Foi o primeiro filme que vi da belga Chantal Akerman e provavelmente o único pois não quero desarmar a ideia de perfeição minimalista com que fiquei desta autora.
O filme trata, em primeiro plano, da relação de afecto entre os dois principais personagens – Simon e Sylvie -, que vão surgindo os seus egos num ambiente muito pouco comum e de uma peculiaridade física, formal e transcendente tal que só por si vale a pena assistir; e, em segundo plano, das revoluções intrínsecas que estes vão desenvolvendo ora entre si, ora em comunhão entre a rapariga e a imagem das suas líricas amantes e musas.
Ele vive o seu amor da forma mais intensa que conhece de si – cheio de manias e aparatos, consegue, pela vontade em Sylvie, descurar de si e entregar-se à enamorada. Ela, por sua vez, envolve-se numa verdadeira campanha de forma a manter a sua paixão e ternura, sendo que se sente atraiçoada pelo corpo e mente que a empurram em direcção oposta a Simon e a aproxima da sua verdadeira essência humana – Sylvie deseja amar para sempre o rapaz como ama na fugacidade dos momentos todas aquelas raparigas e todas aquelas formas femininas que não entende, e ao mesmo tempo percebe que, mesmo tentando, não conseguiria desarmar o seu carinho por Simon.
A narrativa avança, e à medida que isto acontece, a relação dos dois vai-se desfazendo, para depois, nas sequências finais, se encontrarem novamente, não pelo sentido instantâneo dos momentos mas sim pelo que ambos sabem poder e querer sentir, numa amplitude tal que revela o que instintivamente nos separa do animal comum – o sentimento, a racionalidade.
O espectador é confrontado pela edificação de duas estruturas completamente opostas e sem intermediários que dão imagem a duas formas de viver o amor: Simon quer sentir-se omnipotente, saber quais os sonhos e pensamentos de Sylvie, quer conhecê-la na sua totalidade para depois poder absorver os pedaços mais ínfimos da sua pessoa; ela encontra a verdade do sentimento na realidade interior do parceiro da qual o seu conhecimento está privado, permitindo um determinado espaço e mistério entre os dois, que lhe fomenta o querer.
Assim Simon faz dela sua cativa, aprisionando-a a si e ao seu espaço pelo sentir – e quem não gostaria de estar assim preso?
É de ressalvar que o filme é baseado no romance de Proust, La prisonnière.