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segunda-feira, agosto 29, 2011

Aprendizes da vida

Se há lição que se pode retirar da comédia tão doce como amarga Assim é o Amor, a estrear na próxima quinta-feira, é que devemos permanecer em constante redescoberta daquilo que a vida tem para nos proporcionar. Este artigo foi publicado originalmente no dia 27 de Agosto de 2011 na revista Notícias Sábado, que integra o DN e o JN.
O realizador Mike Mills parece ter consciência de que a criação cinematográfica é porventura um dos melhores meios para perpetuar as suas memórias e experiências passadas, dando-as a conhecer ao mundo tal como se quisesse transmitir uma lição de vida. Contudo, Assim é o Amor, que estreia entre nós no primeiro de Setembro, partilha com os seus espectadores o universo muito íntimo deste norte-americano reconstruindo-o para nos oferecer uma comédia romântica não poucas vezes com sabor agridoce.

Este é, em concreto e como o título original (Beginners) dá a entender, um filme sobre eternos aprendizes ou sobre a forma como as pessoas são obrigadas a reaprender o modo como levam a sua vida e existência. E, da mesma forma, Beginners é sobre a maneira como redescobrimos o amor e a pluralidade das suas manifestações.

Ewan McGregor veste a pele de Oliver, um artista gráfico que transmite a sua grave melancolia e nostalgia ao seu cão Arthur (que só compreende 150 palavras e não consegue falar!) e, evidentemente, aos espectadores. Recorda “o céu, as estrelas e o presidente” dos EUA para oferecer um contexto e situar a sua história de vida – que, na verdade, é a do próprio cineasta, Mike Mills (realizador de “Chupa no Dedo” e de telediscos para Moby ou os Air).

Quer a personagem como o autor deste filme passam pela experiência traumática de terem perdido a mãe e, uma semana depois, serem confrontados com o pai de 75 anos, que confessa ser homossexual após 44 anos de casamento. Oliver recorda o tempo passado com o pai (interpretado por um magnífico Christopher Plummer) enquanto gay assumido e a maneira intensa como este viveu ao lado do filho e do novo namorado os últimos momentos da sua existência, assombrada por um cancro que acaba por ser mortal. Quando conhece a misteriosa actriz francesa Anna (Mélanie Laurent, que representou na longa-metragem Sacanas sem Lei, de Quentin Tarantino) após a morte do pai, Oliver vê-se subitamente com uma nova energia e impelido a avançar com os sentimentos que nutre por ela, sem esquecer aquilo que o pai lhe ensinou.

Filme sem grandes qualidades de mise-en-scène que mereçam particular destaque, Assim é o Amor vale sobretudo pela sua montagem e, como não podia deixar de ser, pela riqueza das suas personagens que nada mais são que uma projecção pessoal de Mike Mills e das interpretações das mesmas. Próximo da vida e dos dramas do ser humano contemporâneo, esta é uma comédia “simpática” que merece, pelo menos, um visionamento – se possível com ou a pensar naqueles que amamos.

quinta-feira, junho 16, 2011

Cinema para quem quer e para quem não quer pagar

Pouco depois de um estudo ter mostrado que Portugal está entre os países com maior índice de pirataria e de se terem reforçados os apelos contra o descarregamento ilegal de filmes, uma dupla de australianos ousou lançar The Tunnel pela Internet – e quem quiser não paga

Para além de uma poderosíssima ferramenta de comunicação, informação e entretenimento, a Internet, que redefiniu toda a sociedade nas últimas décadas, trouxe ao ser humano contemporâneo uma facilidade renovada na partilha das suas criações, permitindo-o expressar-se para o planeta como nenhum outro meio o havia feito. Sendo as redes sociais o maior exemplo dessa projecção virtual, será pertinente questionar de que forma é que outros sectores foram afectados com a proeminência, cada vez mais imperativa, da utilização da Internet.

Muito à semelhança do universo da música, o cinema tem sido dos espaços mais afectados no que respeita o retorno financeiro. Vitimizado pela pirataria, surgiu recentemente uma alternativa original e inédita que poderá vir a revolucionar a forma como entendemos a legalidade da partilha de ficheiros e as próprias estratégias de distribuição cinematográfica. Referimo-nos a The Tunnel, filme de terror estreado no dia 19 de Maio… na Internet. Permitindo o descarregamento pago ou gratuito (portanto, sem que se violem os direitos de autor), de acordo com a preferência (e possibilidades) do espectador. Esta solução transforma, quase por completo, a visão malévola da Internet, o principal problema do cinema da actualidade.

A Internet não se apresenta, apesar de tudo, como o primeiro obstáculo que a sétima arte enfrentou. Desde o seu nascimento, as inovações tecnológicas acompanharam o esforço de chamar o público para as salas de projecção. Foi o caso do som, em 1927 (com o lançamento do primeiro filme sonoro, O Cantor de Jazz, que rivalizou com um modelo de imagem muda que julgava estar seguro) ou da cor. No entanto quando, a partir dos anos 50, a televisão surgiu como inimigo número um do cinema, a crise na indústria cinematográfica escalou a um outro nível. Obrigando os estúdios a repensar as estratégias de distribuição, assistimos ao florescimento de temas mais apelativos, à criação dos cinemas ao ar livre “drive-in” nos EUA, ao “cinerama” (sistema que envolvia a junção de três projectores de 35 mm que permitia uma visão mais alargada e periférica da imagem mas que, pelos custos envolvidos, teve pouca duração), ao CinemaScope (processo descoberto em 1953 e que expandia o tamanho do ecrã) e ao 3D, utilizado pela primeira vez em 1952 (com o filme Bwana Devil) e que prometia ao espectador uma realidade inédita e mais “natural” (mas que por obrigar o espectador a utilizar óculos de cartão Polaroid imperfeitos, desconfortáveis e com malefícios à sua saúde, passou rapidamente da moda).

Será, contudo, impossível falarmos de imagem a três dimensões sem nos lembrarmos do projecto titânico de James Cameron, “Avatar” (2009). Voltou a falar-se do 3D, a par do cinema digital, como a “salvação” da indústria em tempos de crise, num tempo quem que o grande público tem vindo a demonstrar alguma preferência pelo conforto da casa (importa recordar os desenvolvimentos do “home cinema”, a nível de som e de imagem envolventes), pela facilidade de ver um filme cujos direitos foram adquiridos por um canal de televisão, de o alugar em videoclubes (hoje em dia existentes nos serviços portugueses de televisão) e de o comprar em suporte DVD, Blu-Ray ou em formato electrónico (através de lojas virtuais). O inimigo actual do cinema é, no entanto, maior que todo o conjunto acima mencionado, considerado pelos produtores, distribuidores, autoridades e criadores como um problema fracturante e ilegal.

A partilha ilegal de filmes pela Internet, à qual chamamos de pirataria e que infringe os direitos de autor detidos por uma obra cinematográfica, começou a ser desenvolvida em grande escala depois do final dos anos 90 quando o programador Shawn Fanning criou o “Napster”, o primeiro programa na Internet de partilha de ficheiros de música em rede “peer-to-peer” (isto é, “de parceiro a parceiro”, traduzindo de forma livre). Bastou pouco tempo para que o que se via na indústria da música se transferisse para o cinema: o protocolo de rede BitTorrent, lançado no dia 2 de Julho de 2001, permitiu a distribuição de arquivos por “torrents”. Quanto mais pessoas “semeassem” (isto é, pusessem em activo) um ficheiro em particular, mas facilidade teria um internauta em ir buscá-lo. Assim se promoveu, ilicitamente, uma rede colossal de gente que, em redor do planeta, descarregava para o computador, e entre si, ficheiros de vídeo, de música, etc. A actividade à margem da lei começou a ser de tal forma preocupante que os governos se viram obrigados a promover uma atitude anti-pirataria junto de quem, em seu entender, não estaria ciente do seu comportamento. Nos cinemas e DVDs portugueses, antes que os filmes começassem, tornou-se natural ver o aviso que advertia que “o download não autorizado é ilegal”, e que o mesmo era “punível até 3 anos de prisão”. Mas continua a haver quem faça downloads ilegais, nota-se uma queda das receitas das bilheteiras e houve notícias da falência de videoclubes. A mediatização deste problema (que avança continuadamente sem fim à vista) cresceu com a penalização do descarregamento ilegal em vários países (como a França); com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o autor do site BTuga no passado Abril, ou com a criação da rede dos Partidos Pirata depois de 2006, primeiro na Suécia e, depois de outros países, já em Portugal, tendo sido o PPP (Partido Pirata Português) fundado no dia 12 de Maio de 2009 por alunos de Engenharia Informática, lutando contra as leis dos direitos de autor.

Sensível ao debate que se impôs sobre a pirataria, uma dupla de produtores argumentistas australianos decidiram iniciar o “135k Project”, que consistia em criar um filme com 135 mil fotogramas (o que equivale a 90 minutos) e lançá-lo via online, permitindo ao espectador descarregá-lo legalmente, fazendo-o decidir ainda se quer contribuir para o filme. Caso seja esse o seu intento, então este pode escolher entre pagar um dólar por um fotograma, ou pagar o DVD do filme original. The Tunnel, filme de terror lançado na Internet no dia 19 de Maio deste ano, abriu caminho para um tipo de distribuição cinematográfica completamente moderno e para uma solução inédita para o problema da partilha ilegal de filmes. Em questão põe-se, para além da liberdade de lançamento dos filmes, a generosidade do público, que só se vê impelido a pagar por aquilo que consume porque assim é obrigado.

Um telefilme mascarado de acontecimento cinematográfico

Ao contrário da originalidade da estratégia de distribuição do filme na Internet, The Tunnel, realizado pelo australiano Carlo Ledesma e escrito pelos produtores Julian Harvey e Enzo Tedeschi, apresenta-se como um objecto reciclado da fórmula gasta do “falso documentário” de terror, tomando como exemplo The Blair Witch Project (1999), [REC] (2007), Cloverfield (2008) ou Paranormal Activity (2007). Seguindo a história de uma jornalista e da sua equipa de filmagem que investiga os túneis subterrâneos de Sidney e a razão o seu acesso é interdito, esta é uma obra previsível desde o primeiro minuto, desinteressante e recheada de lugares-comuns e que a torna num autêntico telefilme sem qualquer mérito.

Este texto foi publicado originalmente no dia 11 de Junho de 2011 na revista Notícias Sábado do DN e JN.

sexta-feira, junho 10, 2011

Amanhã, com o Diário de Notícias

No dia depois do dia de Portugal, terei com o Diário de Notícias, no DN Gente, um artigo sobre Bruno Dumont escrito a partir de uma entrevista exclusiva com o realizador e a propósito do seu filme Hadewijch, e na Revista Notícias Sábado terei dois artigos publicados, um sobre uma forma nova e original de distribuição e outro sobre o novo filme de Jerzy Skolimowski, Matar para Viver.

quinta-feira, junho 09, 2011

Double Feature [2]: Cisne Negro e Caché - Nada a Esconder

O Double Feature é um espaço de opinião regular sobre dois DVDs lançados (ou reeditados) pelas distribuidoras portuguesas. O comentário que segue foi publicado no dia 4 de Junho de 2011, na revista Notícias Sábado integrante do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.

Cisne Negro, de Darren Aronofsky
Fox
★★★

Foi depois de Pi, do avassalador A Vida não é um Sonho e do fracasso de bilheteira de O Último Capítulo que Darren Aronofsky decidiu partir para um cinema voltado para as personagens, materializando os seus maiores conflitos na sua relação com o corpo. Cisne Negro é, por isso, uma continuação, felizmente mais interessante, do que o realizador fez com O Wrestler. Caminhando pelos trilhos do melodrama maniqueísta, que acaba por se esgotar ao fim do deslumbre que proporciona um primeiro visionamento, este thriller psico-sexual não deixa de ser um interessante exemplo da extraordinária capacidade de montagem de Aronofsky e de filmar a decadência das suas personagens. Vencedora do Óscar de melhor actriz, Natalie Portman apresenta-nos aqui o melhor papel da sua carreira.

Caché – Nada a Esconder, de Michael Haneke
Atalanta
★★★


A rigidez com que Michael Haneke, um dos autores actuais mais interessantes, filma esta obra-prima (que mereceu reedição em DVD) pode facilmente equiparar-se à de uma câmara de segurança. No entanto, o espectador adopta o terrífico (e activo) papel de vigilante ou, se quisermos ir mais perto da verdade, de espião. Baseado num documentário sobre o massacre de imigrantes da Algéria na França de 1961, acompanhamos uma família que começa a receber, em casa, cassetes de vídeo que mostram o protagonista a ser secretamente filmado e desenhos perturbantes e pessoais. Politicamente crítico, Haneke constrói uma pertinente reflexão sobre a sociedade ocidental contemporânea, observando a violência, a intolerância, a privacidade e a omnipresença da comunicação social.

À procura de Deus


Visto pelo realizador como “uma metáfora para o interior da alma”, Hedweijch, a quinta longa-metragem de Bruno Dumont que acaba de estrear entre nós, é uma autêntica resposta à alienação religiosa
Foi o jornalista James Quandt quem em 2004, na revista norte-americana ‘Artforum’, assinalou o surgimento de uma nova corrente cinematográfica perante a proliferação de filmes franceses com narrativas que aliassem a violência e a sexualidade gráficas, chamando-a de “The New French Extremism” (que podemos traduzir como Novo Cinema Extremista Francês). Dessa nova vaga, esteve como protagonista, para além de Gaspar Noé (‘Irreversível’, em 2002) ou Catherine Breillat (‘Romance’, em 1999), Bruno Dumont.

O realizador, que iniciou carreira leccionando Filosofia, estreia-se no cinema com 39 anos em 1997, com o controverso ‘La Vie de Jésus’ (galardoado com a Câmara de Ouro no Festival de Cannes), definindo de ora em diante a sua obra e visão. Inspirado pelo cinema de Pasolini, Rosselini e Bergman, realizou então mais três longas-metragens: ‘L’Humanité’, em 1999 (Grande Prémio, Melhor Actor e Actriz em Cannes); ‘Twentynine Palm’s, em 2003, e ‘Flandres’ (Grande Prémio), em 2006. Profundamente interessado nos conflitos interiores das suas personagens, Dumont ajudou a esbater a ténue fronteira entre a pornografia e o cinema de autor. No entanto, ao enquadrar o sexo, serve-se dele para demonstrar a animalidade das acções humanas e não o prazer que delas se pode extrair. O radicalismo do seu cinema, que se justifica em parte por um cruel realismo e minimalismo, é também resultante da ausência da expressão de sentimentos dos protagonistas, que os vivem intensamente dentro de si. É, por isso, um cinema de ideias sobre o vazio, voltado para dentro do indivíduo.

Na sua quinta longa-metragem, Dumont exacerba ao máximo o extremismo psicológico, debruçando-se sobre a fé. Inspirado em Hadewijch da Antuérpia (mística flamenga do século XIII), que serve de título para o filme e de nome que Céline, a protagonista, assume após ter sido expulsa do convento por causa do seu fanatismo, Dumont constrói uma jornada decadente que coloca à prova o seu amor por Deus. A partir do contacto com o mundo, o realizador observa, distante e cauteloso, Hadewijch, que trava amizade com um radical islâmico (que, à sua semelhança, acredita viver num mundo afastado do divino) e prepara um atentado terrorista.

É interessante como os olhos que filmam esta espécie de Joana d’Arc devota não são os mesmos de Dreyer. Bruno Dumont, ao contrário de si, é descrente e propõe-se a mostrar como a loucura leva Hadewijch à perdição. Em paralelo a ‘Twentynine Palms’, este é um filme que ganha um fôlego renovado nos últimos minutos, remendando pontas que foi livremente soltando ao longo da obra. Apesar de todo a violência e absurdo religiosos, parecemos descobrir, pela primeira vez, a esperança numa humanidade distante de Deus.

Este texto foi publicado originalmente no dia 4 de Junho de 2011 na revista Notícias Sábado do DN e JN.

quarta-feira, maio 25, 2011

Double Feature [1]: O Mágico e Paranoid Park

Esta publicação abre a rubrica Double Feature, um espaço de opinião regular sobre dois DVDs lançados (ou reeditados) pelas distribuidoras portuguesas. O comentário que segue dos primeiros dois discos foi publicado no dia 21 de Maio de 2011, na revista Notícias Sábado integrante do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias.

O Mágico, de Sylvain Chomet
Castello Lopes Multimédia
★★★

Criado a partir de um argumento que o espantoso Jacques Tati (1907-1982) deixou sem concretizar e utilizando a sua mais célebre personagem – Monsieur Hulot –, o realizador francês Sylvain Chomet, nomeado para os Óscares da Academia com Belleville Rendez-vous, conta-nos a história de um mágico que tenta sobreviver à ausência de protagonismo e que se empenha em deixar feliz uma pobre rapariga que conhece na Escócia e com quem estabelece um autêntico amor paternal. Desolar mas profundamente tocante, Chomet cria, com minucioso detalhe e beleza, uma das melhores animações dos últimos anos, explorando, através do silêncio, o âmago das relações humanas.




Paranoid Park, de Gus Van Sant
Atalanta Filmes
★★★

Depois de deslumbrar com a sua inovadora trilogia da morte (constituída por Gerry, Elephant e Last Days), o versátil cineasta norte-americano Gus Van Sant mostra, em Paranoid Park, um olhar sobre a adolescência no presente, que crê estar perdida. Adaptado do romance homónimo de Blake Nelson, que por sua vez invoca Dostoiévski, este objecto cinematográfico de notável singularidade formal debruça-se sobre a decadência moral e psicológica de um skater de 16 anos após ter matado acidentalmente um segurança. Montado a partir de uma narrativa não linear e experimentando uma conjugação hipnótica de músicas e ritmos distintos, o realizador atinge nesta obra um estado de graça, cujo DVD mereceu uma nova reedição que inclui um estudo sobre a obra do autor.

quarta-feira, maio 18, 2011

Adolescência em apocalipse




Figura proeminente no cinema independente norte-americano, o realizador Gregg Araki regressa ao grande ecrã lançando «Kaboom», que mistura os géneros de comédia, ficção científica, mistério e terror, revelando-o como uma paródia aos filmes mainstream tipicamente produzidos para adolescentes.

A edição passada do Festival de Cannes galardoou Araki com a primeira «Palma Queer» alguma vez entregue na história da mais célebre festa do cinema. Efectivamente, «Kaboom» enquadra-se na tradição do realizador em se debruçar sobre os problemas da jovem comunidade gay, lésbica e bissexual, sendo, ao lado de Gus Van Sant e Todd Haynes, um dos fundadores do chamado Novo Cinema Queer, expressão utilizada em 1992 para definir o tipo de cinematografia que celebrasse a sexualidade não-normativa de forma irreverente, politicamente activa e sem a pretensão de glorificar os homossexuais. No entanto, ao contrário de Gus Van Sant (que levou «Milk» [crítica aqui] a ser nomeado para 8 Óscares da Academia em 2009), Gregg Araki permanece no nicho dos filmes underground, regressando à pulsão pela imaturidade apresentada na chamada «trilogia do apocalipse adolescente», constituída por «Totally F***ed Up» (1993), «The Doom Generation» (1995) e por «Nowhere» (1997). «Pele Misteriosa» (2004) [crítica aqui], que conta com o extraordinário protagonismo do actor Joseph Gordon-Levitt (que representa em «(500) Dias com Summer» (2009) e «A Origem» (2010) [crítica aqui]), será, talvez, o seu melhor filme, tratando os temas da pedofilia, dos abusos sexuais, da prostituição e da solidão.

«Kaboom», por sua vez, parece não querer levar-se a sério. Dotado de uma estética híbrida, que mantém, à semelhança dos restantes filmes, muito dos enquadramentos subjectivos centrados nas personagens, Gregg Araki conta-nos a história de Smith (Thomas Dekker), um estudante de cinema e que se prepara para comemorar o 19º aniversário ao lado da melhor amiga Stella (Haley Bennet) e de London (Juno Temple), investigando as estranhas aparições de homens mascarados de animais que o perseguem. Os eventos vão-se multiplicando, juntando ao rol de sexo e estranheza, a obsessão de uma bruxa lésbica ninfomaníaca, o desaparecimento de uma misteriosa ruiva e o uso de drogas, gerando uma aventura psicadélica e burlesca que antevê a proximidade do fim do mundo. O arco decadente deste delírio cinematográfico, que satiriza as especulações escatológicas sobre o dia 21 Dezembro de 2012, encerra-se no estilo dos filmes de Ed Wood que, convém relembrar, é encarado por alguns (e algo injustamente) como o pior realizador de sempre.

***
Este texto foi publicado originalmente no dia 14 de Maio de 2011 na revista Notícias Sábado do DN e JN.
«Kaboom» (traduzido como «Alucinação») estreia amanhã, dia 19, nas salas de cinema portuguesas.