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quarta-feira, agosto 08, 2012

A Última Vez que vi Macau (1/6):
Uma outra forma de ver Macau


Desligam-se as luzes da sala de cinema e abre o filme. Entre as sombras, alguém caminha, como um fantasma, em passos sedutores e definitivos, em nossa direção. Irrompe a luz e a música do piano. É Cindy Scrash, à frente de tigres ameaçadores, que nos interpela olhando sem pudor e começa a cantar. O número musical, que nos remete à interpretação de Jane Russel no Macau (1952) de Josef von Sternberg, é decisivo. Já não nos encontramos na sala de cinema, mas num local longínquo, secreto e extraordinário: a Macau de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata.

Foi isto que os espectadores, tornados exploradores, puderam ontem descobrir no Festival de Locarno, que decorre na Suíça até o próximo sábado, dia 11. É lá onde a dupla de realizadores está representada na competição: os dois a assinar A Última Vez que vi Macau (competição internacional de longas-metragens) e João Rui a apresentar o seu primeiro filme “a solo”, O Que Arde Cura, que integra em Locarno a secção Pardi di Domani (que se propõe a apresentar os cineastas do futuro).

Parece também ter vindo do futuro esta primeira longa-metragem realizada pelas mãos de João Pedro e João Rui. É um filme “de viagem”, quase de diário de bordo, pelas ruas de Macau por onde caminhou e cresceu João Rui, que acompanhou nos anos 70 o pai, oficial da Marinha que lá prestou serviço. Mas A Última Vez que vi Macau, que parece percorrer todo o espectro de géneros da ficção, assume-se como tudo. Menos um documentário.

Foi, quase ironicamente, como um documentário que o filme nasceu. A proposta que seguiu para o Instituto do Cinema e Audiovisual esteve enquadrada no concurso de subsídios para documentários, ancorada “nas histórias que o João Rui contava da sua infância passada no território”, diz-nos João Pedro. Tal como grande parte do público deste filme, a viagem a Macau foi inédita. E as suas impressões embatem com o mito em torno dela. O projeto de documentário não esquecia assim aquilo que João Pedro também conhecia da Ásia, “através da pintura, da literatura e do cinema, fundamentalmente do cinema clássico americano”.


Bastou a primeira viagem para que, depressa, a dupla de realizadores se apercebesse de que não valeria a pena “fazer mais um documentário sobre Macau”, como refere João Rui. “Queríamos pensar aquele território como um espaço para possíveis ficções”, diz ele – mas, naturalmente, “contaminadas” pelas suas “memórias pessoais”, conclui João Pedro.

Apesar das 150 horas de material filmado e três viagens feitas durante três anos e da micro-equipa, esta dificuldade foi compensada com um enormíssimo grau de liberdade, apenas comparável àquele que o filme nos oferece enquanto espectadores. O olhar sobre Macau distancia-se do deslumbrado “antes e depois”, o da infância de João Rui e o presente. E é acompanhado por uma ficção noir que o número musical antevê. Aqui, viajamos com a “personagem” João Rui que regressa, com a João Pedro, a Macau, depois de ter recebido um e-mail angustiado de Candy Darling, que lhe diz que “coisas estranhas e assustadoras” se estão a passar...

As referências cinéfilas estão lá: não só as do film noir (e de que Macau de Sternberg é bom exemplo), com assassinos e femme fatale, como também as do próprio cinema da dupla: Candy Darling / Cindy Scrash é a protagonista de Morrer como um Homem; o sapato e a sereia de Alvorada Vermelha (“curta” assinada pelos dois em 2011) voltam a surgir aqui...

Como se fossem pistas para um caminho que nos conduz, afinal, a um regresso às nossas brincadeiras de infância, à “nossa” Macau. “Essa Macau pode ser em qualquer lugar. É o nosso território pessoal”, diz-nos João Rui. A sua conta com “histórias de piratas, sociedades secretas, detetives, ruelas escuras...” Mas João Rui, como João Pedro ou o espectador, já não é uma criança.

O realismo proposto por ambos é sinal disso mesmo: embora convocado, estamos longe do escapismo de Hollywood. Um olhar realista que não esquece Macau como um território de mudanças, rodeado de mitos. Tal como o nosso passado. “As memórias são ficções”, relembra João Rui que, com este filme, ao lado de João Pedro, fez História.

Esta é a primeira de seis publicações que dedico a um dos filmes do ano: A Última Vez que vi Macau, a mais recente longa-metragem assinada por João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata e compete esta semana no Festival de Locarno. Este artigo foi publicado originalmente no Diário de Notícias a 7 de agosto de 2011. A entrevista que serviu de base ao texto encontra-se publicado na íntegra no blogue Sessões Contínuas, aqui.

quinta-feira, dezembro 08, 2011

A antinomia em Morrer como um Homem

Após ter passado pelo Festival de Cannes e ter sido o filme de abertura no Festival Queer Lisboa, Morrer como um Homem, a terceira longa-metragem de João Pedro Rodrigues, foi por ele anunciada da seguinte forma: “O meu filme não pretende ser um retrato nem dos travestis nem dos transsexuais, é uma ficção.” E, com isto assente, o autor falou da protagonista do filme, Tónia, um travesti já veterano que teme ser destronado do estatuto de prima donna no local onde dá espectáculos e que, apesar de se vestir e de se comportar como uma mulher no dia-a-dia, rejeita a eventualidade de uma operação de mudança de sexo porque quer morrer como um homem. “Para mim a Tónia é como a Lola Montès que, no filme de Max Ophüls com o mesmo nome, representa o espectáculo da sua própria vida. No fim do meu filme a Tónia representa o espectáculo da sua própria morte” (suplemento Ípsilon do jornal Público, 14 de Outubro de 2009). 

Estas declarações servem de ponto de partida para que reparemos nesta longa-metragem como uma obra em que o corpo e o comportamento são filmados de modo a transparecer uma interioridade antónima e de como o conflito entre os dois (corpo versus pensamento) pode ser (é) tornado tema. 

A noção de espectáculo de que o autor falou e a imagem da/do protagonista fazem-nos recordar o que Gilles Deleuze escreveu em A Imagem-Tempo sobre a ligação do cinema de Andy Warhol com o corpo. Caso o substituíssemos por este Morrer como um Homem ficaríamos com uma ideia muito acertada do que este trata: “Ao fazer de marginais as personagens do seu cinema, o underground atribuía-se os meios de uma quotidianidade que não parava de escorrer nos preparativas de uma cerimónia estereotipada, droga, prostituição, travestismo. As atitudes e as posturas passam nesta lenta teatralização quotidiana do corpo (…)” Posto isto, consideramos com justeza a personagem da Tónia (e, por que não, do seu namorado toxicodependente) como elementos fundamentais “de um cinema dos corpos”, como precisamente o de Warhol, visto que, em parte (importante reforçar isto), “a personagem é reduzida às suas próprias atitudes corporais”, saindo “o gestus, isto é, um «espectáculo», uma teatralização ou uma dramatização que vale para qualquer intriga”. 

Contudo, não é de esquecer que o filme português é, em primeira instância e quanto ao seu género, um melodrama cuja teatralização do corpo protagonista (e suas atitudes e posturas) encontra correspondência directa com a mise-en-scène

E porquê? Em primeiro lugar porque, atendendo à art direction (assinada por João Rui Guerra da Mata), reparamos que “os décors são muitas vezes feitos em função das atitudes do corpo que eles comandam e graus de liberdade que lhes deixam” (por exemplo: o camarim colorido de Tónia com o guarda-roupa e distintivas da sua profissão bem como outras fotografias caracterizadores do seu carácter; o seu quarto, com um “altar” com um motivo religioso que assinala a sua devoção; a casa da Maria Bakker escondida na floresta, cuja decoração posicionada com uma rigorosa harmonia a afirma como uma personagem também ela severa e precisa nos movimentos). 

Em segundo lugar porque Morrer como um Homem, tal como Deleuze fala sobre o cinema de Jean-Luc Godard, “vai das atitudes do corpo, visuais e sonoras” (ligadas, neste filme, desde o espectáculo profissional ao da própria vida de Tónia) “até ao gestus pluridimensional, pictórico, musical, que constitui a cerimónia, a liturgia, o ordenamento estético”. Para exemplificar esta transfiguração podemos pensar no extraordinário plano-sequência da silenciosa Tónia e do namorado que canta no cemitério. Fazendo citação a Jacques Demy (em Os Chapéus de Chuva de Cherburgo há um plano que, em termos puramente formais, é muito semelhante), João Pedro Rodrigues “petrifica” as duas personagens e fá-las desfilar por cima de uma passerelle, filmando-as num travelling recto (fotograma em baixo). 


Entre os múltiplos significantes desta sequência podemos retirar a sua artificialidade e musicalidade [1] inerentes (ligada a toda a restante estética do filme e que tem, em grande parte, que ver com o próprio mundo em que vive a protagonista) e, provavelmente como consequência do irrealismo, a noção de espiritualidade: já o cemitério se apresenta como local que, ao fazer transparecer (de novo a ideia de espaço exterior como ponte de acesso à interioridade e a de que “as paisagens são estados mentais”), nos relembra o conflito essencial de Tónia – querer viver como mulher mas não poder morrer como tal aos olhos de Deus. Porque, e tal como Deleuze escreveu, “mesmo se decidir por ela, não muda nada. O seu corpo conserva sempre a impressão de uma indecidibilidade que não era senão a passagem da vida”. 

Todo o comportamento, as posturas e decisões de Tónia revelam, em si mesmos, a ambiguidade, característica do cinema moderno, que serve de motor de progressão deste filme. O método de João Pedro Rodrigues parece ser, como o autor de A Imagem-Tempo descreveu o de Antonioni, observar “o interior pelo comportamento, já não a experiência, mas «o que resta das experiências passadas», «o que vem depois, quando tudo foi dito»”. 

Morrer como um Homem é, por isso, um objecto singular no sentido em que, ao mesmo tempo, o corpo e o pensamento (neste caso do / da herói / heroína – e só esta ambivalência é suficientemente demonstrativa) coexistem e se anulam através de um modo de viver (como homem ou como mulher, é indiferente) à frente da câmara e de um modo de filmar essa vida trágica e indecisa. 

[1] A Cinemateca Portuguesa programou, em Novembro, um ciclo de filmes ligados à noção de musicalidade no cinema, tendo incluindo Morrer como um Homem na selecção. Na sessão de apresentação, João Pedro Rodrigues referiu a cena “tingida” de vermelho em que ouvimos, com as personagens paralisadas do filme, a canção Calvary, de Baby Dee.


Trabalho realizado no âmbito da cadeira de Estética no Cinema 1, da Escola Superior de Teatro e Cinema.

terça-feira, dezembro 06, 2011

Para os Cahiers temos Moretti

Já se tornou num hábito. Desde 1951 (com alguns anos em branco), no final do ano, a revista de cinema francesa Cahiers du Cinéma lista e divulga aqueles que considera serem os dez melhores filmes do ano. Os de 2011 já estão escolhidos e elegem “Habemos Papam – Temos Papa”, a mais recente longa-metragem de Nanni Moretti que está, actualmente, nas nossas salas de cinema, como o melhor dos melhores. A surpresa (que, em boa verdade, o deixou de ser com a passagem dos anos) é que, em segundo posição e em ex-aequo com a Palma de Ouro A Árvore da Vida, de Terrence Malick, encontramos O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira.

As curiosidades? Primeiro: nos três anos passados os Cahiers fizeram menção a filmes portugueses (em 2010, a Morrer como um Homem, de João Pedro Rodrigues, em 2009, a Singularidades de uma Rapariga Loira, de Manoel de Oliveira e, em 2008, a Juventude em Marcha, de Pedro Costa). Segundo: o cineasta português veterano já foi mencionado nas listas da mítica publicação francesa 10 vezes (em 1981, com Francisca, que esteve na primeira posição; em 1989, com Os Canibais; em 1990, com Non ou a Vã Glória de Mandar; em 1993, com Vale Abraão; em 1998, com Inquietude; em 1999, com A Carta; em 2001, com Vou Para Casa; em 2002, com O Princípio da Incerteza; em 2009 e em 2011).

A lista deste ano faz menção ainda a filmes como Hors Satan, de Bruno Dumont, Melancolia, de Lars Von Trier, e a Super 8, de J. J. Abrams:


1. Habemus Papam - Temos Papa, de Nanni Moretti
2. O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira 
em ex-aequo com A Árvore da Vida, de Terrence Malick 
4. Hors Satan, de Bruno Dumont 
em ex-aequo com Essential Killing - Matar para Viver, de Jerzy Skolimowski 
6. Melancolia, de Lars Von Trier 
em ex-aequo com Un été brûlant, de Philippe Garrel 
8. Super 8, de J.J. Abrams 
em ex-aequo com L'Apollonide, de Bertrand Bonello 
e com O Atalho, de Kelly Reichardt

quinta-feira, novembro 03, 2011

Box office: Um sucesso chamado Tintin

Estreou há sete dias e foi o filme mais visto da semana em Portugal, divulgou o Instituto do Cinema e Audiovisual. Os números do extraordinário As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne, realizado por Steven Spielberg e produzido por Peter Jackson, são claros: lançado em 134 ecrãs, acumulou uma receita bruta de 931.857,21 euros e levou às salas nada menos que 156.205 espectadores. Previsível? Certamente que sim e não nos admirará se a posição na lista do box office nacional voltar a ser a mesma na próxima semana. 

Será, apesar de tudo, interessante (e pertinente) confrontar os 70.282,32 euros que fazem de Sangue do meu Sangue o filme português mais visto do ano (encontrando-se, por sua vez, na 31º posição dos portugueses mais vistos desde 2004, prestes a ultrapassar Odete, de João Pedro Rodrigues) com os do Tintin. Se, por um lado, temos um número que é fruto de uma acumulação de 29 dias em sala (como é o caso da obra de João Canijo), por outro deparamo-nos com uma diferença brutal na ordem dos 861.574,89 euros, somados por um filme que esteve, “apenas”, 7 dias em exibição. Ambos são verdadeiros acontecimentos multi-versões à escolha do espectador: Tintin tem cinco versões – original em inglês e legendada em português (2D e 3D), dobrada em português (2D e 3D) e dobrada em francês e legendada em português (2D) – e Sangue do meu Sangue duas (brevemente mais uma, em televisão) – uma de 140 minutos, outra de 190. Mas, questionamo-nos, será o número de escolhas a justificação para a diferença, praticamente violenta, dos números? Não nos permitamos a ser ingénuos – face ao 3D, a duração não tem o mesmo efeito sedutor para o grande público. Contudo, outra diferença: Tintin foi lançado em 134 salas de cinema (em contraponto com o português, que estreou em… 14). Um é norte-americano, outro é português; um é realizado por Steven Spielberg, outro é realizado por João Canijo… Mas o que quer isto dizer? Para efeitos práticos, não muito que não saibamos ou que não esperássemos, tanto que tudo isto nos passa com grave despreocupação. 

A maior diferença, muito provavelmente, reside no facto de nos ligarmos mais rapidamente à receita bruta modesta de 70 mil euros de Sangue do meu Sangue e de olharmos com a maior das indiferenças ao quase milhão de euros de Tintin.

sexta-feira, setembro 09, 2011

5 perguntas (iv): João Pedro Rodrigues


A propósito do mês dedicado ao cinema queer, o realizador português João Pedro Rodrigues, responsável por títulos como O Fantasma, Odete ou Morrer como um Homem, foi convidado a responder a 5 breves perguntas para O Sétimo Continente. Muito obrigado ao autor pela sua colaboração. As mesmas perguntas serão respondidas para a semana por João Rui Guerra da Mata, co-realizador ao lado de João Pedro Rodrigues das curtas-metragens China, China e da recente Alvorada Vermelha (ler aqui).

★★★★★

1. Entendes como redutora a designação de realizador de cinema “gay” ou LGBT?
Eu não me considero nem uma coisa nem outra, faço filmes que, normalmente, têm personagens gays, é tudo. Vejo-me como realizador de cinema, ponto. Aliás, acho que a maioria do cinema, so called gay, LGBT ou queer (so many names...) é muito pouco interessante, para não dizer mau...

2. Os festivais de cinema LGBT são um importante veículo para levar o teu cinema a públicos pelo mundo fora?
Como os outros festivais, aqueles não LGBT, que escolhem passar os meus filmes. Devo ainda acrescentar que os meus filmes passam maioritariamente em festivais não-LGBT (como lhes vou chamar? Normais? Generalistas? Internacionais? Como vês, temos aqui outra vez um problema de nomenclatura...)

3. Por que razão é tão reduzida a representação de sexualidades não-normativas no cinema português?
Não faço ideia... ou será porque Portugal é um país ainda um bocado atrasado?

4. O que sentes ao ver O Fantasma em listagens de títulos fundamentais da história desta cinematografia? 
Também aparece em listagens de títulos fundamentais do cinema em geral... mas, para responder à tua pergunta, talvez porque é um filme sincero na forma e no tema, e essa sinceridade talvez tenha tocado algumas pessoas... e deixado outras de lado.


5. Qual o filme mais interessante que descobriste num festival de cinema LGBT?
Não me lembro de nenhum.

quinta-feira, setembro 08, 2011

Queer shorts (1/4): Parabéns!, de João Pedro Rodrigues



Parabéns | 1997
Escrito e realizado por João Pedro Rodrigues, abre-nos as persianas e apresenta-nos João Rui Guerra da Mata como Chico, um homem comprometido com uma mulher que o acorda, no dia do trigésimo aniversário, com um telefonema. Ao lado de Chico, há uma nova presença na sua cama: João (Eduardo Sobral), com quem passou a noite.
Produzido por Amândio Coroado (que entretanto se encontrava na Rosa Filmes), este pequeno filme recebeu uma menção honrosa do júri no Festival de Cinema de Veneza.

Ler mais sobre João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata aqui e aqui.

quarta-feira, setembro 07, 2011

Uma história do cinema queer (6/6)
Pelo século XXI

Foi em Fevereiro do ano 2000. Hillary Swank, nomeada pelo seu papel em Boys Don’t Cry (1999) de Kimberly Pierce, ganhava o Oscar de Melhor Actriz, a Academia distinguindo assim, com o seu mais importante prémio, a representação no grande ecrã de uma personagem transgénero. O filme partia da história real (e trágica) de Brandon Teena, a realizadora tendo lido então All She Wanted, livro de Aphrodite Jones que documentava o caso real de Teena, desenvolvendo o argumento que deu a Hillary Swank o papel que lhe valeu o Oscar. A década dos zeros mostrava assim o que parecia ser uma nova etapa no relacionamento do cinema com as representações de figuras LGBT. O facto da estreia ter coincidido com um novo crime de ódio, que custou a vida a Mathew Shephard (caso que podemos revisitar em The Laramie Project, filme de 2002 de Moises Kaufman) e alguns factos que o tempo somou depois a esta história deixaram contudo claro que há ainda conquistas pelo caminho até se atingir uma eventual igualdada na forma do cinema, de quem o faz, promove, divulga e ver, encarar as sexualidades normativas e não normativas.

O cinema mainstream tinha já conhecido alguns episódios de bom relacionamento com personagens homossexuais, bissexuais e trangénero nos noventas. Um dos exemplos de maior sucesso chegara da Austrália, em 1994, com The Adventures of Priscilla, Queen Of The Desert, de Stephan Elliot. Terence Stamp (bem longe de outros papéis que conhecera na sua carreira), Hugo Weaving e Guy Pierce vestem a pele de três travestis, em viagem ao coração da Austrália em busca de emprego. Pelo caminho ouvem canções dos Abba. E descobrem que a noção de preconceito pode ser coisa sem sentido em sociedades rotuladas como “primitivas”... A banda sonora, entre canções dos Abba e clássicos disco sound fez do filme um fenómeno maior que a sua expressão no ecrã e acabou por gerar um musical de palco. Ainda mais próximo de plateias mainstream, a estreia em cinema dos irmãos Wachovski (mais tarde os criadores de Matrix) fez-se em 1996 com Bound, thriller que recorda ecos do film noir e que toma como central a relação entre duas mulheres, interpretadas por Jennifer Tilly e Gina Gershon), numa representação contudo a milhas da pulsão criativa que então surgia em exemplos nascidos do new queer cinema.

A década dos zeros abriu mais ainda o espaço do circuito mainstream a represençações de personagens e vivências LGBT. Um dos melhores exemplos deste cenário coube a Transamerica (2005, foto), de Duncan Tucker. Protagonizado por Felicity Huffman (num desafio de interpretação em registo bem distante do que lhe dera fama em Donas de Casa Desesperadas), a história de Bree, que espera a operação de mudança de sexo e com ela apagar a sua vida até então e que descobre então que tem um filho. O papel valeu à actriz uma nomeação para os Oscares e um Globo de Ouro. Mais sorte teve Sean Penn que, em Milk (2008), de Gus Van Sant, arrebatou da Academia o Oscar para Melhor Actor depois de interpretar a figura de Harvey Milk. Na cerimónia de entrega das estatuetas douradas, tanto ele como Dustin Lance Black (o também premiado autor do argumento de Milk) protagonizaram discursos emotivos, mas contundentes, que marcaram politicamente a história dos Oscares.

Nomeado para diversos Oscares, entre os quais o de Melhor Filme, Brokeback Mountain (2005, primeira foto), de Ang Lee, é talvez o mais bem sucedido dos casos de vida mainstream de uma história de amor entre personagens do mesmo sexo. Baseado no conto homónimo de Annie Proulx, narrando o romance escondido de dois cowboys que, ao longo de 20 ano se encontram, espaçadamente, para viver o amor que sentem um pelo outro na solidão de uma paisafgem de montanha, o filme foi protagonizado por actores de primeiro plano (em concreto Jake Gylenhall e Heath Ledger). Ang Lee (que há havia abordado o amor gay em Banquete de Casamento, de 1993), saiu da cerimónia com o Oscar de Melhor Realizador. Já o prémio de Melhor Filme acabou entrege ao (hoje praticamente esquecido) Crash.

Nem todos os filmes com carreira mainstream chegaram aos patamares de premiação de Boys Don’t Cry, Milk ou Brokeback Mountain. Mas ao longo da última década podemos a estes juntar casos como The Deep End (2001, foto), de Scott McGhee e David Siegel sobre como uma mãe (Tilda Swinton) procura encobrir o que julga ter sido a morte do homem com quem o seu filho teria uma relação. Com grande impacte internacional convém referir ainda o impacte de O Fantasma (2000), primeira longa-metragem de João Pedro Rodrigues. E reconhecer a abertura de curiosidade na exploração de temas e personagens que a década assistiu, revelando olhares sobre a velhice de figuras homossexuais, como se viu em Solange du hier bist (2007), do alemão Stefan Westerwelle ou Avant Que J’Oublie (2007) de Jacques Nolot.

Apesar desta visibilidade maior, a esmagadora maioria da cinematografia queer continua “invisível” nos circuitos comerciais, cabendo aos festivais de cinema, em particular aos que divulgam esta cinematografia, o papel de representar o elo de ligação entre criadores e espectadores. Os festivais de cinema queer (e são muitos pelo mundo fora) serão mesmo hoje um motor de dinamismo que desafia realizadores e demais profissionais, abrindo espaços não apenas a representações de personagens LGBT no grande ecrã como a uma forma de ousadia narrativa e estética que, desde os dias de Kenneth Anger e Jean Genet, passando depois por nomes como Jean Cocteau, Fassbinder, LaBruce, Araki, Van Sant ou Haynes, ajudaram a revelar novos caminhos ao cinema. Sem sermos exaustivos, podemos apontar uma mão cheia de casos de filmes que, revelados em festivais de cinema queer, só em pontuais mercados chegaram às salas de exibição no circuito comercial.

Filmes como Glue (2006), de Alexis dos Santos, XXY (2007) de Lucia Puenzo, The Bubble (2006) de Eytan Fox, The Blossoming Of Maximo Oliveros (2005), de Auraeus Solito, Presque Rien (2000), de Sebastien Lifchitz, Garçon Stupide (2004) de Lionel Baier, Gypo (2005), de Jan Dunn, Saturno Contro (2007) de Ferzan Ozpetek, Soundless Wind Chime (2009, foto) de Kit Hung, J'ai Tué Ma Mère (2009), de Xavier Dolan ou Miss Kicki (2009), de Hakon Liu, são apenas alguns entre os muitos exemplos de títulos que poderiam ter conhecido visibilidade adiante do espaço das programações dos festivais. Mais “radicais”, mas não menos interessantes, filmes como Otto: Up With Dead People (2008) de Bruce LaBruce, Itty Bitty Titty Committee (2007) de Jamie Babbitt ou Rabioso Sol Rabioso Cielo (2009) de Julian Hernandez vincam por outro lado o carácter renovadamente ousado e algo subrevsivo que continua a marcar algumas das melhores propostas que passam pelo circuito dos festivais.

Outra sorte tiveram, portanto, filmes como As Canções de Amor (2007), de Christophe Honoré, Shortbus (2006) de John Cameron Mitchell, Tarnation (2003), de Jonathan Caouette, Mysterious Skin (2004) de Gregg Araki, Far From Heaven (2002, foto), de Todd Haynes ou Savage Grace (2007), de Tom Kalin, alguns dos raros casos de títulos que mereceram estreia entre nós. Destaque-se, em jeito de nota final, o caso de O Último Verão da Boyita (2010) de Julia Solomonoff. Vencedor do Queer Lisboa em 2010 foi o primeiro caso de triunfo no único festival de cinema queer português a chegar ao circuito comercial. Coincidência? Ou primeiros sinais de uma nova realidade?

PS. Em breve aqui publicaremos um episódio extra sobre o cinema queer made in Portugal.

domingo, setembro 04, 2011

Queer cinema (4/30): João Pedro Rodrigues



João Pedro Rodrigues não é um autor de meias medidas. “A comunidade gay - ou queer, como se diz agora, um tique politicamente correcto que odeio - não é a minha maior fã. Os meus filmes dividem sempre as pessoas”, reconheceu ao jornal i em 2009, numa altura em que internacionalizava “Morrer como um Homem”, trágico melodrama sobre um travesti que se sente pressionado a realizar uma operação de mudança de sexo, embora perante Deus sinta que será sempre um homem. 

Apesar de declaradamente cinéfilo ("A cinefilia tem algo de perigoso: não gosto de filmes de citações. Mas é assim que se desenvolve a intuição, nasce do trabalho de ver filmes e é essa sedimentação que faz o conhecimento", declarou ao Ípsilon) e de ter uma pulsão clássica que vibra em alguns dos seus trabalhos (sobretudo neste referido e na anterior longa-metragem Odete – 2005), João Pedro Rodrigues é uma das vozes mais singulares do cinema contemporâneo português. 

Nascido em 1966 e especializado em montagem pela Escola Superior de Teatro e Cinema (Lisboa), João Pedro Colaço do Rosário Godinho Rodrigues trabalhou como assistente de realização e montagem antes de lançar a sua primeira curta-metragem (Parabéns!, 1997, comédia que nos apresenta João Rui Guerra da Mata, seu colaborador e cúmplice próximo, como Chico, um homem comprometido com uma mulher que o acorda, no dia do trigésimo aniversário, com um telefonema, depois de este ter passado a noite com um jovem rapaz) e dois documentários (Esta é a minha Casa, 1997, e Viagem à Expo, 1999). 

Tendo recentemente lançado Alvorada Vermelha precisamente com João Rui Guerra da Mata (com quem co-realizou China, China em 2007 e se encontra a trabalhar em A Última Vez que Vi Macau) e trabalhado na curta-metragem Manhã de Santo António, que o Ípsilon seguiu nesta reportagem, João Pedro Rodrigues tem já edificada uma extraordinária obra com um terreno que só a ele lhe pertence. 

A sua obra maior é, porventura, também a primeira, O Fantasma, monstruoso (na positiva acepção da palavra) filme que indica os traços temáticos principais das suas longas-metragens, ou seja, o sexo, a identidade e a busca de afectos (se juntarmos a fé e a morte, presentes nos filmes procedentes, teremos completo o círculo de assuntos caros ao realizador). 

Indicado como um dos maiores títulos do cinema dito queer, este é filme é dotado de uma estética invulgar e consistente, demonstrando um sentido absoluto e cru de mise-en-scène, algo que ganha perfeita evidência no novo Alvorada Vermelha. Seguimos por isso Sérgio (Ricardo Meneses), o “fantasma” da cidade, que trabalha para a companhia de limpeza urbana em Lisboa e que tem obsessão por sexo e pelo corpo do homem. 

Não é de forma gratuita, panfletária ou dotada de uma débil compaixão que João Pedro Rodrigues o olha e filma (isto relembrando o pequeno escândalo envolto sobre uma cena de sexo oral explícito), mas sim sensível e – mais que provocadora e ousada – sincera. Sérgio personifica em O Fantasma uma aproximação que nos leva aos princípios primitivos da humanidade, questionando o que é afinal isto de moral, de ser humano e, sobre tudo o resto, de sexualidade.

O filme encontra-se disponível aqui. Este texto cita partes do artigo Os dois fantasmas do cinema português, sobre João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata, publicado no Diário de Notícias e posteriormente aqui.

segunda-feira, agosto 29, 2011

Os dois fantasmas do cinema português

Pouco depois de ter passado em Vila do Conde e em Locarno, 'Alvorada Vermelha' reforça a coesão do trabalho entre os dois realizadores. Este artigo foi publicado originalmente no dia 20 de Agosto de 2011, no Diário de Notícias.
Por coincidência (ou talvez não), a primeira imagem de Odete é um grande plano de duas personagens chamadas nada mais, nada menos que Pedro e Rui. Nesse filme, João Pedro Rodrigues esteve envolvido na realização e no argumento, enquanto João Rui Guerra da Mata assinou a direcção artística e o guarda-roupa. A cooperação entre ambos, que se pode equiparar à parceria dos realizadores António Reis e Margarida Cordeiro no pós-25 de Abril, já vem de antes de Odete e parece não ter sido acidental.

João Pedro Rodrigues, depois de ter frequentado a Escola Superior de Teatro e Cinema, no final dos anos 80 (onde realizou, em 1988, O Pastor e onde hoje João Rui Guerra da Mata é professor da cadeira de Art Direction) e após ter trabalhado como assistente de realização com diversos cineastas, decidiu lançar, em 1997, a sua primeira curta-metragem, Parabéns!. De certa maneira, esta obra, levada ao Festival de Cinema de Veneza, onde recebeu uma menção especial do júri, apresentaria as marcas principais do seu cinema: os temas do amor e do desejo, a homossexualidade e a colaboração com a produtora Rosa Filmes e, como não podia deixar de ser, com João Rui Guerra da Mata, que a protagonizou.

"Comecei a trabalhar em cinema porque o João Pedro me convidou", admite João Rui Guerra da Mata ao DN, que antes de Parabéns! tinha trabalhado em Corte de Cabelo (1995), de Joaquim Sapinho, fundador da Rosa Filmes (em que, curiosamente, Rodrigues foi assistente de casting e responsável pelo guarda-roupa). "Trabalhei em todos os seus filmes como art director e ajudei-o na escrita dos argumentos."

A visibilidade de ambos é lançada em definitivo em 2000 quando O Fantasma, primeira longa-metragem, fez carreira (com tanta aclamação como controvérsia) no circuito internacional. Escrito e realizado por João Pedro, o filme tem uma invisível omnipresença de João Rui: além de ser responsável pela decoração, pelo guarda-roupa, pela caracterização e por um papel secundário, O Fantasma é-lhe dedicado. Seleccionado para competição em Veneza e vencedor do prémio para Melhor Filme Estrangeiro no Festival de Belfort, João Pedro Rodrigues passou a estar nas bocas do mundo.

"Assistimos à chegada de um realizador fundamental", advertia na altura J. S. Chauvin na revista de referência Cahiers du Cinéma. Por sua vez, João Pedro tem a consciência da sua projecção: "Todos os meus filmes foram exibidos nos mais importantes festivais internacionais, todos estrearam comercialmente e foram editados em DVD em vários países, inclusive nos EUA e em Hong-Kong, mercados tradicionalmente difíceis", reconhece ao DN. "Se os portugueses têm consciência disto? Sinceramente acho que não", considera João Rui.

Com a chegada de Odete, melodrama lançado em 2005 e que percorreu festivais em diferentes locais, como Cannes, Belfort, Rio de Janeiro, Milão, Banguecoque ou Seattle, João Pedro Rodrigues foi reconhecido como uma das figuras-chave do cinema LGBT (apesar de já ter considerado redutor o rótulo de realizador gay). Nesta obra, João Pedro retoma uma exploração evidente do corpo masculino e dos afectos entre pessoas do mesmo sexo, aspecto que permanece visível na longa-metragem seguinte, Morrer como Um Homem (2009).

Candidato português à nomeação para a categoria de Melhor Filme Estrangeiro nos Óscares e exibido em Cannes, Nova Iorque, Toronto, Los Angeles ou Istambul, Morrer como Um Homem (que "vai ser editado em DVD pela Strand Releasing nos EUA no próximo dia 21 de Agosto", diz-nos João Pedro) voltou a contar a colaboração de João Rui Guerra da Mata no argumento e direcção artística. Debruçando-se sobre o universo do espectáculo travesti, o filme tocou em problemáticas profundas como a identidade, a fé e a morte - presente em grande parte do seu trabalho, como na "curta" China, China, lançada em 2007, ou no recente Alvorada Vermelha, co-dirigidos por ambos.

"Quando decidi escrever um argumento para uma curta-metragem do João Pedro, a história que quis contar tinha a ver com a China e com chineses, porque era isso que me interessava", declara João Rui. "O João Pedro convidou-me a realizar China, China com ele porque compreendeu o meu envolvimento na história. Penso que Alvorada Vermelha continua esse nosso caminho de cumplicidades", acaba por reconhecer.

De facto, Alvorada Vermelha, apresentada no Curtas de Vila do Conde e na Suíça, no Festival de Locarno, é o resultado evidente de um trabalho cuja parceria só poderia resultar partindo de uma visão convergente e proporcionada. Filme sobre o mercado vermelho em Macau, "a câmara de Rodrigues e Guerra da Mata emerge como uma força motriz que nos dá o exacto balanço entre o que existe e o que vemos", escreveu Miguel Valverde, o programador da passada edição do IndieLisboa, onde a obra foi exibida.

Mas o trabalho desta dupla não termina aqui; preparam o lançamento do documentário A Última Vez Que Vi Macau, que co-assinam. E há pouco tempo, João Pedro Rodrigues acabou de rodar Manhã de Santo António, curta que "trata do regresso a casa de um grupo de quarenta jovens, rapazes e raparigas, depois de uma noite passada nas festas de Santo António em Lisboa" e que "irá estrear na escola Le Fresnoy, perto de Lille, onde leccionei uma cadeira de Realização no ano lectivo de 2010/11, em Outubro deste ano", diz o realizador. Guerra da Mata encontra-se a filmar aquela que é a sua "primeira curta, O Que Arde Cura, em que o João Pedro está a colaborar".

O realismo como parte da encenação

João Rui Guerra da Mata não se sentiu um estrangeiro em Macau quando filmou Alvorada Vermelha. Vivendo lá grande parte da sua infância nos anos 70 e viajando pela Ásia, partilhou com João Pedro Rodrigues as suas recordações: "sempre pensei que aquelas histórias tinham um tom de filme de aventuras", admite o realizador de Morrer como Um Homem.

"Voltei a Macau 30 anos depois e estivemos a lá filmar durante quase seis meses", diz-nos Guerra da Mata. "O Mercado Vermelho era uma das mais fortes recordações que eu tinha e fazia parte dos nossos planos filmá-lo. Ele é, neste momento, o mais antigo mercado de Macau. E o último mercado onde os animais são vendidos vivos e depois mortos em frente aos clientes."

Por sua vez, Rodrigues considera Alvorada Vermelha "mais como uma continuação dos meus trabalhos anteriores", onde "há sempre um olhar quase "documental" sobre os actores e os décors, apesar de ser tudo muito encenado - há uma espécie de crença no realismo que depois tento transfigurar". Com um lado violento e implacável, Alvorada Vermelha transcende por isso o seu realismo de uma forma muito particular, filmando... uma sereia. "Acho que o lado encenado do filme vem da forma como filmámos aquelas pessoas a trabalhar, é a isso que me refiro quando falo da transfiguração do real. Introduzimos os elementos de fantasia (como a sereia) porque o filme também é uma homenagem a Jane Russell, a protagonista de Macao de Josef von Sternberg, que morreu enquanto estávamos a filmar em Macau."

Produzida pela Blackmaria, a curta-metragem teve ainda "o apoio do Instituto Cultural de Macau", que, na opinião de Rodrigues, "foi fundamental em todo este processo. Tivemos autorização para filmar em todo o território excepto dentro dos casinos, onde essa autorização nos foi recusada. Estranhamente, e ao contrário do que aconteceria nos mercados ocidentais, os trabalhadores do Mercado Vermelho ignoraram-nos quase sempre, deixando-nos filmar como se não estivesse ali uma câmara."

O filme marcará presença em Viena, em Outubro, e em Copenhaga em Novembro.

Uma filmografia entre colaborações

Parabéns | 1997
Escrito e realizado por João Pedro Rodrigues, abre-nos as persianas e apresenta-nos João Rui Guerra da Mata como Chico, um homem comprometido com uma mulher que o acorda, no dia do trigésimo aniversário, com um telefonema. Ao lado de Chico, há uma nova presença na sua cama: João (Eduardo Sobral), com quem passou a noite.

O Fantasma | 2000
Longa-metragem debutante de João Pedro Rodrigues, que a realizou e escreveu, conta com João Rui Guerra da Mata na direcção artística, no guarda-roupa e no papel secundário de um polícia. A história de Sérgio (Ricardo Meneses), que trabalha para a companhia de limpeza urbana em Lisboa e que é obcecado por sexo e pelo corpo do homem. [Trailer]

Odete | 2005
Considerada pelo crítico do DN João Lopes "como uma fábula sobre a pluralidade do amor", Odete, escrito e realizado por João Pedro Rodrigues e com os décors e guarda- -roupa assinados por João Rui Guerra da Mata, acompanha a forma como Sónia (Ana Cristina Oliveira) finge estar grávida do falecido vizinho, namorado de Rui (Nuno Gil). [Trailer]

China, China | 2007
Escrito por João Rui Guerra da Mata, que co-realizou com João Pedro Rodrigues e comandou a direcção artística, explora a demanda de uma jovem imigrante em Portugal a quem chamam de China (Chen Jialiang) na procura de uma liberdade que, depois, se apresenta inalcançável. Marcou presença em Cannes. [Trailer]

Morrer como um Homem | 2009
Candidato português aos Óscares, realizado por João Pedro Rodrigues e escrito em colaboração João Rui Guerra da Mata (que assinou, mais uma vez, a direcção artística) traz-nos a história decadente de Tónia (Fernando Santos), um travesti que se sente pressionado a realizar uma operação de mudança de sexo, embora perante Deus sinta que será sempre um homem. [Trailer]

Alvorada Vermelha | 2011
Co-realizado e escrito por João Rui Guerra da Mata e João Pedro Rodrigues (que tratou da fotografia), debruça-se sobre o Mercado Vermelho em Macau, onde os animais são brutalmente mortos, e grande parte deles à frente dos clientes. Impressionante, realista e, ao mesmo tempo, lírico, este filme é, no final, dedicado à actriz Jane Russell.

A Última Vez que Vi Macau | 20??

O próximo filme que a dupla lançará é uma longa-metragem que ambos co-realizam. Tendo mais de 150 horas de filmagem para montar, é "uma espécie de ficção em off, mas que tenha um ritmo e uma história - aliás, várias histórias que desembocam umas nas outras", admitiu Rodrigues ao jornal macaense Ponto Final.

João Pedro Rodrigues
Nascido em 1966, João Pedro Colaço do Rosário Godinho Rodrigues especializou-se em montagem na Escola Superior de Teatro e Cinema, em Lisboa, após ter frequentado um curso de Biologia (onde desejava ser ornitólogo). Entre 1989 e 1996 foi assistente de realização de Jorge Silva Melo, João Guerra e Alberto Seixas Santos, e assistente de montagem de figuras como Manuela Viegas (ao lado do colega Joaquim Sapinho, com quem colaborou como actor na sua curta-metragem de final de curso À Beira Mar). Frequentador cinéfilo da Cinemateca, foi realizador de Parabéns! e Esta é a Minha Casa (1997), Viagem à Expo (1999), O Fantasma (2000), Odete (2005) e Morrer como um Homem (2009), onde grande parte do trabalho trespassa o tema da morte e da sexualidade não-normativa. Co-assinou China, China (2007) e Alvorada Vermelha (2011) com Guerra da Mata. Prepara-se para estrear a curta Manhã de Santo António e, para o ano, A Última Vez que Vi Macau, onde volta a co-assinar a realização. 

João Rui Guerra da Mata
Actualmente professor na Escola Superior de Teatro e Cinema, a infância de João Rui Guerra da Mata passou por Macau, onde voltaria para filmar as curtas-metragens (co-assinadas com João Pedro) Alvorada Vermelha (dedicada a Jane Russell, protagonista de Macao (1952), cujo plano inicial do filme contém a casa onde viveu João Rui) e o documentário A Última Vez que Vi Macau, que será lançado futuramente. Foi, também ao lado de João Pedro, autor de China, China (2007). Trabalhou como director artístico e responsável pelo guarda-roupa em grande parte dos filmes do parceiro, surgindo como protagonista da primeira curta-metragem de João Pedro – Parabéns! Trabalhou ainda com Joaquim Sapinho e Carlos Conceição.

sexta-feira, agosto 19, 2011

João Pedro Rodrigues & João Rui Guerra da Mata

Com o magnífico Alvorada Vermelha a servir de exemplo para falar da dupla de realizadores portugueses, escrevi um perfil sobre João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata que será amanhã publicado no Diário de Notícias.

sábado, agosto 13, 2011

Portugal de olhos postos em Locarno

Gabriel Abrantes e Benjamin Crotty venceram um prémio na secção "Pardi di Domani", no Festival de Locarno, a par de Gonçalo Tocha [foto] que recebeu uma menção honrosa do júri da secção Cineastas do Presente. Já a produção suíço-argentina “Abrir puertas y ventanas”, realizada por Milagros Mumenthaler, venceu hoje o Leopardo de Ouro. Destaco a imerecida falta de destaque para o magnífico "Alvorada Vermelha", de João Rui Guerra Da Mata e João Pedro Rodrigues. Não deixa de ser bom recordar e recomendar a interessante edição que o suplemento cultural Ípsilon lançou ontem, sexta-feira, sobre a presença dos portugueses nos festivais de cinema em redor do mundo. O palmarés completo aqui.

domingo, maio 15, 2011

IndieLisboa [10]: A vitória de Losier


Foi, há pouco, divulgado o palmarés da edição de 2011 do IndieLisboa. «The Ballad of Genesis and Lady Jaye» (Marie Losier) foi, surpreendente e inesperadamente, o filme a levar o Grande Prémio do festival de cinema. O documentário norte-americano atípico, ainda que desinteressante e com resultado francamente desapontante (como aqui pude comprovar), foi, assim, mais longe que longas-metragens em competição como «Attenberg» ou «La BM du Seigneur» (que foi galardoado com uma menção honrosa). Quanto ao panorama do cinema português, «Linha Vermelha», filme de José Filipe Costa, foi a longa-metragem vencedora, enquanto «Alvorada Vermelha», de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra Mata, levou o prémio de melhor curta portuguesa. «Cleveland vs Wall Street» (Jean-Stéphane Bron) foi, para o público, a melhor longa em competição.

No último dia do festival (hoje, dia 15), às 16:30, poderemos visualizar as curtas-metragens premiadas na sala 3 do Cinema São Jorge; às 17:00 poderemos ver o filme premiado pelo público na sala 1 do mesmo local; e às 21:30 a longa portuguesa premiada. Lembro que «Kaboom», de Gregg Araki, será pela primeira vez projectado às 19:15, encerrando o IndieLisboa.

Segue a lista completa dos premiados:

Longas-metragens:

  1. Grande prémio — “The Ballad of Genesis and Lady Jaye”, de Marie Losier (EUA)
  2. Menção honrosa – “La BM du Seigneur”, de Jean-François Hue (França)
  3. Melhor longa portuguesa – “Linha Vermelha”, de José Filipe Costa
  4. Prémio de distribuição – “Morgen”, de Marian Crisan (Roménia/França/Hungria)

Curtas-metragens:

  1. Grande prémio – “The Story of Elfranko Wessels”, de Erik Moskowitz e Armanda Trager (EUA/Canadá)
  2. Menção honrosa – “Diane Wellington”, de Arnaud des Pallières (França), “La Forêt”, de Lionel Rupp (Suiça), e “The Painting Sellers”, de Juho Kuosmanen (Finlândia)
  3. Melhor curta portuguesa – “Alvorada Vermelha”, de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata
  4. Melhor realizador de curta portuguesa – Gabriel Abrantes e Benjamin Crotty, por “Liberdade”, e Marco Martins e Filipa César, por “Insert”

IndieJunior:

  1. Melhor filme – “My Good Enemy”, de Oliver Ussing (Dinamarca)
  2. Menção honrosa – “Les Mains en l'air”, de Romain Goupil , e “Cul de Bouteille”, de Jean-Claude Rozec (ambos França)

Prémios do público:

  1. Longa-metragem – “Cleveland vs Wall Street”, de Jean-Stéphane Bron (Suiça/França)
  2. Curta-metragem – “Paris Shanghai”, de Thomas Cailley (França)
  3. IndieJunior – “Things You'd Better Not Mix Up”, de Joost Lieuwma (Holanda)

Prémio RTP Pulsar do Mundo: “I'll Forget This Day”, de Alina Rudnitskaya (Rússia)
Prémio SIGNIS: “La Ilusión te Queda”, de Márcio Laranjeira e Francisco Lezama (Portugal/Argentina)
Prémio Amnistia Internacional: “Cleveland vs Wall Street”
Prémio TAP: “O Que Há de Novo no Amor?”, de Mónica Santana Baptista, Hugo Martins, Tiago Nunes, Hugo Alves, Rui Santos e Patrícia Raposo, e “Eden”, de Daniel Blaufuks (ambos Portugal)