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domingo, agosto 21, 2011

Nas teias da sedução e da corrupção

Filme controverso e político, Call Girl, rodado no Baixo Alentejo, apresenta-se hoje como um grande exemplo no panorama do cinema português de como é possível conciliar uma ambição comercial com uma visão de autor. Este artigo foi publicado originalmente no dia 19 de Agosto de 2011 no Diário de Notícias.
O realizador António-Pedro Vasconcelos tem sido, até hoje, um dos defensores mais persistentes na ideia de reforma do mercado cinematográfico nacional. “O cinema é uma arte popular e com uma tendência universal. Interessa-me o público popular. Interessa-me tanto a opinião da minha porteira como a de um crítico”, declarou, no final de 2007, ao JN. É com essa perspectiva declaradamente comercial e atenta à generalidade do espectador em Portugal, que Call Girl, lançado em 2007, surge como uma obra dissidente quanto à restante cinematografia do país, ligada principalmente ao cinema de autor.

Porém, tal não significa que Call Girl não tenha uma visão marcadamente autoral. Como explica João Lopes, crítico de cinema do DN, “se é verdade que o Cinema Novo português herdou muito do imaginário da Nova Vaga francesa, (…) desde a sua primeira longa-metragem (Perdido por Cem, 1973), António-Pedro Vasconcelos terá tentado encontrar um lugar simbolicamente idêntico ao de François Truffaut: o de um cineasta que mantém uma voz pessoal, sem preconceitos de aplicar modelos de raiz popular”.

Quer isto significar que, apesar de ter dividido a crítica pela altura do seu lançamento, que ocorreu 2 dias depois do Natal de 2007, Call Girl é essencialmente um filme com um cunho pessoal dirigido para as massas. Co-produzido pela TVI (para o realizador, a televisão é, tal como declara ao JN, “um segundo mercado e a maior janela de promoção dos filmes”), Call Girl foi apoiado com um subsídio estatal de 650 mil euros. Segundo dados fornecidos pelo ICA (Instituto do Cinema e Audiovisual), o resultado superou todas as expectativas: teve uma receita bruta de nada mais nada menos que 1.034.687 euros, sendo visto por 232.581 espectadores. Feitas as contas, tornou-se no terceiro filme português mais visto, apenas superado pelo Filme da Treta, de José Sacramento e por O Crime de Padre Amaro, de Carlos Coelho da Silva, que ocupa o pódio (e que, curiosamente, é também protagonizado por Soraia Chaves).

“Hoje não imagino o filme sem a Soraia”, admitiu António-Pedro Vasconcelos ao JN. E, de facto, a actriz oferece-nos neste filme uma representação contida e carismática, que sem dúvida será recordado como um dos melhores papéis da sua carreira. “Mas quando foi escrito ela não existia e não mudei uma linha ou uma cena quando ela entrou no filme. Este filme foi escrito para uma actriz que em Portugal não existia. Foi escrito para a Rita Hayworth ou para a Ava Gardner, para as vedetas míticas da minha juventude.”

Call Girl parece portanto citar o cinema clássico norte-americano como inspiração para a forma como a história, claramente contemporânea, é projectada. Filmando o corpo sem pudor e com admirável elegância, o realizador português declarou ao jornal Sol, em 2007, querer propor “uma versão moderna de O Anjo Azul” (1930), filme alemão de Josef von Sternberg. Situando-nos em Vilanova (vila fictícia localizada no Alentejo), Call Girl é sobre a forma como uma prostituta de luxo (Soraia Chaves), é contratada por um homem (Joaquim de Almeida) para seduzir o presidente da câmara (Nicolau Breyner), de modo a que este ceda a autorização a uma multinacional para que se construa um grande empreendimento turístico, ao mesmo tempo que dois agentes da Polícia Judiciária (Ivo Canelas e José Raposo) investigam os sinais de corrupção.

Ainda que o filme seja assinaladamente sobre a degradação política, António-Pedro Vasconcelos aplaudiu, numa crónica no jornal Sol, o funcionamento da autarquia de Ferreira do Alentejo, onde rodou Call Girl. “Uma das boas coisas do cinema é que nos põe em contacto com sítios e pessoas que, de outro modo, nunca teríamos conhecido. Neste caso, levou-me ao Baixo Alentejo, e permitiu-me descobrir um modelo de gestão autárquica digno de ser assinalado”, escreveu, acrescentando por fim “que se come divinamente em Ferreira”, dando “mais uma razão para fazer uma visita à região”. “Comi uma açorda de tomate com bacalhau (…) n’O Páteo, um restaurante que aconselho que se apressem a conhecer, antes que os talibãs do ASAE dêem cabo dele”.

quinta-feira, junho 30, 2011

Os números do cinema português

01 – «O Crime do Padre Amaro», Carlos Coelho da Silva (380.671 espectadores – 1,643 milhões de eur)
02 – «Filme da Treta», de José Sacramento (278.853 espectadores – 1,092 milhões de euros)
03 – «Call Girl», de António-Pedro Vasconcelos (232.581 espectadores – 1,034 milhões de euros)
04 – «Corrupção» (230.741 espectadores – 1 milhão de euros)
05 – «Amália – O Filme», de Carlos Coelho da Silva (214.259 espectadores – 929 mil euros)
06 – «Uma Aventura na Casa Assombrada», Carlos Coelho da Silva (124.936 espectadores – 558 mil eur)
07 – «A Bela e o Paparazzo», de António-Pedro Vasconcelos (98.748 espectadores – 435 mil euros)
08 – «Second Life», de Alexandre Valente e Miguel Gaudêncio (90.194 espectadores – 403 mil euros)
09 – «Contraluz», de Fernando Fragata (82.426 espectadores – 373 mil euros)
10 – «Sorte Nula», de Fernando Fragata (74.095 espectadores – 305 mil euros)
Carlos Coelho da Silva
No seguimento da publicação anterior, será interessante debruçarmo-nos sobre os filmes que mais receita e espectadores fizeram até agora no cinema português. Pedindo emprestadas as palavras de João Botelho, há uma falta de “educação” cultural que apetece dizer que é promovida pelo próprio Governo que, na minha perspectiva, deveria estar mais atento, para além de outros aspectos como as formas de distribuição, na divulgação do seu cinema como parte da identidade nacional. Ou será que o povo português é o espelho de “O Crime do Padre Amaro”, do “Filme da Treta” ou do “Call Girl”? A questão é contudo mais profunda do que aqui parece querer fazer-se parecer. Na verdade, António-Pedro Vasconcelos e Fernando Fragata representam a tentativa de transformar a pouca produção cinematográfica em Portugal em indústria, conceito que está a anos-luz de encontrar uma forma como a que existe nos Estados Unidos da América. E o escasso e comum consumidor do cinema português, alheio às produções independentes, procura aquilo que os exibidores mais gostam de projectar em sala, tendo em atenção o número de bilheteiras: uma fórmula próxima do protótipo norte-americano, que lhe garante entretenimento. Será por isso urgente, ao mesmo tempo que se implementem medidas baseadas na produção de mais filmes e sobretudo de jovens realizadores (e não tanto de veteranos), que a política governamental relativa ao cinema nacional co-relacione os sectores da Educação e da Cultura, implementando programas nas escolas que levem aos alunos, com a mesma urgência com que aprendem as ciências e a literatura, novas formas de artes visuais, como é o caso do cinema, divulgando a sua História, os seus principais objectos e aquilo que é o cinema português, expressão que se encontra cada vez mais esbatida pelo esquecimento, ódio e incompreensão.