael Douglas, e um filme com George Clooney.

Depois disso, podemos esperar pelo seu trabalho... como pintor.

Sexo, Mentiras e Vídeo (1989)
A primeira ficção de Steven Soderbergh, que a escreveu e realizou, debruça-se sobre a sexualidade vivida por diferentes mulheres. Vencedor da Palma de Ouro, impulsionou uma nova vaga do cinema independente.

Traffic – Ninguém Sai Ileso (2000)
Galardoado com 4 Óscares da Academia, este filme adapta uma série britânica sobre o tráfico de droga. Contado sob múltiplos pontos de vista, Soderbergh monta o filme auxiliando-se na fotografia e na cor.

Solaris (2002)
Remake da ficção científica realizada por Andrei Tarkovsky, que Steven Soderbergh admira desde adolescente, esta é a história de um psicólogo (George Clooney) que viaja para perto de um misterioso planeta.

Bubble (2007)
Filme digital, sem argumento, experimental, com baixíssimo orçamento e sem actores profissionais, Soderbergh toma a polémica decisão de o distribuir simultaneamente nas salas de cinema, na televisão e em DVD.

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quarta-feira, julho 13, 2011

Um final digno para a saga que sobreviveu


Um dos acontecimentos culturais da década, "Harry Potter e os Talismãs da Morte - Parte 2" encerra a saga cinematográfica que adapta os livros originais de J. K. Rowling. Estreia em Portugal amanhã, dia 14 de Julho. Transcrevo de seguida uma opinião que escrevi sobre o filme visto em primeira mão, publicada ontem no Diário de Notícias sob o título "Conclusão da série Harry Potter segue a fórmula que conduziu todos os filmes", ao lado do grande artigo "E a magia chegou ao fim", escrito pelo João Moço.
A segunda parte do capítulo que encerra uma das mais famosas sagas de cinema de sempre é a consequência directa da fórmula à qual se agarraram os sete filmes precedentes de “Harry Potter”. Preenchida com acção e um tom épico jamais antes visto, o argumento, da responsabilidade de Steve Kloves prepara o espectador mais afastado do universo fantástico para entender a demanda do protagonista e o seguir para a batalha final com Lord Voldemort. A fotografia cuidada e sombria do português Eduardo Serra alia-se à equipa dos especiais tendo em vista um resultado tecnicamente deslumbrante possibilitando que parte do elenco brilhe nas suas interpretações, sobretudo as que Daniel Radcliffe e Alan Rickman nos oferecem.

Apesar do entretenimento característico, não deixa de ser infeliz (embora previsível) que este “Harry Potter”, à semelhança de quase todos os outros, tenha mais qualidades técnicas que propriamente cinematográficas. O realizador David Yates mostra-se incapaz de escapar à banal e imponderada lógica de videojogo, parecendo apenas querer exibir, na maior parte das vezes, fogo-de-artifício, impedindo que certas cenas “respirem” o tempo que necessitam verdadeiramente. Para além disso, a presença do 3D, inédita em toda a série, é desapontante e incompreensível, já que não acrescenta nada ao impacto da imagem do filme.

Não obstante, o saldo deste oitavo e último filme é satisfatório, na medida em que concretiza, com sucesso, o objectivo simbólico a que se propôs desde o início: oferecer a “Harry Potter” o merecido final, para a personagem, o seu mundo e a legião de fãs que desde sempre o seguiram. Apresenta-se assim, inevitavelmente, o final, acompanhado pelos valores da união e da esperança, de uma das séries mais icónicas e rentáveis que o cinema alguma vez assistiu.

5 perguntas (ii): Pedro Ponte

Pedro Ponte, redactor do portal de cinema Ante-Cinema, escreve na rubrica semanal 5 perguntas, que confrontará vários convidados com uma série diferente de questões sobre a sua relação com o cinema. Muito obrigado, Pedro, pela tua colaboração.

★★★★★


1. O filme que viste mais vezes?

Jaws”, de Steven Spielberg. Não hesito porque é uma questão de lógica; não sei ao certo quantas vezes o terei visto, mas quando era criança (e sim, sei que não é o filme mais adequado para uma criança) ficava quase todos os dias durante a semana, depois das aulas, em casa de uma tia minha que tinha poucos filmes em VHS, sendo um deles esse marco do cinema de terror. Muitos outros provavelmente se aproximarão, incluindo muitos filmes da Disney, mas este provavelmente está em primeiro. Adorava a Disney, mas a minha curiosidade em ver se o tubarão, a música, a antecipação e tudo o resto continuariam a mexer comigo falavam mais alto. Hoje, continuo a ver o filme de vez em quando.

2. 3D ou 2D?

Não tenho grandes problemas em afirmar que o 3D não trouxe rigorosamente nada de positivo ao cinema, e tenho poucas ou nenhumas dúvidas de que se tratou apenas de uma jogada comercial. A técnica não é nova, já existia desde os anos 50, e há uma razão pela qual nunca “pegou”: é caro. Muito caro. E foi apenas na década de 00 que se chegou ao ponto de ser financeiramente viável filmar (ou converter) em 3D. É essencialmente ilusão e o brincar com a percepção de profundidade, coisa que o cinema faz desde sempre. Portanto, continuo – não céptico – mas com a plena noção de que não é, simplesmente, necessário. Mesmo dentro dos géneros em que é mais comum – acção, aventura, animação – já foram feitos filmes no passado que continuam, inclusive nos dias de hoje, a ser tão ou mais espectaculares que o “Avatar”. Os filmes de acção do James Cameron ou dos irmãos Scott eram em “2D” e conseguiam ser o epítome da adrenalina e diversão; a trilogia de “O Senhor dos Anéis” idem e será para sempre um marco na história do cinema; um realizador como Christopher Nolan continua a fazer filmes de acção que derrubam barreiras e fá-lo sem precisar de 3D; o período áureo da Disney implicava animação desenhada à mão e continua actual. A única excepção que consigo encontrar chama-se Pixar – são os únicos que aceito que tirem a taxa do meu bolso, mas são também génios. E até eles já fracassaram.

3. Uma medida para as salas de cinema portuguesas?

Correndo o risco de bater numa tecla já muito batida, um maior controlo e rigor no que diz respeito ao comportamento das pessoas. Bem sei que os centros comerciais não vão a nenhum lugar e que é impossível que essas salas deixem de ser frequentadas por públicos pouco instruídos, muitas vezes adolescentes com o único interesse de ir ver algo para se distraírem. É algo que já aceitei e que sei que não mudará. Mas é importante não esquecer que, mesmo nessas salas, continua a haver público que foi ver um filme e que, como tal, exige silêncio, ausência total de telemóveis e distracções. Quem não respeitar essas regras – porque são regras – tem obrigatoriamente que ser proibido de impedir outros de desfrutar da experiência que é ver um filme.

4. Que ciclo falta fazer na Cinemateca Portuguesa?

Como frequentador da Cinemateca, não creio que possa ser feita nenhuma crítica fundamentada ao trabalho que é lá desenvolvido, independentemente das dificuldades que se têm verificado nos últimos meses. Quem vai à Cinemateca, fá-lo porque sabe que é o espaço perfeito para conhecer a história do cinema (é, afinal de contas, um museu), e têm conseguido trazer todos os meses obras essenciais e organizado ciclos interessantes, dos quais destaco o recente dedicado a Nagisa Ôshima. Pessoalmente, e apesar de apreciar clássicos e prezar ao máximo a oportunidade de vê-los em sala, gostaria de ver mais cinema feito a partir dos anos 90, década em que muitos autores brilhantes floresceram e fizeram a ponte entre o clássico e o actual. É difícil não pensar em Quentin Tarantino, que admiro imenso; uma retrospectiva integral da sua obra seria algo que adoraria ver.

5. O último filme visto no cinema?

Bridesmaids”, de Paul Feig. Uma comédia por vezes típica, por vezes mais próxima da qualidade dos filmes de Judd Apatow.

Que futuro para o 3D?


Apresentada como novidade de tempos a tempos ao longo da história do cinema, a tecnologia 3D tem despertado dúvidas quanto à sua eficácia artística e comercial. Este artigo foi originalmente publicado no dia 9 de Julho de 2011 na revista Notícias Sábado, que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.
Anunciando o 3D como a salvação em tempos de crise, a indústria do cinema prepara-se para lançar, já para o próximo ano, novos títulos adequados a esta tecnologia. Contudo, numa altura em que “Carros 2” estreia nas salas de cinema portugueses, reparamos que o mercado tem assistido, pela primeira vez desde a revitalização da imagem tridimensional no grande ecrã, a uma quebra de receitas sobre os filmes 3D e a um regresso de atenções sobre o 2D por parte do grande público.

Apesar do crescimento revelado na produção a três dimensões, vários profissionais do sector têm feito diversas apreciações negativas à imagem cinematográfica estereoscópica. O crítico de cinema João Lopes afirma que “o fenómeno 3D não pode ser visto como um facto isolado. É mesmo o cume de um enorme iceberg, ou seja, a complexa conversão das salas para o sistema digital de projecção. Infelizmente, tal fenómeno nem sempre foi acompanhado de um grau de exigência criativa compatível com as potencialidades tecnológicas. Jeffrey Katzenberg, personalidade chave de Hollywood (director do sector de animação da DreamWorks), já chamou a atenção para a frustração que começa a assaltar os espectadores: não será possível fazer triunfar o 3D se os filmes se parecerem com vulgares filmes 2D, mais ou menos ‘engalanados’ com o 3D.”

O caso de “Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2”, a estrear no próximo dia 14 de Julho, ilustra também as críticas que muitos profissionais de cinema têm feito ao 3D. O último capítulo da adaptação dos livros de J. K. Rowling foi filmado em 2D e, posteriormente, em pós-produção, convertido para 3D, enquanto filmes como “Avatar” foram pensados de raiz para estrearem sob essa tecnologia.

Apesar de tudo, Christopher Nolan, realizador norte-americano responsável por “A Origem”, considera desacertada a discussão “do 3D versus o 2D”, na medida em que “a génese da imagem cinematográfica é a sua tridimensionalidade” proporcionada pela noção “de profundidade de campo”, como afirmou ao LA Times. O realizador afirma ainda, que “as câmaras digitais necessárias não oferecem a suficiente qualidade de imagem”.

Apesar de estarem anunciadas cerca de duas dezenas de produções em 3D, segundo o jornal The New York Times, o quarto episódio de “Os Piratas das Caraíbas” e a sequela de “O Panda do Kung Fu” (ambos lançados nas versões 2D e 3D) tiveram, pela primeira vez desde “Avatar”, resultados de bilheteira aquém do que era esperado, vendendo 47% e 45% (respectivamente) dos bilhetes que se dirigiam a sessões usando este formato.

João Lopes considera que “a carreira do último "Piratas das Caraíbas" deixou os decisores da indústria inevitavelmente inquietos: pela primeira vez, houve mais espectadores a escolher ver o filme, não em 3D, mas em salas com cópias tradicionais. Daí a imensa expectativa que envolve o lançamento, no último trimestre de 2011, dos novos filmes a três dimensões assinados por Steven Spielberg ("As Aventuras de Tintin") e Martin Scorsese ("Hugo Cabret"): está em jogo, não apenas a eficácia comercial do 3D, mas também a sua dignidade artística.”

O fenómeno do 3D precede em muito o mediático lançamento de “Avatar”, de James Cameron. Obriga-nos mesmo a retroceder aos primórdios do cinema. As primeiras experiências com a tecnologia 3D em filme remontam ao início do século XX, entre grandes dúvidas e debates, apontando os irmãos Lumière como pioneiros na sua utilização. Em 1903, criaram “L’Arrivée du Train”, um pedaço de filme estereoscópico que apenas poderia ser visto por uma pessoa de cada vez. A primeira projecção pública foi, porém, feita no dia 10 de Junho de 1915, quando Edwin S. Porter e William E. Waddell apresentaram em Nova Iorque segmentos de “Jim the Penman” (que posteriormente foi exibido sem essa tecnologia) e de imagens captadas das Cataratas do Niagara.

1922 é o ano em que se assinala a estreia da primeira longa-metragem filmada em 3D, “The Power of Love”. Era então utilizado um tipo de processo onde se juntavam os filtros vermelho (no olho esquerdo) e ciano (direito) nos óculos especificados para se ver a imagem formatada e se ter a ilusão da estereoscopia. Até 1951 foram criados cerca de 30 filmes em 3D, sendo que “Robinson Cruzo” foi o primeiro título da URSS do género (mas utilizando óculos com lentes polarizadas).

O verdadeiro boom ocorre pouco depois, em 1952, com “Bwana Devil”, filme dirigido para o grande público a utilizar o processo Polaroid 3D, e que inaugura aquilo que alguns consideram ser a era dourada da produção cinematográfica neste formato. Cerca de 80 títulos foram realizados até a estreia de “Revenge of the Creature” (1953), filme que encerra a época de maior atenção a esta tecnologia. Os anos 50 revelam, por isso, uma descida bastante acentuada na preferência do 3D, sendo que os produtores e exibidores deixaram de acreditar no seu sucesso.

A partir dos anos 70 e, sobretudo, ao longo dos anos 80, assistiu-se a um novo crescimento dos filmes estereoscópicos, com o objectivo de impressionar o público ao serem também utilizados dois projectores de 70mm ao mesmo tempo. No entanto, as falhas que se apresentaram relativas à união das imagens trouxeram uma má reputação para o 3D, cujo aproveitamento terminou no princípio dos anos 90.

Entretanto, a evolução da tecnologia e o desenvolvimento da ilusão de tridimensionalidade permitiu que, a partir de 2003, se pudesse ver um novo renascimento do 3D. “Fantasmas do Abismo”, realizado por James Cameron, o primeiro filme da Disney da espécie, foi também pioneiro ao ser a primeira longa-metragem lançada em IMAX filmada em digital e não em película. A mesma câmara foi utilizada para filmar “Spy Kids 3-D: Game Over”, no mesmo ano. Enquanto as salas iam sendo convertidas para poderem projectar em digital, o 3D adequava-se às possibilidades da pós-produção, permitindo que filmes como “Polar Express” (2004), “U2 3D” (2007) ou “Avatar” (filme de 2009 que é considerado como o responsável pelo ressurgimento do 3D) pudessem estrear nas salas de cinema.

Entretanto estão já previstos o relançamento em 3D nas salas de cinema de “Titanic” (1997) no dia 6 de Abril de 2012 (data que assinala os 100 anos da primeira e única viagem do navio); a estreia do filme de animação da Disney e da Pixar “Brave” com data prevista para 22 de Junho de 2012; e a prequela de “O Senhor dos Anéis”, “O Hobbit”, a ser lançada em duas partes em Dezembro de 2012 e 2013.

Para além das produções norte-americanas, também Portugal assistirá à estreia da primeira produção nacional feita a três dimensões. Realizado por Telmo Martins (autor de “Um Funeral à Chuva” e de duas curtas-metragens feitas em 3D), “Ground Zero” tem estreia prevista para o próximo ano, e anuncia-se como “a primeira longa-metragem de terror em 3D Portuguesa”.

Marcos na História do 3D


Bwana Devil (1952)
de Arch Obolor

Filme baseado na história verdadeira do drama vivido por operários em África atacados pelos leões de Tsavo (conhecidos devoradores de homens), esta foi anunciada como a primeira longa-metragem norte-americana a cores e a utilizar a tecnologia 3D, chamando a atenção do público para experimentarem ter “UM LEÃO no seu colo!” e “UMA AMANTE nos seus braços!”, segundo o poster original. Escrito, produzido e realizado por Arch Obolor, a reacção do público face à projecção da obra foi fotografada por J. R. Eyerman para a revista Life, que documenta uma forma inédita de se ser um tipo de espectador activo.


Chamada para a Morte (1954)
de Alfred Hitchcock

Vítima do desinteresse que invariavelmente o público passou a ter pelo 3D, esta longa-metragem, grande clássico da autoria de Alfred Hitchcock, foi, apesar de concebida para ser projectada em imagem estereoscópica, exibida em 2D. Thriller sobre o plano de um homem traído para assassinar a protagonista do filme (Grace Kelly), Hitchcock dá primazia ao enclausuramento dos objectos filmados no enquadramento para obter a ilusão de tridimensionalidade. O filme foi projectado em 3D em 1980 num cinema de São Francisco e, por causa do enorme sucesso comercial, relançado em 1982 pela Warner Bros.

Andy Warhol's Frankenstein (1973)
de Paul Morrissey

Realizado por Paul Morrissey, escrito em colaboração com Tonino Guerra (“Amarcord”, de Fellini) e produzido pelo inventivo e provocador Andy Warhol, este filme que alia comédia com terror, é violento e sexualmente explícito. Posteriormente conhecido como “Flesh for Frankenstein” aquando do lançamento doméstico, foi lançado em 3D, utilizando-o de uma forma incómoda (havendo estripamentos filmados para que os órgãos fossem lançados em direcção à câmara). Sátira política e simbólica, este é um exemplo do transporte da pop-art para o cinema que hoje é apreciada por grande parte da crítica.

Polar Express (2004)
de Robert Zemeckis

Filme tecnicamente inovador, “Polar Express” foi, para além de ser a primeira longa-metragem de animação apresentada em 3D e IMAX, também pioneiro ao utilizar a captação de movimentos de vários actores (como Tom Hanks) transpondo-os através de um processo digital, para personagens animadas. Escrito, produzido e realizado por Robert Zemeckis (“Regresso ao Futuro”) esta obra, nomeada para 3 Óscares, sobre um rapaz descrente na existência do Pai Natal que viaja para o Pólo Norte, revelou-se um êxito de bilheteiras e de crítica, tornando-se num dos filmes obrigatórios para se ver no Natal.

Avatar (2009)
de James Cameron

Filme impulsionador de uma nova vaga do cinema 3D, “Avatar”, escrito e realizado por James Cameron (responsável pelo blockbuster “Titanic”), utiliza, à semelhança de “Polar Express”, a técnica digital de captação de movimentos dos actores. Apontado como o maior êxito de bilheteiras da história do cinema (sem considerar a inflação), este filme, nomeado para 9 Óscares (incluindo para Melhor Filme), é também a produção cinematográfica mais cara de sempre (contando com um orçamento oficial de cerca 163 milhões de euros). Foi projectado em 3D, em 2D e no chamado “4D”, na Coreia, simulando efeitos ao longo de filme fazendo, por exemplo, tremer a cadeira em que os espectadores estavam sentados.

terça-feira, julho 12, 2011

Harry Potter chega ao fim em tom épico

“Harry Potter e os Talismãs da Morte – Parte 2” fecha a série de forma fiel à linha que definiu a saga cinematográfica. Este texto foi publicado originalmente no dia 11 de Julho de 2011, no site Dinheiro Vivo, que integra o Diário de Notícias. Pode ser lido integralmente aqui.

Jogo “Angry Birds” vai ser adaptado para cinema

A famosa aplicação desenvolvida originalmente para telemóveis vai ter uma nova versão no grande ecrã. Este texto foi publicado originalmente no dia 8 de Julho de 2011, no site Dinheiro Vivo, que integra o Diário de Notícias. Pode ser lido integralmente aqui.

segunda-feira, julho 11, 2011

As bandas musicais [ii]: A Grande Aventura de Pee-Wee (1985)

Victor Afonso, músico responsável pelo projecto Kubik e autor do blogue O Homem Que Sabia Demasiado, escreve a segunda edição d“As Bandas Musicais”, rubrica mensal em que um convidado escreverá sobre uma das suas bandas musicais de eleição. Muito obrigado ao autor por esta colaboração nO Sétimo Continente.
Estávamos em 1985 e Tim Burton era ainda praticamente desconhecido dos cinéfilos (tinha realizado apenas as curtas "Vincent" em 1982 e "Frankenweenie" em 1984). Burton tinha saído recentemente da Disney, na qual desempenhava a função de animador e onde não era propriamente compreendido por causa do seu imaginário estético negro e distorcido. Então, Burton teve a sua oportunidade de realizar a primeira longa-metragem, "A Grande Aventura de Pee-Wee", uma divertida, movimentada e imaginativa comédia sobre a alucinante aventura de Pee-Wee em busca da sua bicicleta. Pee-Wee Herman, a incrível personagem de eterna criança criada na televisão pelo incrível comediante Paul Reubens, era o centro desta tresloucada comédia itinerante de Burton, recheada de situações hilariantes e muita fantasia pelo meio. Para musicar esta fantástica aventura, Tim Burton convidou o seu jovem amigo pessoal Danny Elfman, que na altura fazia parte de uma banda new-wave intitulada Oingo Boingo. Elfman não tinha tido qualquer experiência anterior na composição de bandas sonoras originais para cinema, mas não hesitou em corresponder, com toda a sua criatividade, para a qualidade final do filme. Da linguagem pop-rock original dos Oingo Boingo, Danny Elfman aproveitou a veia fantasista e satírica, acrescentando-lhe uma orquestração clássica, ao mesmo tempo épica e surreal. Percebe-se isso logo na abertura do genérico inicial do filme, o teor da música de Elfman, com uma marcante secção rítmica quase circense (influência de Nino Rota e Ennio Morricone) e uma melodia irresistível de forte ressonância no espectador. É essa mistura entre o quase lirismo poético de Elfman (que viria a revelar-se, em todo o seu esplendor, na música que fez para "Eduardo Mãos de Tesoura") e a exuberância expressiva que fazem deste compositor um dos mais originais criadores de bandas sonoras dos últimos 25 anos. "A Grande Aventura de Pee-Wee" seria apenas o início da criatividade esfuziante de Danny Elfman em colaboração com Tim Burton: uma espécie de almas gémeas que se complementam através das imagens e dos sons.

domingo, julho 10, 2011

O pintor do cinema britânico


Um olhar sobre o perfeccionismo pictórico do cinema de Joe Wright, que foi o mais jovem realizador a abrir o Festival de Veneza com “Expiação” e que regressa às salas de cinema com o thriller “Hanna”. A primeira parte deste artigo foi publicada no dia 2 de Julho de 2011, com a revista Notícias Sábado, que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.
O cinema de Joe Wright pode ser considerado como uma extensão do ofício dos seus pais, fundadores de um teatro de marionetas em Islington (onde o realizador nasceu no dia 25 de Agosto de 1972). Wright foi cedo influenciado pela arte de iludir o espectador, colaborando com os pais, realizando pequenos filmes com a sua Super 8 e representando em peças de teatro. A sua formação académica foi porém dificultada pelo grave problema de dislexia. Revelando ainda uma apurada apreciação pela pintura, deixou bem claro, enquanto não começou as primeiras criações, que não seria mais que um carteiro.

Para que o primeiro filme visse a luz do dia foi preciso que a determinação do inglês se mostrasse noutros campos. O seu percurso passou assim pela criação de telediscos e pela Camberwell College of Arts onde realizou em 1997 Crocodile Snap. Com esta notória curta-metragem, foi agraciado com alguns prémios e a oportunidade de trabalhar na BBC a partir de uma bolsa de estudo. É lá onde toma cargo, em 2000, da mini-série Nature Boy. Ainda na televisão, Wright mostra o seu talento em Bodily Harm (2002) e, sobretudo, no épico Charles II: The Power and the Passion, em 2003, onde desenvolve o seu estilo.

De facto, uma estreia cinematográfica com a originalidade formal de Orgulho e Preconceito (2005) deve-se ao engenho do realizador demonstrado pelos trabalhos precedentes. O risco de tornar a adaptar para cinema o romance clássico escrito por Jane Austen deixou rapidamente de ser posto em causa quando demonstrou que era possível transparecer uma marca autoral em filmes de época ou em adaptações literárias, área por onde invariavelmente passou a ser reconhecido. Partindo de um trabalho de fotografia e direcção de actores admiráveis (cujo elenco conta com Keira Knightley, a “musa” do realizador), Wright destaca-se pela vontade de filmar o espaço dramático através do movimento, proporcionador de um raro realismo em filmes de época, e de enquadrar, não raras vezes, os planos como se de autênticos frescos se tratassem.

Seria, por isso, injusto, e como Expiação (2007) comprova, confinar Joe Wright às categorias opostas de cineasta classicista ou realista. Até agora tida como a sua obra-prima, Representada também por Keira Knightley e da jovem actriz Saoirse Ronan (a protagonista de Hanna), esta é mais uma adaptação literária perfeccionista (desta vez de Ian McEwan) que estuda o sentido de ilusão enganadora que move o próprio realizador. Neste melodrama nomeado para 6 Óscares da Academia, Wright exacerba o seu gosto pelo movimento, dirigindo um memorável plano-sequência e que segue a personagem de James McAvoy na praia de Dunquerque em clima de guerra. A colaboração com o compositor italiano Dario Marianelli (vencedor do seu primeiro Óscar) é tão frequente como a que tem com Keira.

O Solista (2009) demonstra a vontade do realizador em testar outros caminhos. Filme sobre um mendigo (Jamie Foxx) movido pelo desejo de tocar na Walt Disney Hall, Wright permanece com a sua marca de autor relativa aos longos e movimentados planos-sequência. Hanna, a estrear em breve, é um thriller que também em nada se parece ao género dos seus primeiros dois filmes.

Parece, apesar de tudo, que o realizador inglês está empenhado em regressar às adaptações literárias e filmes de época. Em curso está a pré-produção de um projecto megalómano: a transposição de Anna Karenina, clássico russo escrito por Leo Tolstoi, e que contará com a participação, de Jude Law e, uma vez mais… de Keira Knightley.

Por um cinema feminista
Hanna” é a quarta longa-metragem de Joe Wright, que nos traz a história de uma adolescente (Saoirse Ronan) que foi treinada pelo pai para se tornar uma assassina profissional. Numa entrevista ao The Telegraph, o cineasta recorda a sua traumática dislexia para justificar o bullying sofrido e a necessidade de o homem se adaptar contra as adversidades da vida. Apesar de parecer outro meteorito na carreira do autor, este filme mantém a sua determinação em ser feminista, estudando fortes personagens sem o enquadramento das mulheres como objectos sexuais e inferiores típico de outros filmes do género. No entanto, e acima de tudo o resto, o realizador considera que o objectivo de “Hanna” é entreter o seu público, mostrando ser possível criar acção com consciência moral e social.
Uma breve opinião
Parece, acabada de ver a quarta longa-metragem de um autor que se empenha em mostrar ao seu público que é efectivamente capaz de percorrer os mais diversos géneros cinematográficos, que Joe Wright se perdeu nas suas intenções quando decidiu adaptar o argumento, pobre e falhado, de Sarah Lochhead e de David Farr. A história que apresenta a anti-heróína original que é Hanna, também é a mesma que impede o espectador de poder compreender os dramas interiores da protagonista e o deslumbramento provocado pela descoberta de um mundo novo, dando preferência a uma acção e um arco dramático que nada mais são senão banais e pouco credíveis. Apesar das interpretações de Ronan e Blanchett e de Wright saber filmar (exibindo o seu gosto pelos planos-sequência), ficamos com a infeliz confirmação que está longe da sensibilidade que demonstrou nos primeiros dois filmes.

Post(ers) [2]

Midnight in Paris (2011), de Woody Allen

sexta-feira, julho 08, 2011

Portugal terá 3 cinemas IMAX até o fim de 2012

Após ter feito sucesso como um dos maiores cinemas do mundo, o IMAX regressa a Portugal. Este texto foi publicado originalmente ontem, dia 7 de Julho de 2011, no site Dinheiro Vivo, que integra o Diário de Notícias. Pode ser lido integralmente aqui.

Double Feature [4]: Biutiful e Belleville Rendez-vous

O Double Feature é um espaço de opinião regular sobre dois DVDs lançados (ou reeditados) pelas distribuidoras portuguesas. O comentário que segue foi publicado no dia 18 de Junho de 2011, na revista Notícias Sábado integrante do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.



Biutiful, de Alejandro González Iñárritu
Castello Lopes Multimédia
★★


Depois de ter realizado uma trilogia escrita pelo colega Guillermo Arriaga (da qual fazem parte os filmes Amor Cão, 21 Gramas e Babel), o mexicano Alejandro González Iñárritu assina o argumento e a realização de Biutiful, um olhar sobre os problemas marginais de Barcelona, como a ilegalidade da imigração, da corrupção e da exploração do trabalho. A personagem desarmante de Javier Bardem, vencedor do prémio para melhor actor no Festival de Cannes, completa este quadro decadente e por vezes exagerado, representando um pai que luta por sobreviver com o seu débil estado de saúde, família disfuncional e sentimento de culpa, e representando a espiritualidade ausente na sociedade moderna.

Belleville Rendez-vous, de Sylvain Chomet
Atalanta Filmes
★★

Uma das melhores animações da última década, esta longa-metragem do francês Sylvain Chomet (criador do recente O Mágico), reeditada recentemente em DVD e nomeada para dois Óscares da Academia (melhor animação e canção original), apresenta-nos Madame Souza, emigrante portuguesa, Bruno, o seu cão obeso, e Champlion, o seu neto melancólico que é raptado pela máfia quando este decide participar na Volta de França. Dirigido a todo o tipo de público e dotado de uma singularidade que em nada se assemelha às criações da Disney, Chomet mistura na aventura o detalhe com um humor simples e improvável, acabando ainda por contar a história, mais que por diálogos, através da música e dos gestos.

quinta-feira, julho 07, 2011

O fim de um fenómeno globalizante


Quando vemos que milhares de jovens e duas centenas e meia de jornalistas insistem em permanecer acampados em Trafalgar Square perto de uma passadeira vermelha, na capital inglesa, mesmo sob a chuva própria de Londres, confirmamos a certeza de que estamos perante um fenómeno que é, ao mesmo tempo, mediático e fanático.

Harry Potter dispensa, por isso, apresentações – e a própria promoção do último filme demonstra, curiosamente, que basta a anunciação (simbólica, mais que apocalíptica) de que “tudo acaba” para que o público saiba sobre o que é que está defronte de si: o fim de um ícone cultural que, para além de ser seu contemporâneo, é fabricado e alienante. 

As proporções das aventuras deste feiticeiro inexistente estendem-se, inevitavelmente, à internet (o IMDb preparou um especial no seu portal; o Youtube transmite a cobertura ao vivo, entre as 16 e as 19 horas, da apresentação do filme e promove a utilização das redes sociais - Twitter, Facebook, MySpace ou os próprios blogues - para que se fale do evento), indispensável para mover as atenções na era virtual da globalização – que, por sua vez, está longe de terminar. 

Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2” [trailer] estreia em Portugal no dia 14 de Julho e, no dia seguinte, nos Estados Unidos da América.

segunda-feira, julho 04, 2011

Double Feature [3]: Mistérios de Lisboa e O Discurso do Rei

O Double Feature é um espaço de opinião regular sobre dois DVDs lançados (ou reeditados) pelas distribuidoras portuguesas. O comentário que segue foi publicado no dia 25 de Junho de 2011, na revista Notícias Sábado integrante do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.

Mistérios de Lisboa, de Raoul Ruiz
Clap Filmes
★★★

O grandioso feito cinematográfico (e televisivo) assinado por Raoul Ruiz, cineasta e teórico chileno radicado em França, é um filme-“novela” na verdadeira acepção do termo. Galardoado com inúmeros prémios em redor do mundo e considerado o melhor filme do ano pela Cahiers du Cinema, esta adaptação do homónimo Mistérios de Lisboa, de Camilo Castelo Branco faz-nos viajar a Portugal do século XIX e ao rol de personagens que fazem parte do destino do protagonista, Pedro da Silva (Afonso Pimentel). Esteticamente ambiciosa, esta obra impressionante de 6 horas parece, com longos e ritmados planos-sequência, dançar com as suas personagens. O filme conta com os desempenhos de Adriano Luz, Maria João Bastos, Albano Jerónimo e muitas outras caras do teatro e do cinema portugueses.


O Discurso do Rei, de Tom Hooper
Zon Lusomundo
★★★

O grande vencedor da edição dos Óscares da Academia deste ano trespassa o género da biografia para revelar uma história de responsabilidade e resiliência numa Inglaterra próxima da guerra. Colin Firth (Óscar de melhor actor principal) interpreta o papel de Bertie, Rei George VI (pai da actual rainha), que tem um problema de gaguez que lhe consome a vida. A partir de fotografia sóbria e, em dados momentos, invulgar, Tom Hooper (Óscar de melhor realizador) dignifica, com requinte classicista, a figura do rei e a sua luta desesperada, que leva a cabo ao lado da mulher (Helena Bonham Carter) e do terapeuta da fala e amigo (Geoffrey Rush). Apesar de não trazer nada de novo e extraordinário para o cinema norte-americano, o Óscar de melhor filme é sobretudo um título que se empenha em dar esperança aos desfavorecidos.

5 perguntas (i): Diogo Figueira

Diogo Figueira, autor do blogue de cinema A Gente Não Vê, abre a rubrica semanal 5 perguntas, que confrontará vários convidados com uma série diferente de questões sobre a sua relação com o cinema. Muito obrigado, Diogo, pela tua colaboração - e apelo aos leitores que visitem o seu espaço.

★★★★★

1. O melhor filme português?

Há vários recantos que me falta explorar e teria mais para falar se a questão fosse invertida. De qualquer forma, os dois filmes portugueses que, até hoje, mais prazer me deram ver são de tal maneira diferentes, em conteúdo e forma, que não poderei deixar de nomear os dois: "Recordações da Casa Amarela", de João César Monteiro, e o recente "José e Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes. O primeiro pela sua causticidade, pela subtileza do diálogo através do subtexto, aforismo de mestria da escrita para cinema, que tão bem praticam os grandes escritores internacionais e que nunca tinha visto ser feito por cá, ou tão bem. Ainda pela personagem de João de Deus, na qual vejo a personalidade mais marcante do cinema português, muito daquilo que nos falta, personagens capazes de entrar numa lista portuguesa de personagens memoráveis. Enfim, pelo tom irónico e satírico que o filme pratica, que adequadamente ou não, mas pelo menos curiosamente, me faz lembrar a escrita de José Saramago (apesar de não ser uma parábola). O meu único problema com o filme é o ritmo. O segundo, pela sensibilidade, pela beleza do pormenor, pela genialidade das reflexões, pela subtileza e encaixe perfeito dos momentos captados, pelo perfeccionismo da câmara e da montagem que fazem do filme não um fic-doc (como é The Hurt Locker ou Close Up) mas sim um doc-fic, forjando dali dois personagens igualmente memoráveis, que nos atingem com a dimensão mística da ficção, do ideal. Já admirava Saramago, enquanto escritor, e foi muito bom ficar a conhecê-lo longe do sensacionalismo da imprensa.

2. Interdição ou legalização do descarregamento gratuito de filmes na internet?

Legalização, com limites. A favor da interdição há as óbvias questões do lucro, dos direitos autorais, etc. Mas a favor da legalização está o factor mais forte de todos: a publicidade. Se eu não conhecer o trabalho do Iñarritu e puder descarregar o 21 Grams ou o Babel, gostando, a probabilidade de querer ir ver Biutiful será muito maior. Tenho ouvido, por diversas vezes, vozes que, ao combinar ir ao cinema, apelidam "Tree of Life" de "seca". Não fazem a mínima ideia do que estão a falar. Não sabem de que trata o filme, não sabem que é Malick (então este), nada. Mas se virem The New World ou The Thin Red Line, aí as coisas poderão mudar de figura. Actualmente, é financeiramente incomportável para qualquer mínimo assíduo de filmes ir ao cinema ver tudo o que quer. Portanto, as escolhas serão sempre feitas. O que sugeriria era que fosse legalizado o download de filmes cuja estreia no país em questão tivesse sido há mais de um ano. Ou isto ou algo nestes termos. Assim, sempre que um filme sai, existe um período médio em que não pode ser descarregado, mas, a partir daí, não haveria problema - e o seu download poderia fazer certas pessoas ir ver o próximo filme do realizador/argumentista/actor em sala. Repare-se, as pessoas têm sempre de fazer opções. Aqui, apenas 1) se ajuda a tomar a opção (contribuindo, eventualmente, para um enriquecimento do conhecimento cinematográfico da população); 2) contorna-se o inevitável, já que a pirataria é, a meu ver, inexterminável. Surge a questão da venda dos DVDs. Os DVDs que se vendem agora continuar-se-ião a vender na altura porque os motivos para comprar um DVD não são a necessidade de ver o filme mas sim a vontade de ter o sentimento de posse sobre aquele objecto (seja que razão for).

3. Que filme viu mais vezes em sala?

Felizmente, um dos meus favoritos, There Will Be Blood. Duas vezes. Não há outro filme, segundo me lembro, que tenha visto duas vezes em sala, ainda. Em DVD, vence também There Will Be Blood e em VHS ou The Lion King ou The Jungle Book.

4. Digital ou película?

Nem um nem outro; ambos. A película certamente que tem as suas vantagens sobre o digital ou não seria advogada por mestres como Paul Thomas Anderson (e conheces o respeito e veneração que tenho por ele) ou Wally Pfister (ganhou até um Óscar na passada edição dos prémios). Por outro lado, o digital certamente que também comportará as suas, ou não seria advogado por mestres como David Fincher (a belíssima fotografia de The Social Network ou Benjamin Button, ambos nomeados para o Óscar) ou Roger Deakins (estreou-se em digital depois de True Grit e adorou). Eu acho que em última análise o que deve ditar a questão é o orçamento. Se há pouco dinheiro, faça-se em digital. Se há muito dinheiro e somos o Christopher Nolan, faça-se em película. De qualquer forma, acho que o segundo tenderá a desaparecer e acontecerá sem os maremotos de lamentos histéricos que muitos proclamam, com pouco conhecimento de causa já que, como se vê, o digital pode dar uma grande fotografia. Última nota, a película é mesmo, mesmo cara. É uma monstruosidade. E os cineastas portugueses teimam em não aceitar isso.

5. O filme que mais anseia que estreie?

Sem hesitar, os dois de Paul Thomas Anderson: The Master, já em rodagem, e Inherent Vice, em processo de escrita (ainda por cima já li o livro). Depois, Django Unchained, de Tarantino, Midnight in Paris, de Woody Allen (em terras lusitanas), entre muitos outros. O eterno não-concretizado Napoleão, de Kubrick, vale? Bom, agora resta-me esperar para que realmente nunca seja feito.