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quarta-feira, setembro 26, 2012

O amor não basta

Nova Iorque, 1997. Na agitação das ruas da metrópole dois homens encontram-se e a vida de cada um transforma-se. A solidão torna-se um lugar estranho. É uma premissa clássica – de boy meets girl ficamos apenas com o boy –, que continua a ser a tendência do cinema gay contemporâneo, como tem demonstrado a 16.ª edição do Queer Lisboa. Como ultrapassar este lugar-comum?

Talvez Keep the Lights On, que repetiu ontem às 17h15 na sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, consiga responder-nos à questão. É a mais recente longa-metragem do norte-americano Ira Sachs, autor que nos trouxe títulos populares como Casamentos e Infidelidades, em 2007, e debruça-se numa relação disfuncional entre um realizador de documentários (possível alter ego de Sachs, que também realizou alguns) e um advogado. O desejo do primeiro, que quer ter sexo com regularidade, luta contra o do segundo, um toxicodependente.

É um combate condenado à autodestruição mas que vai sobrevivendo até a exaustão. Como se o amor, enquanto existir, bastasse para a união das duas personagens – é o que, pelo menos, parece que nos diz Ira Sachs neste melodrama, tão triste como a própria vida.

Os tons melancólicos com que Keep the Lights On está desenhado são intensificados pelo trabalho do diretor de fotografia ateniense Thimios Bakatakis (responsável pela imagens de títulos como Canino ou Attenberg), cujo pensamento sobre a luz nos remete para uma ideia de passado (importa dizer que estamos a ver um filme raro por ser filmado em película). Uma marca temporal, sim, mas também completamente atual (o diretor do festival João Ferreira lembra, no seu texto de apresentação do filme, que a imagem faz ponta com as “lentes vintage” dos nossos dias: do Instagram ao Hipstamatic).

A maior referência está, no entanto, na música omnipresente de Arthur Russel, importante figura da cultura downtown nova-iorquina dos anos 70 e 80. A música que acompanha o filme parte não apenas de uma escolha do realizador mas de um trabalho conjunto com o antigo companheiro de Russel (que morreu vítima de sida em 1992) e por Matt Wolf, que realizou o documentário Wild Combination: A Portrait of Arthur Russel (exibido em 2009 no Queer Lisboa).

Este texto foi publicado originalmente no Diário de Notícias (25 de setembro de 2012)

segunda-feira, setembro 24, 2012

Diz-me o que fotografas...

Bem-vindos às imagens do século XXI: que nos aliciam pelo anonimato – mas que se revelam fugidias como a água que nos escapa por entre os dedos. Nos dois (!) minutos (ou nos seis segundos do teaser que aqui pode ser visto) de Pix (título sugestivo, que de imediato nos coloca nos misteriosos códigos da Internet), ontem exibido no Queer Lisboa 16, o realizador Antonio da Silva mostra-nos um pouco daquele que pode ser um eterno work in progress: imagens retiradas de uma aplicação para smartphones que possibilitam aos utilizadores encontrar outros que, perto de si, estejam igualmente despertos sexualmente. O corpo masculino parte-se aqui em vários pedaços: nos bíceps, abdominais ou pénis – tudo em função da sedução: virtual, contemporânea. E a imagem perde-se eventualmente no abismo daquilo que o autor chama o “mercado do desejo”. Correção: não é a a imagem, mas toda uma identidade que se dilui. O nosso rosto chama-se hoje iPhone.

Para sempre James Dean



Fez “três filmes inesquecíveis” (recordemos: A Leste do Paraíso e Fúria de Viver em 1955 e O Gigante em 56) e pouco depois morreu – resume-se assim, seca e objetivamente, a grande tragédia de James Dean naquela que era uma das mais aguardadas sessões do Queer Lisboa 16: Joshua Tree, 1951. A acompanhar o título está uma designação que tem tanto de irónico como de curioso, tanto de mentira como de verdade: A Portrait of James Dean. Mas na estreia no território das longas-metragens do californiano Matthew Mishory (presente na sessão) não vemos um nascimento de um ícone – antes uma juventude que flutua acompanhando um filme que toca, sempre à deriva, numa figura maior que a própria imaginação. 

Será, tristemente, por isso que Joshua Tree, que se senta à sombra do gigante Dean, nunca chega realmente a enfrentar “o” ator. Apenas desenha, com grande sentido de virtuosismo (na música, nos efeitos da imagem como o slow motion publicitário, no belíssimo preto e branco...), as cenas da vida atribulada de “um” ator – sobretudo cenas que queiram explorar o nascimento não de um ícone mas de todo um imaginário sexual. É a liberdade na vivência da homo/bissexualidade que nos cativa: nas cenas da piscina, com os banhos de sol tomados pelo protagonista e colegas. Como se ali se estivesse a vivenciar um universo de total transigência, muito para além daquele tempo.

Aguardamos uma nova "estreia" de Mishory – como aguardamos, pacientemente, um filme que consiga tocar sem medos no intocável Dean.

sábado, setembro 22, 2012

Entre lençóis

Filme-sensação da rota dos festivais pelos quais passou, chegou ontem o título que esgotou a sessão de abertura do Queer Lisboa 16. É um facto secundário mas que não deixa de carregar uma força irónica: Weekend já tem edições domésticas no estrangeiro em DVD e Blu-Ray (uma delas é da Criterion – o que pode demonstrar o seu sucesso entre o público com mais exigências) e percorre há algum tempo o circuito de torrents na Internet. Não admira que fossem muitas as segundas (ou terceiras...) vezes de alguns espectadores, ansiosos por ter uma experiência de intimidade em grande ecrã. 

Foi, afinal, isso que aconteceu: uma espécie de espectáculo da realidade em que dois homens se cruzam durante algumas horas e ficam no fim na solidão de onde vieram. O filme vai crescendo, sem dúvida, como se a mera imagem de uma cama com os lençóis vividos nos revisitasse a querer dizer-nos alguma coisa: estás sozinho, a vida é cruel, procuras o amor para te compreenderes. Uma imagem que nos diz isso só pode estar carregada de realidade. Weekend balança-se entre o “social” (que entra nas conversas sobre o assumir a homossexualidade ou nas imagens sobre a tensão entre agarrar ou não agarrar uma mão) e qualquer coisa de mais profundo, aquilo que é a força motriz deste filme. Isso é a intimidade, vista como a consumação sexual, o confronto a partir do diálogo (elemento-chave no filme – por vezes destroçado pela fraqueza das falas e inverosimilhança) – enfim, a partilha do tempo. 

A segunda longa-metragem de Andrew Haigh pede mais disso – e, no entanto, somos por vezes confrontados com um horror ao cliché. O filme preocupa-se tanto em servir de reação (ao ser antirromântico, ao investir as suas energias no realismo e dar espaço a diálogos que façam alusões ao indesejado – como o momento Notting Hill) que parece esquecer-se de que pode estar perante um novo cliché: o homem de barba, urbano e solitário, visto com um olhar que faz ponte com uma "estética Tumblr". 

O problema, importa relembrar, não é este novo lugar-comum (a nós não nos importa se corresponde ou não à norma) – é, justamente, o seu tratamento. Apesar disto, os protagonistas já têm mais humanidade que muita da produção que caminha por aí e que consegue facilmente uma estreia comercial em sala. Mas falta-lhes mais. Porque sentimos, cada vez mais, que as personagens do cinema gay precisam de deixar de falar do facto de serem gays.

domingo, abril 01, 2012

Descobrir os afetos
— um breve balanço do 26th BFI London Lesbian & Gay Film Festival

Terminou hoje a 26.ª edição do London Lesbian & Gay Film Festival, festival de cinema queer que decorreu no BFI (British Film Institute) na capital inglesa. Iniciado em 1986 como um conjunto de projeção de vários filmes que abordassem sexualidades não-normativas (entendam-se: homo/bi/transsexualidade), foi renomeado em 1988 e sofreu um ajustamento na duração nos dois últimos anos (em 2011, de duas semanas o festival passou a ter uma e, em 2012, passou a ter 10 dias). Após a redução do orçamento no ano passado, o festival gay e lésbico de Londres viu um aumento feliz de 30% que permitiu que fossem programados ao todo 53 longas-metragens e 67 “curtas” (não há secções competitivas). Este ano tive a oportunidade de fazer uma breve (embora não total) cobertura do festival (que iniciou a 23 de março) e do qual farei um breve apanhado.

Digamos de imediato que a estreia nas longas-metragens do realizador belga Bavo Defurne (conhecido por ter assinado nove curtas nos anos 90) ficará recordada como a mais interessante do programa. O nome é curioso: North Sea Texas (título original: Noordzee, Texas), e esteve programado para ser hoje exibido como filme de encerramento do festival. Compreendemos porquê.

Ao recuperar, sem medos, a linha de construção narrativa do melodrama, Bavo Defurne (que também co-escreveu o filme com o produtor Yves Verbraeken) traz-nos um olhar sobre o primeiro amor (tema de sempre difícil abordagem, tal será a facilidade de cair nos clichés mais simplistas) entre dois rapazes, entre a puberdade e o cume da adolescência. Através de uma estrutura convencional e, a dado momento, algo previsível, Defurne ataca-nos com a complexidade do amor (tanto que o trata não só através da relação dos miúdos como também a partir da mãe do protagonista, que representa o falhanço romântico e familiar, e da irmã do seu amado, que por sua vez… é apaixonado pelo herói). 

Filme de múltiplos cruzamentos, portanto, que parece querer comprovar que a matéria de que somos unidos é feita de algo que não é material (o facto do protagonista viver com a mãe na mesma casa não os faz unidos), mas que é da ordem do sentimental e do contraditório. Apesar desta convicção forte, são raras as vezes que Bavo Defurne consegue exalar a energia própria das primeiras paixões — resultado de uma atração sexual mal resolvida (do herói por um cigano que o vem visitar a casa), da própria configuração do protagonista (quase sempre perdido dentro do seu próprio pensamento, quase nunca exteriorizando o que sente…) e, talvez sobretudo, das fracas interpretações (sobretudo a de Jelle Florizoone, o referido herói). Defurne demonstra também um gosto evidente em filmar interiores (tudo está no lugar certo, tudo exprime uma vontade de controlo absoluto), interiores que, por sua vez, não demonstram ponta de naturalismo (e nisso não vemos mal nenhum). A direção artística é da responsabilidade de Merijn Sep, cujo gosto pelos contrastes de cor foi registada pela destreza de Anton Mertens, diretor de fotografia já experiente.


Por sua vez, Notre Paradis (última fotografia do post), sexta longa-metragem do francês Gaël Morel, começa por surpreender com essa potência da paixão cega (entre dois prostitutos, encarnados por sedutores Stéphane Rideau, que pudemos ver em Presque Rien de Sébastien Lifshitz, e Dimitri Durdaine, que faz com este filme a sua estreia no cinema), energia essa que está ausente em North Sea Texas. Contudo, surpreende também, a partir da saída de Paris, pela sua assustadora vulgaridade que nos remete para soluções dramáticas e formais características de uma telenovela (e que vão desde introdução a personagens que nada tem de verosímeis – mas que querem ter – a assassinatos gratuitos e mal justificados…).

Ora, se vimos Notre Paradis a querer fugir às convenções mais gastas do cinema queer (a saber: descoberta da sexualidade, o coming out ou a discriminação social negativa como obstáculo de um relacionamento amoroso), o também francês American Translation segue o mesmo objetivo e, curiosamente, através de afinidades dramatúrgicas com o primeiro. Desde logo porque anda em volta do sempre estimulante tema da obsessão sexual — em ambos os casos ligado à necrofilia. Se Notre Paradis quis entrar no terreno lamacento da “morte moral” (um prostituto que, consciente de que por causa da sua idade já não pode exercer a sua atividade, assassina clientes como vingança…), American Translation (fotografia em cima) parece assumir com felicidade que a pulsão pela morte (de prostitutos gay) por parte do protagonista é da ordem do estritamente animal.

Tal como o protagonismo se divide em dois (extraordinários Lizzie Brocheré e Pierre Perrier), a realização é também da responsabilidade de dois olhares: Pascal Arnold (que escreveu o argumento) e Jean-Marc Barr (ator, entre diversos outros filmes, de Dogville e de Manderlay, de Lars von Trier). Admire-se a frontalidade desta relação atípica e heterossexual, marcada pelo sexo e por uma desregulada paixão, sim, mas é de lamentar que American Translation não consiga sair do seu núcleo narrativo vazio e repleto de cenas assimétricas entre si (em credibilidade e utilidade à progressão dramática).


Já a Palma Queer do Festival de Cannes Beauty (título original: Skoonheid, fotografia em cima), segunda longa-metragem do sul-africano Oliver Hermanus, será recordada como um caso notável do festival — uma extraordinária obra de repressão social e sexual (neste caso de um homem conservador, homofóbico e casado atraído… pelo filho de um amigo). Partindo de duas magníficas interpretações (Deon Lotz, o protagonista, e Charlie Keegan, o objeto de atração sexual), Hermanus filma a vida em sociedade com uma contenção e obsessão hitchcockiana — por outras palavras: situando-nos sempre na iminência da violência e da tragédia de cairmos para o abismo. Filme de forte formalismo (o enquadramento de Hermanus é sempre pensado a rigor e fixado para se restar mais uns segundos do que pensamos ser necessário), sim, e também de perturbante realismo.

Nas curtas-metragens não houve nada de assinalavelmente bom: se não contarmos com a brasileira Eu Não Quero Voltar Sozinho (que pode ser vista aqui e foi opinada aqui), Deep End, do canadiano Bretten Hannam, e Coming Out, do sueco Jerry Carlsson, desiludiram por surgirem como anúncios panfletários pró-aceitação; por sua vez, Prora, do suíço Stéphane Riethauser, cansa pela sua banalidade (nem a provocação nazi, que lá está de modo forçado, salva o filme); e, por fim, Yearbook, do norte-americano Carter Smith, pretende personificar a câmara de uma sessão fotográfica para o livro de finalistas de liceu e a testemunha dos segredos dos estudantes que fotografa (segredos que estão ligados ao descuido pelos métodos contracetivos) — “curta” que acaba por nos marcar pelo seu tom surrealista (na reta final), mas que não convence por causa da sua brevidade. Recordaremos Performance Anxiety (trailer), do norte-americano Reid Waterer, como a mais despretensiosa (divertida mas razoável) curta-metragem, já que explora o momento em que dois atores heterossexuais se deparam com o facto de que terão que... simular sexo gay.

O festival exibiu também quatro longas-metragens que tivemos já a oportunidade de ver em Portugal no ano passado: The Ballad of Genesis and Lady Jane (vencedor do IndieLisboa, crítica aqui), o documentário I Am (crítica) e as ficções The Mountain (crítica) e Ausente (crítica), as três projetadas na passada edição do Festival Queer Lisboa.

sábado, dezembro 17, 2011

O filho de mil mulheres

Acompanhamo-lo como uma lenda viva e conhecemos o seu universo de fio a pavio. Mas com o tempo “ficou mais austero – quase japonês”, garante António Banderas. Ele é Pedro Almodóvar, que se revela com A Pele Que Habito, [que estreou no mês passado] entre nós. Este artigo foi publicado originalmente na revista Premiere (n.º 38 / Novembro 2011).
Quando a última edição do Festival de Cannes projectou e aplaudiu o thriller dramático A Pele Que Habito, sobre um cirurgião plástico que procura vingar-se da violação da filha, pairou a sensação de que o abandono do pastiche não era inesperado ou acidental (há dois anos, o melodrama com toques de noir Abraços Desfeitos fazia já pressentir uma viragem de retórica narrativa). No entanto, ao regressar, pela quinta vez, à secção competitiva do festival, Pedro Almodóvar admitiu, em conferência de imprensa, que, apesar da sua “vontade de aceder a outros géneros cinematográficos”, pensa que regressará ao género que o celebrizou em redor do mundo – a comédia pop

Tal como escreveu Thomas Sotinel, crítico de cinema do Le Monde, a relação dos franceses com o realizador foi sempre curiosa. Grande parte do público e da crítica viram-no como um pequeno fenómeno latino até 1988, ano em que estreia Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. Ainda três anos antes, Almodóvar criticara publicamente os programadores de Cannes de ignorarem o cinema espanhol. Contudo, esta comédia “nervosa” tornou-se no seu primeiro grande êxito de bilheteira. Em França, foi vista por cerca de 600 mil espectadores e, nos EUA, acumulou uma receita bruta de 7 milhões de dólares (aproximadamente 5 milhões de euros, o que equivale nada mais, nada menos que 10 vezes mais do orçamento com que o filme foi produzido). Foi também com esse filme que Pedro Almodóvar viu, pela primeira vez, uma obra da sua autoria ser nomeada para o Óscar de melhor filme estrangeiro (nesse ano, foi levado pelo dinamarquês Pelle, O Conquistador, de Bille August). Mais tarde, em 1999, Cannes render-se-ia por fim ao fenómeno almodóvariano, colocando Tudo sobre a minha Mãe em competição. Apesar do prémio para melhor realizador, Almodóvar não se contentou por não levado a Palma de Ouro (que galardoou os irmãos Dardenne com a sua Rosetta) e, para além de ter acusado David Cronenberg, então júri da competição oficial, de inveja (como recorda Thomas Sotinel em Masters of Cinema – Pedro Almodóvar), impediu que Fala com Ela (Óscar para melhor argumento) fosse seleccionado para a edição de 2002 do festival. 

Em vésperas do final do século XX, quando Cannes viu, pela primeira vez, um filme de Almodóvar, na verdade encontrava no ecrã uma síntese amadurecida do que havia sido o seu cinema até então. A crítica de cinema do LA Weekly Ella Taylor chegou a escrever, para o livro 1001 Filmes para ver antes de morrer, que Tudo sobre a Minha Mãe contém, não obstante o seu “tom mais contemplativo, sombrio e tranquilo” característico de obras como A Flor do meu Segredo (1995) e Fala com Ela, “sequências repletas de honestidade e balbúrdia à semelhança das obras iniciais do realizador” e uma “definição elástica de feminilidade proposta por Almodóvar e pelo seu espírito conciliador”. 

Efectivamente, a ligação entre a mulher como protagonista e Pedro Almodóvar parece ser indissociável (salvo raras excepções, como é o caso deste mais recente A Pele Que Habito, a ter, entre nós, antestreia na [passada] edição do Lisbon & Estoril Film Festival e estreia comercial [no] dia 17 de Novembro), desde logo na sua infância. Nascido em princípios dos anos 50 (não se conhece o ano exacto), em plena época de ditadura franquista e de opressão social e cultural (exibiam-se produções de Hollywood e, quando espanholas, eram sentimentalistas), Pedro foi o terceiro filho de António Almodóvar, um condutor de carroças, e de Francesca Caballero. Segundo o realizador revelou no dia depois da sua morte, em 1999, a mãe criara, tal e qual a longa-metragem Central do Brasil de Walter Salles (lançada um ano antes), um negócio que envolvia o processo de leitura e escrita de cartas (experiência que marcaria o cinema de Almodóvar que, de acordo com as suas palavras, lhe mostrou “como a realidade precisa da ficção para ser completa, mais agradável e tolerável”). Em Fevereiro de 1989, Carmen Maura, uma das actrizes que mais colaborou com o autor espanhol, revelou, numa entrevista publicada no Le Monde, que “o segredo de Pedro é a sua mãe”, uma “mulher trabalhadora” e humilde que “nunca quis ver os filmes do filho”, apesar de “se contentar com os prémios que vence e traz para ela”, tendo-os colocado na parede ou em cima da lareira. 

Este lado modesto da mãe, fortalecido por uma afectividade eminentemente latina com a qual o cineasta conviveu durante os primeiros anos de vida, poderá estar, eventualmente, na origem da sua forma de olhar a mulher contemporânea desde as primeiras e subversivas curtas-metragens que filmou com uma câmara Super 8, mesmo antes da queda do regime. A criação dos objectos fílmicos, cuja narrativa, baixíssimo orçamento e utilização de recursos denunciavam o seu amadorismo inerente, decorreu numa altura em que Pedro Almodóvar tinha acabado de deixar a família e passado a viver em Madrid onde era reconhecido como hippie (participava como figurante em filmes, vendia bugigangas flower power na rua, usava o cabelo comprido e convivia com um círculo íntimo de amigos composto por toxicodependentes e fãs de David Bowie). Viviam-se então os tempos fulgurantes da Movida, um entusiasmado movimento contracultura, liberal e underground que, para além de ter coincidido com a morte de Franco em 1975 e com a subida ao poder do socialismo na capital, confirmou Pedro Almodóvar como um dos seus protagonistas. Após se ter estreado, em 1978, nas longas-metragens, com Folle… Folle… Fólleme Tim!, Pedro Almodóvar deixou, dois anos depois, o amadorismo de parte e lançou-se para uma produção com maior organização e orçamento, cujo título Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo descortinava o núcleo principal de personagens femininas (e feministas) da narrativa. Curiosamente, o realizador resumiu o filme (enquadrado fora de competição no festival de cinema de San Sebastián) ao jornal espanhol El País como um “policial”, uma “comédia sobre mulheres”, um “filme pop” (por causa do seu “ritmo, superficialidade e luminosidade”) e um filme de Bergman e de Cukor, tudo ao mesmo tempo. A presença da mulher forte, superior e cáustica ficaria desde então reconhecida, até o dia de hoje, como uma distintiva dominante da sua obra – de tal modo que, em 2006, quando apresentou Volver – Voltar no Festival de Cannes, viu todo o seu elenco constituído predominantemente por mulheres receber um prémio conjunto de melhor interpretação feminina. 

Por sua vez, Volver – Voltar é um daqueles casos em que Pedro Almodóvar representa um dos seus temas mais queridos – o retorno às origens e ao passado. E, curiosamente, o autor reuniu-se aqui com grande parte das actrizes que dirigiu, colocando lado a lado aquelas que foram, com o tempo, apresentadas como as suas “musas”: Carmen Maura e Penélope Cruz. Nesta longa-metragem, o autor realiza um exercício de memória que relembra a sua mãe, a infância passada em La Mancha e as fortes imagens que lhe ficaram gravadas no pensamento nessa época (tomemos como exemplo o ritual da cena inicial, na qual um grupo de mulheres lavam, num cemitério, com fascinante energia, os jazigos dos familiares). 

Também Má Educação (que abriu, fora da competição oficial, a edição de Cannes de 2004) se assumiu como uma representação do passado autobiográfico de Pedro Almodóvar, ainda que numa esfera dramatúrgica completamente diferente. Regressando aos seus dez anos de idade (que foi, em boa verdade, o número de anos que precisou para escrever o guião), Almodóvar demonstrou como a sua adolescência foi assombrada pelo colégio religioso de Salesianos que frequentou. Tendo cantado a solo ao lado do coro de crianças (onde cantou uma versão da música napolitana Torna a Surriento, que é inclusive interpretada no filme, numa das cenas mais tensas), o então jovem Pedro testemunhou, com silencioso horror, casos de abuso sexual que foram denunciados em Má Educação

Contrariando as expectativas dos habituais espectadores, o realizador e argumentista afastou aqui, por inteiro, a presença da mulher – mas não da feminilidade. De facto, esta característica inédita permitiu que Almodóvar, declaradamente gay, explorasse, com mais profundidade, o seu imaginário queer, o que acabou por se materializar na representação da descoberta sexual, do universo da prostituição homossexual e dos travestis e respectivos espectáculos, com o actor Gael García Bernal a vestir, como um camaleão, diferentes papéis. Em filmes anteriores, o autor havia já abordado a questão da sexualidade não-normativa, como foram os casos de Tudo sobre a minha Mãe e, sobretudo, A Lei do Desejo (de 1987), filme inclusivamente anterior à vaga de produções que, em inícios dos anos 90, colocou em vários festivais de primeiro plano títulos que tratassem esta temática. 

A par da descoberta da sexualidade, Má Educação apresenta, de igual forma, a descoberta do cinema (como ocorreu com o realizador nos anos 60), colando-se a ele ao ponto de o tornar parte da narrativa (de certa maneira, estamos diante de um caso de um filme dentro de outro filme). No que toca às referências, Pedro Almodóvar nunca guardou segredos, confessando a sua admiração pelo visual de Rainer Werner Fassbinder, o lado absurdo, anticlerical e transgressor de Luis Buñuel e o burlesco de Federico Fellini. Para além do mais, será impossível deixar de reconhecer na sofisticação melodramática dos filmes do espanhol a influência decisiva que teve o cinema moderno de Alfred Hitchcock e a obra de Andy Warhol. Para verificarmos a sua inspiração basta, apenas, que atentemos nas cores agressivas, quentes e “espanholas” dos cenários e do guarda-roupa, e na direcção artística luminosamente kitsch e pop

António Banderas, personagem principal de A Pele Que Habito, garantiu numa entrevista à agência de notícia Reuters que Almodóvar “amadureceu como realizador e como pessoa”, tendo ficado “mais austero - quase japonês”. Hoje preparámo-nos, sem receios, para descobrir a nova pele que habita o autor e que elevou, depois de Carlos Saura, o cinema espanhol a outro patamar. E continuaremos a acompanhá-lo como uma lenda, cuja vida e obra parecem ainda ter muito que nos dar a ver. 

Uma obra entre colaborações

“Voltar a trabalhar com o Pedro foi como regressar às minhas raízes. Foi ele que fez a minha educação artística”, confessou António Banderas na conferência de imprensa de A Pele Que Habito na mais recente edição do Festival de Cannes. Com esta longa-metragem, o casamento profissional entre os dois foi realizado pela quinta vez, após se terem encontrado na última metade dos anos 80 em Matador (1986), A Lei do Desejo (1987), Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) e Ata-me! (1990). Mas esta é apenas uma das muitas colaborações que podemos assinalar no cinema de Pedro Almodóvar. Vem-nos à memória uma das mais antigas – entre ele e o próprio irmão Agustín, com quem fundou em 1985 a produtora El Deseo, que viria desde então a produzir todos os seus filmes. Logo depois, como uma inevitabilidade, a actriz-fetiche Carmen Maura, que participou em Folle… Folle… Fólleme Tim! (1985), Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo (1980), Negros Hábitos (1983), Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984), Matador, A Lei do Desejo, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos e, após uma misteriosa separação que perdurou por 17 anos, Volver – Voltar (2006). Por sua vez, Penélope Cruz, a sua “musa” mais recente, estreou-se na sua obra com Em Carne Viva (1997), tendo trabalhado ainda em Tudo Sobre a Minha Mãe (1999), Volver – Voltar e em Abraços Desfeitos (2009). Podemos ainda apontar nomes como Cecilia Roth (Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo, Labirinto de Paixão, de 1982, Negros Hábitos, Que Fiz Eu Para Merecer Isto?, Tudo Sobre a Minha Mãe e um papel de figurante em Fala com Ela, de 2002), Chus Lampreave (Negros Hábitos, Que Fiz Eu Para Merecer Isto?, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, A Flor do meu Segredo, de 1995, Fala com Ela, Volver – Voltar e Abraços Desfeitos) e Marisa Paredes (Negros Hábitos, Saltos Altos, de 1991, A Flor do meu Segredo, Tudo Sobre a Minha Mãe, um papel de figurante em Fala com Ela e, mais recentemente, uma colaboração em A Pele Que Habito). Também Blanca Portillo, Lola Dueñas e Lluís Homar são nomes que encontram alguma presença na obra de Pedro Almodóvar.

sexta-feira, setembro 30, 2011

7 memórias queer (6)

No contexto do festival Queer Lisboa João Lopes, crítico de cinema e co-autor do blogue Sound + Vision, escreve para O Sétimo Continente "7 memórias queer". Muito obrigado por esta valiosa colaboração.

1993 – M. BUTTERFLY, de David Cronenberg

A legenda talvez pudesse ser: “Mas afinal qual é o meu sexo?...”. Eis a questão: Song Liling (John Lone) é uma cantora da ópera de Pequim. Com a especificidade de, na tradição da ópera chinesa, todas as personagens serem interpretadas por homens. Quando o diplomata francês René Gallimard (Jeremy Irons) se apaixona por Song, que vê ele? O homem que faz de mulher? A Butterfly que é um homem? Ou a mulher que, sendo um homem, vive no interior do artifício codificado do espectáculo? Porque a história, qualquer história, passa por aí: o código dá prazer. E talvez que René (personagem verídica!), ignorando a duplicidade de Song, seja apenas esse amante trágico, anterior ao código, adorando na sua Butterfly um tempo primitivo, alheio à diferença sexual, envolvido numa totalidade maternal onde, a certa altura, se torna difícil respirar. Cronenberg, hélas!, não tem passado a vida a filmar outra coisa: chamemos-lhe a irrisão de qualquer diferença sexual. E que faz René? Perante o cruel vazio do desejo, assume, ele próprio, a personagem de Butterfly – é uma coisa sublime, quer dizer, próxima da nitidez da morte. Tenham medo. 

João Lopes

quinta-feira, setembro 29, 2011

7 memórias queer (5)

No contexto do festival Queer Lisboa João Lopes, crítico de cinema e co-autor do blogue Sound + Vision, escreve para O Sétimo Continente "7 memórias queer". Muito obrigado por esta valiosa colaboração.


1982 – VICTOR/VICTORIA, de Blake Edwards


Julie Andrews não interpreta exactamente uma mulher (Victoria) que se disfarça de homem (Victor). Na verdade, ela assume a identidade de um homem que finge ser uma mulher... Confuso? Sim, sem dúvida, e também devastadoramente divertido. No limite, Blake Edwards consegue colocar em cena, não apenas as fronteiras instáveis do bilhete de identidade sexual de cada um, como as suas permanentes ambivalências. Ou seja: Victoria não é tanto uma coisa ou outra... mas a sua peculiar acumulação. E neste exercício hiper-elegante, o cineasta é o primeiro a saber que o facto de Victoria (aliás, Victor, aliás, Victoria...) ser interpretada por Julie Andrews não é alheio à energia simbólica do filme e também ao seu subtil envolvimento emocional. Afinal de contas, ela foi durante muitos anos a imagem de marca de uma candura (também sexual) consagrada através de filmes como Mary Poppins (1964) e Música no Coração (1965). Mais ainda, estamos a falar de um casal: Blake e Julie eram casados desde 1969.

João Lopes

7 memórias queer (4)

No contexto do festival Queer Lisboa João Lopes, crítico de cinema e co-autor do blogue Sound + Vision, escreve para O Sétimo Continente "7 memórias queer". Muito obrigado por esta valiosa colaboração.


1971 – MORTE EM VENEZA, de Luchino Visconti

A história dos filmes, sobretudo dos mais “antigos”, pode e deve fazer-se também através das reacções e ideias que suscitaram no momento do seu lançamento: assim, hoje não temos medo do primeiro comboio filmado pelos Lumière, mas importa não esquecer que alguns dos espectadores de 1895 se desviaram nas cadeiras, receando ser atingidos pelo objecto “em movimento”. Algo de semelhante se pode dizer do filme de Visconti inspirado na novela de Thomas Mann (e, da parte do cineasta, na personalidade de Gustav Mahler): no momento da sua estreia, Morte em Veneza foi discutido menos como um ensaio sobre as ambivalências sexuais e mais como um exercício sobre a utopia de uma beleza radical – a de Tadzio (Björn Andresen), sob o olhar de Gustav (Dirk Bogarde). E talvez seja essa expressão, sob o olhar de, que, mais do que nunca, importa valorizar. Porque a visão de Gustav nunca é indiferente, muito menos assexuada; ao mesmo tempo, porém, há nela uma violência paradoxal que visa um tempo anterior a qualquer gesto sexual, uma espécie de neutralidade feliz de todas as formas de sexualidade. Bem sabemos que Gustav morre nessa contemplação, mas qualquer utopia tem um preço. 

João Lopes

segunda-feira, setembro 26, 2011

Queer Lisboa 2011 (7-9): O pai, as crianças e o par de botas

Este texto inclui a adaptação de dois textos publicados no Diário de Notícias - Brasileiros vencem 15.º Queer Lisboa (25/Setembro/2011) e Queer Lisboa 15 acaba hoje (25/Setembro/2011).

“Foi uma decisão muito difícil”, começou o júri por admitir, em comunicado oficial, que ontem à noite anunciou “Rosa Morena” (crítica aqui) como vencedor do prémio para melhor filme de ficção do Queer Lisboa 15. Primeira longa-metragem de Carlos Oliveira, a história acompanha Thomas, um arquitecto bem-sucedido dinamarquês que, após lhe ter sido negada a adopção de uma criança no seu país por ser homossexual, viaja para o Brasil com o intuito de comprar a gravidez de Maria, uma jovem das favelas de São Paulo. “Rosa Morena” conta com interpretações de caras conhecidas da televisão brasileira, como Vivianne Pasmanter. 

“Acabámos por decidir reconhecer o filme que mais nos desafiou e que levantou o maior número de complexas questões morais”, declarou o júri composto pelos actores Albano Jerónimo e Beatriz Batarda e pelo editor da revista de cinema Little Joe, Sam Ashby.

Os jurados atribuíram ainda, para o chileno Roberto Faria, o prémio de menção para melhor actor (pela sua interpretação como pugilista em “Mi Último Round”, crítica), e, para a alemã Corinna Harfouch (que protagonizou “Auf der Suche”, crítica), o prémio para melhor actriz. 

Por sua vez, “I Am” (crítica) foi o grande vencedor da secção competitiva para melhor documentário, que recebeu três mil euros da RTP2. Segundo as palavras do júri, composto pelo realizador de “José e PilarMiguel Gonçalves Mendes, Claudia Mauti e Franck Finance-Madureira, este é um “filme forte e ao mesmo tocante” que segue a crónica de viagem da realizadora Sonali Gulati que, no seu regresso à Índia, filma uma carta póstuma de amor à sua mãe a quem nunca se assumiu como lésbica, acompanhando várias famílias com filhos homossexuais. 

A ficção brasileira “Eu Não Quero Voltar Sozinho” (primeira foto), realizada por Daniel Ribeiro, e que versa a simples, bela e comovente história de amor entre um miúdo cego e o seu colega de escola, foi a escolha (justa) do público para a melhor curta-metragem. 

O Queer Lisboa projectou, durante nove dias, mais de 80 filmes (entre os quais se destaca o belo “Stadt Land Fluss” - crítica - que, aliás, foi, segundo o quadro de notas dos jornalistas afixado na área de imprensa do Cinema São Jorge, o favorito de quem votou) e encerrou ontem o seu 15.º aniversário celebrando o tema da transgressão com “Taxi Zum Klo” (1980, foto em cima), longa-metragem alemã de Frank Ripploh que, para além de a ter realizado, foi produtor, argumentista e interpretou o papel de protagonista. O filme, que é uma referência da cinematografia queer, é um acompanhamento agridoce das aventuras sexuais de Ripploh, descurando o papel do amor na sua vida. Apesar de relevante, ficámos com a sensação de que “Taxi Zum Klo” não foi a escolha mais acertada para encerrar o festival (ou qualquer outro). 

O último dia do Queer Lisboa 15 foi também assinalado pelo signo da família e das múltiplas possibilidades e formas do amor. E foi “Miss Kicki” (fora de competição, foto em baixo), projectado na sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge pelas 17.00 horas, quem fez as honras de abrir o programa. 

Assinado por Håkon Liu (que esteve presente na sessão), o filme retrata a ida a Taipei (em Taiwan) de Kicki, uma mulher sueca, na companhia de Viktor, o filho de 16 anos que mal viu crescer. Quando este se apercebe da verdadeira motivação da mãe (surpreender Mr. Chang, o seu namorado virtual e um homem de negócios que só conhece do que viu no ecrã do seu computador), a viagem atinge contornos inesperados.

Filme sobre o reaprender do amor (entre Kicki e Viktor), o seu desmoronamento (Kicki e Mr. Chang) e também a sua descoberta (Viktor e Didi, um jovem taiwanês), “Miss Kicki” vale sobretudo pela direcção artística absolutamente extraordinária (da responsabilidade de Chin Shih-wei e Liao Bing-yi) e pela notável interpretação de Pernilla August, a protagonista. De ressaltar, muito para além disso, a proximidade dos cenários com o próprio realizador, que em “Miss Kicki” se estreia no campo das longas-metragens (encontrando-se a preparar agora um segundo fime, “Kill me, Fuck me, Hug me”). Filho de uma norueguesa e de um chinês, Håkon Liu cresceu em Taiwan e estudou em Oslo, sendo actualmente professor de representação para cinema em Gotemburgo (Suécia). Numa edição anterior, o Queer Lisboa apresentou já “Lucky Blue” (2007), uma curta-metragem do mesmo realizador. 

Após um segundo programa de curtas-metragens inserido na secção “Queer Art” (às 17h00, na sala 3) e de “William S. Burroughs: A Man Within” (às 19.30 na sala 3), um documentário sobre o escritor de “O Festim Nú”, da autoria de Yoni Leyser, o festival gay e lésbico de Lisboa apresentou, às 18h00 e na sala 2, o terceiro episódio do “Queer Pop”, que dedicou as atenções ao cantor David Bowie e à sua androginia invulgar e característica, numa retrospectiva comentada pelos autores do blogue Sound + Vision de telediscos produzidos entre 1972 e 1999. 

Nos últimos três dias do Queer Lisboa importa destacar, de igual modo, a repetição de “Die Jungs vom Bahnhof Zoo”, documentário sobre prostitutos em Berlim que, apesar da sua importância social e política, não deixa de transparecer um fraco tratamento das imagens e dos factos; a projecção (antecedida por um teledisco que tudo tem de gratuito – “Revolving Door – New Fuck New York”) do extraordinário documentário “The Advocate for Fagdom”, que realiza uma retrospectiva comentada e bem montada da obra de Bruce LaBruce; e a exibição de “Contracorriente”, longa-metragem latino-americana que peca pelo seu sentimentalismo, interpretações e narrativa romântica e formatada, como se estivéssemos diante de uma absoluta telenovela. 

Relativamente às curtas-metragens, ressaltamos “Uniformadas”, filme espanhol de Irene Zoe Alameda sobre a solidão e a descoberta da sexualidade em tempos de infância com uma direcção artística e fotografia espantosas. Já “Vibratum Vitae” (foto em cima), escrito e realizado por Pedro Barão, deixou-nos com a impressão, não obstante de se encontrarem presentes algumas ideias cinematográficas fortes, de que o filme resultaria se não fosse o carácter hermético dos diálogos ou a tentativa de situar a dramaturgia em finais do século XIX (com uma fotografia e uma direcção artística que se anulavam entre si). 

O momento maior do Queer Lisboa 15 foi, no entanto, “The Life and Death of Celso Junior”, fundador do festival que fez uma apresentação inesquecível de si mesmo (foto em baixo) após a projecção do documentário grego de Panayotis Evangelidis, e pondo-nos a questionar sobre aquele que, afinal, é um dos grandes problemas do homem e que a maior parte dos filmes do festival tratou – a identidade.

quinta-feira, setembro 22, 2011

Queer pop (16/30): George Michael

 
“Outside” (1998), de George Michael 
Realização de Vaughan Arnell 

Um teledisco como resposta? É de certa forma uma ideia que pode fazer sentido através das imagens que vemos neste teledisco. Editado como single em 1998 (integrado depois no alinhamento da antologia Ladies and Gentlemen: The Best Of George Michael), Outside evoca o caso que envolveu o músico, quando foi surpreendido por um agente à paisana numa casa de banho de Los Angeles. 

O teledisco, assinado por Vaughan Arnell, começa por mostrar uma sequência que parece saída de um filme porno dos anos 70. Um corte abrupto leva-nos a uma acção policial (talvez semelhante à que envolveu o cantor), daí a câmara partindo para uma viagem voyeurística pelos espaços da cidade, cruzando esses planos com outros, captados numa casa de banho entretanto transformada em discoteca. E com George Michael de uniforme...

Queer Lisboa 2011 (6): O amor em tempo de colheita

No sexto dia do festival de cinema Queer Lisboa 15 viajamos para a Alemanha que não é nem urbana ou berlinense. Muito pelo contrário, a primeira incursão de Benjamin Cantu (nascido em 1978 na Hungria) nas longas-metragens de ficção é um olhar íntimo sobre uma quinta no vale de Nuthe-Urstrom, a 60 quilómetros de distância da capital, e que serve em Harvest (título original: Stadt Land Fluss, que remete, com mais ou menos ironia, para o nome alemão e categorias – cidade, país, rio – do jogo infantil “stop!”) de paisagem para a improvável história de afectos que se desenvolve. Observando, com tom impressionista e contemplativo, um grupo de jovens estagiários que ambicionam receber o título de agricultores, a narrativa acaba por se focar nos sentimentos que natural e progressivamente os solitários Jacob (Kai-Michael Müller) e Marko (Lukas Steltner) vão nutrindo um pelo outro em época de colheita. Adequando-se à placidez do campo, é através de um ritmo sereno que Benjamin Cantu, que praticamente filmou sem actores profissionais, constrói este drama sedutor sobre o amadurecimento e a descoberta do amor. Sem dúvida a maior revelação, na área das longas-metragens de ficção, da 15.ª edição do festival gay e lésbico de Lisboa, Harvest foi exibido ontem, às 22h00, na sala 1 do Cinema São Jorge, contando hoje com repetição, às 17h00. 

De Florent: Queen of the Meat Market, sobre um restaurante que desempenhou um papel relevante no activismo pelos direitos da comunidade LGBT, não encontrámos nem cinema nem uma forma apelativa de documentar uma realidade passada, parecendo apenas que o realizador (David Sigal) filmou, com pouco talento, Florent (que fechou em 2008) para reforçar a nostalgia de quem o frequentava. Já do documentário Island, só podemos falar bem: Ryan Sullivan constrói a narrativa da sua vida, contando-nos como o irmão foi expulso de casa por ser gay e como Sullivan, sete anos depois, viaja até o mundo da pornografia da Treasure Island Media. 

Do primeiro programa de curtas-metragens, temos apenas a destacar “Chasse à L’Homme” (Stéphane Olijnyk), sobre a perigosa ligação de desejo entre um terrorista e um agente da Unidade de Intervenções Especiais, e “Spring” (Hong Khaou), que explora o fetiche próximo da morte.

quarta-feira, setembro 21, 2011

Queer Lisboa 2011 (5):
Mostrar o não-normativo com o não-normativo

O quinto dia da 15.ª edição do Queer Lisboa começou com uma curiosa e íntima carta de amor e de arrependimento, “I am” – i am Sonali Gulati (a realizadora), ou i am a lesbian, que, muito essencialmente, é o tema central deste documentário invulgar e, em dados momentos, comovente. Crónica social e política, o filme acompanha não só a viagem realizadora à Índia após a morte da mãe (a quem nunca se assumiu) como também retratos de várias famílias com filhos gays e de lésbicas. 

Apesar do dia ter sido preenchido com produção cinematográfica menos mainstream, a estreia de “Romeos”, filme sobre um jovem transgénero na sua fase de descoberta sexual, mostrou como a narrativa consegue ligar um lado pedagógico e, ao mesmo tempo, com a pretensão de se dirigir para o grande público. Apesar da realização e argumento de Sabine Bernardi não ter grande mérito (há um exagero melodramático que roça, demasiadas vezes, uma pulsão meramente televisiva – para não dizermos própria de uma telenovela), reconhecemos como excepcional a prestação de Rick Okon, que interpreta a personagem de Lukas. 

Pelo contrário, “In the Woods” (título original grego: Mesa Sto Dasos) fica na memória como a surpresa mais desagradável do Queer Lisboa 15. A sessão decorreu às 22h00 maior sala do São Jorge (Manoel de Oliveira) e, durante a hora e meia de filme, mais de oitenta pessoas (!) saíram a meio da projecção, havendo ainda lugar para uma estranha declaração de um espectador frustrado, que, antes de pedir desculpas, afirmou que “o atrasado mental que seleccionou isto deve estar a gozar connosco”. 

Comecemos por ignorar, antes de tudo, as considerações sobre o filme e a indignação do público para denunciar aquilo que é, muito simplesmente, um erro de programação. “Mesa Sto Dasos” não tem qualquer ponta de dramaturgia (salvo uma breve ligação que podemos fazer nos últimos momentos), clássica ou não convencional, apresentando-se apenas como uma obra experimental, digamos um exercício de estilo (de Angelos Frantzis), que segue a relação de desejo e afectos de três jovens, e que acabam por se relacionar sexualmente uns com os outros. O facto é que “Mesa Sto Dasos” (sendo bom ou mau, isto para agora não interessa), não tendo narrativa não tem o único requisito necessário para estar presente na competição para uma longa-metragem de ficção (por que não a secção Queer Art ou uma sessão especial?). Seleccioná-lo, por isso, para a sala e para o horário mais concorridos demonstra não apenas incongruência como também uma opção que é anti-público (ou, pelo menos, “grande público”). 

Por sua vez, “Meso Sto Dasos”, considerado meramente como objecto de expressão artística, tem um impacto surpreendente e interessante, sobretudo nas partes iniciais e finais (ressaltemos o papel da fotografia, que foi, também, da responsabilidade do realizador). No entanto, o deslumbre meramente estético não salva, nem de longe, nem de perto, a longa-metragem, que é constituída por um conteúdo profundamente intrincado, fechado em si mesmo (sem saber como comunicar para o espectador) e emproado.

terça-feira, setembro 20, 2011

7 memórias queer (3)

Durante o festival Queer Lisboa João Lopes, crítico de cinema e co-autor do blogue Sound + Vision, escreve para O Sétimo Continente "7 memórias queer". Muito obrigado por esta valiosa colaboração.

1959 – BEN-HUR, de William Wyler 

A relação entre o judeu Ben-Hur (Charlton Heston) e o romano Messala (Stephen Boyd) entrou para a história da cinefilia queer como um caso que envolve, de uma só vez, a sugestão erótica e a ambivalência figurativa. O escritor Gore Vidal, um dos argumentistas (não creditado no genérico), recordou a situação no documentário The Celluloid Closet, de Rob Epstein e Jeffrey Friedman [video]. Não se tratou de criar um aparato panfletário (em boa verdade, temática e esteticamente inconcebível em Hollywood de finais dos anos 50), mas sim de jogar com as convenções da superprodução épica (e bíblica!) para introduzir algumas nuances que contaminam o essencial. A saber: os corpos e os olhares dos actores. Olhando agora para estas imagens, deparamos com uma subtil perturbação dos códigos masculinos dominantes na época que talvez não possa ser separada de toda uma reconversão da(s) sexualidade(s) que que os filmes também começavam a integrar. Veja-se, nos nossos dias, a admirável memória crítica dessa mesma época que é a série Mad Men

João Lopes


Queer Lisboa 2011 (4): Um confronto com o passado e o presente

O Queer mostrou ontem não ser apenas um espaço de divulgação meramente cultural. Num dos dias em que não apresentou “noites hard”, principiou-se a projecção de filmes no âmbito da intersexualidade e respectiva representação visual. Documentário profundamente panfletário, “Working on it”, apesar do seu lado pedagógico, é preguiçoso na forma como comunica com o espectador, limitando-se a ligar a câmara e apontá-la para as declarações e convívio dos seus 15 protagonistas. Pior ainda (e levando a ideia de cabeças falantes ao extremo) só mesmo a curta-metragem que se seguiu, “Gender Trouble” (Roz Mortimer), que retrata alguns casos que (ultra)passam problemas de identidade e de género, sobrepondo-os a um mosaico inconsequente de imagens e padrões variados. 

Por sua vez, o documentário australiano que antecedeu esta sessão, “Shut up Little Man! An Audio Misadventure” (Matthew Bate, foto), dá uma lição de cinema documental – preenchido com ritmo consistente e ponderado, sem deixar de ser elucidativo, rigoroso e reflectir as consequências de um caso passado na contemporaneidade. Essencialmente, “Shut up Little Man!” acompanha a divulgação e partilha viral de cassetes com a gravação das discussões tidas por um dois homens consumidos pelo álcool (um deles homofóbico), na era pré-Internet. 

A noite terminou com a longa-metragem “Fjellet” (internacionalmente divulgada como “The Mountain”), seguida da curta experimental “Exercício n.º 3”, vinda da Escola Superior de Teatro e Cinema e assinada por Isabel d’Escragnolle-Taunay (que, apesar de uma presença convincente de Susana Chaby-Lara, nos deixou a impressão de que o mote da confusão emocional deixou transparecer um resultado que nada mais é que confuso). Por sua vez, “Fjellet” acabou por demonstrar, apesar do seu olhar belo e contemplativo (de Ole Giæver), uma dramaturgia pobre, básica e pouco convincente (fruto, da mesma maneira, das interpretações de Ellen Dorrit Petersen e Marte Magnusdotter Solem).

Queer Pop (15/30): Rosin Murphy


Movie Star (2007), de Roisin Murphy 
Realização de Simon Henwood 

Há telediscos que nos dizem que gostam de cinema. The Universal, dos Blur, gosta de Kubrick. Já This Is Hardcore, dos Pulp, gosta das memórias dos filmes clássicos de gansters mas, também, da cor do cinema de Douglas Sirk... Movie Star, teledisco assinado por Simon Henwood, gosta de John Waters. E coloca em cena, em volta da figura de Roisin Murphy, uma pequena multidão de figuras que poderiam ter saído dos filmes deste realizador, não faltando quem evoque a memória de Divine. 

Movie Star foi um dos singles extraídos do alinhamento do álbum Overpowered, o segundo a solo na obra de Roisin Murphy (em tempos a voz dos Moloko). A canção junta uma alma pop a uma pujança dançável que dela faz um dos momentos ainda hoje vibrantes do alinhamento desse disco de 2007.

segunda-feira, setembro 19, 2011

7 memórias queer (2)


Durante o festival Queer Lisboa João Lopes, crítico de cinema e co-autor do blogue Sound + Vision, escreve para O Sétimo Continente "7 memórias queer". Muito obrigado por esta valiosa colaboração.

1953 – OS HOMENS PREFEREM AS LOURAS, de Howard Hawks 

A loura era Marilyn Monroe, como sabemos (e como Madonna, hélas!, nos recordou, através do incontornável teledisco de Material Girl, lançado em 1985). Mas importa não esquecer a morena, Jane Russell, afinal a personagem realista desta vertiginosa comédia dos sexos. Que sexos? Pois bem: o “masculino”, o “feminino” e... os outros. Afinal de contas, Hawks já contava na sua admirável filmografia com saborosos antecedentes como Duas Feras (1938), O Rio Vermelho (1948) e A Culpa Foi do Macaco (1952). Numa cena emblemática, e de emblemática ambiguidade, Russell cantava uma canção de suave e muito romântica demanda amorosa, devidamente intitulada Ain't there anyone here for love? (Hoagy Carmichael / Harold Adamson), surgindo a sua deambulação sensual devidamente enquadrada por uma sereníssima iconografia gay, tão festiva quanto… natural. Moral da história: é sempre bom regressarmos à idade da inocência de Hollywood, antes das perversões do digital. 

João Lopes 

sábado, setembro 17, 2011

Queer Lisboa 2011 (1): O clamor da transgressão

Decorreu ontem a gala de abertura da 15.ª edição do Queer Lisboa, na sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge. Depois dos teasers da peça de teatro Silenciados (encenada por Gustavo Del Río), que anteviu uma utilização desadequada da música e das imagens projectadas, seguiram-se os discursos esperados de figuras como Albino Cunha, presidente da Associação Janela Indiscreta que organiza o festival de cinema, João Ferreira, director artístico do Queer Lisboa, Ana David, também da direcção do festival e a actriz Beatriz Batarda, que integra o júri da secção competitiva do prémio para longa-metragem. Subiram ao palco outras figuras como Albano Jerónimo, Claudia Mauti, Franck Finance-Madureira, Nuno Galopim ou João Lopes

Por fim, o filme da noite. “Uivo” é, simultaneamente, o título desta longa-metragem de Rob Epstein e Jeffrey Friedman e do poema (escrito em 1955) que celebrizou para a posterioridade, pela controvérsia e processo judicial provocados pela sua acusada obscenidade, Allen Ginsberg (interpretado por um talentoso James Franco que declara, uma vez mais, o seu gosto por personagens outsiders). 

Há, infelizmente, algo em “Uivo” (filme) que falha profundamente ao tentar representar a liberdade de “Uivo” (poema). Entre os planos simples (mas demonstradores de uma extraordinária representação) de James Franco a declamar a criação do poeta da geração beat na Six Gallery (São Francisco) e as sequências animadas surrealistas que acompanham grande parte da recitação preferimos os primeiros – muito simplesmente porque a utilização do desenho pareceu demasiado impositivo e anulador de uma interpretação mais livre do espectador. 

Não obstante as opções profundamente desapropriadas da fotografia e variações da saturação e os momentos com grande quebra de ritmo há instantes, sobretudo na segunda parte do filme, merecedores de atenção, quer nas cenas de tribunal como de declamação de “Uivo” (diz-nos João Lopes, no Sound + Vision, que “a obscenidade de que Ginsberg foi acusado deu lugar à "maquinaria da noite", abrindo as vias misteriosas e universais do sagrado”, signo com o qual nos despedimos de “Uivo”). 

O filme estreia nas salas de cinema UCI no dia 22 deste mês. 

Depois do “Uivo”, a festa no foyer do piso superior do cinema São Jorge. Com um bar aberto patrocinado pela Absolut Vodka e pela Jameson, os convidados puderam conviver acompanhados da música do DJ António Almada Guerra.

7 memórias queer (1)


Durante o festival Queer Lisboa João Lopes, crítico de cinema e co-autor do blogue Sound + Vision, escreve para O Sétimo Continente "7 memórias queer". Muito obrigado por esta valiosa colaboração.

1935 – SYLVIA SCARLETT, de George Cukor
Se é verdade que existe uma paisagem queer no interior da história do cinema, talvez seja necessário descrevê-la como algo mais do que um capítulo dedicado a outro(s) sexo(s). Porquê? Porque a própria sensibilidade queer resiste a essa catalogação fechada: há nela um desejo de pluralidade que, através da sexualidade, nunca é estranho à proliferação das formas & narrativas. Katharine Hepburn, em Sylvia Scarlett, talvez possa ser um caso emblemático. Poderemos “contextualizá-lo” a partir da homossexualidade de George Cukor e da forma discreta como ele a viveu nas suas gloriosas décadas de Hollywood. Mas o enquadramento “biográfico” não basta. O que mais conta é que, nesta aventura visceralmente romântica, a passagem de Sylvia (Hepburn) para “Sylvester” actua nesse lugar sempre exposto que é o corpo do actor, aliás, da actriz. E ficamos a saber que a identidade de Sylvia integra todas as ambivalências que nela habitam. 

João Lopes 

sexta-feira, setembro 16, 2011

Queer Lisboa comemora 15 anos celebrando a transgressão

Começa hoje no Cinema São Jorge a 15.º edição do Festival Gay e Lésbico de Lisboa, o Queer Lisboa, sob o signo da transgressão. A confirmá-lo estão os filmes de abertura e de encerramento (“Taxi zum Klo”, filme alemão de 1980 de Frank Ripploh e que, segundo o comunicado de imprensa, “transgride, não apenas os cânones estéticos e narrativos cinematográficos, como transgride as normas vigentes de sexo, de sexualidade e de género”). 

A abrir o festival está a longa-metragem está “Uivo”, de Rob Epstein e Jeffrey Friedman e com James Franco a encarnar o poeta norte-americano da geração beat Allen Ginsberg. Poderemos vê-la em antestreia hoje às 21 horas na Sala Manoel de Oliveira. Esta ficção estreia no dia 22 de Setembro deste ano nos cinemas UCI. 

Esta edição do festival mais antigo da capital conta com 84 filmes, a maioria dos quais (20) sendo norte-americanos. Este ano poderemos encontrar, para além das sessões especiais (3 longas-metragens), do Panorama (4 filmes), do Queer Art (15), do Assume Nothing: Intersexualidade e Representação Visual (7) e Noites Hard (11), três secções competitivas. 

Como júri da secção para a melhor longa-metragem (10 filmes em competição) encontram-se a actriz Beatriz Batarda (podemos descobri-la, actualmente em exibição nas salas de cinema portuguesas, a protagonizar “Cisne”, de Teresa Villaverde), o actor Albano Jerónimo e o editor da revista de cinema queer Little Joe, Sam Ashby

Por sua vez, na secção para o melhor documentário (10 filmes em competição), o júri é composto pelo realizador de “José e PilarMiguel Gonçalves Mendes, pela co-programadora do Milano MIX Festival, Claudia Mauti, e pelo jornalista e responsável pela criação e organização da Queer Palm no Festival de Cannes, Franck Finance-Madureira

Já o prémio para melhor curta-metragem (22 filmes em competição) será seleccionado pelo público. 

Da responsabilidade de Nuno Galopim poderemos ver uma secção Queer Pop que exibirá três programas de telediscos – retrospectivas de Kylie Minogue e David Bowie e um panorama 2010 / 2011.

Organizado pela Associação Cultural Janela Indiscreta, o Queer Lisboa é dirigido por João Ferreira, Ana David e Cláudia Craveiro. A programação esteve nas mãos do director artístico João Ferreira, Nuno Galopim e Ricke Merighi

Segundo o Queer Lisboa, “o Festival conta a RTP2 como Televisão Oficial, sendo o Prémio da Competição para o Melhor Documentário, no valor 3 mil euros, atribuído por este canal, pela compra dos direitos de exibição do filme vencedor”. Já “o Prémio da Competição para a Melhor Longa-Metragem, no valor de mil euros, é patrocinado pela Absolut Vodka”. A Jameson patrocina, também com mil euros, “o Prémio da Competição para a Melhor Curta-Metragem”. Foi anunciado, da mesma forma, que “o Queer Lisboa 15 tem um custo global estimado em 179 mil euros, sendo que 89 mil e 500 são cobertos por apoios financeiros directos, e o restante valor, por apoios indirectos e logísticos”. 

Uma novidade interessante é que, neste ano, o Queer Lisboa associou-se à MUBI, portal online de vídeo-on-demand de filmes clássicos e independentes e rede social cinéfila, para exibir, gratuitamente e no dia seguinte ao da projecção no festival, uma selecção de filmes (maioritariamente curtas-metragens) do festival. 

Na edição número 15 do Queer Lisboa poderemos visitar a instalação “Mansfield 1962”, de William E. Jones, que poderá ser vista… no WC masculino do rés-do-chão do Cinema São Jorge. 

Silenciados”, “espectáculo de teatro físico que conta a história de cinco pessoas assassinadas por discriminação em relação à sua orientação sexual”, mostra o Queer Lisboa para além do cinema exibido. A peça espanhola poderá ser vista este fim-de-semana às 21 horas, na sala 2. 

Durante os próximos dias, farei cobertura dos filmes exibidos pelo festival, apresentando-os com um lado expressamente opinativo. O crítico de cinema e co-autor do blogue Sound + Vision, João Lopes, colaborará com O Sétimo Continente publicando, durante a semana de vida do festival, "7 memórias queer".

Poderão consultar nesta publicação o programa completo do festival.