sexta-feira, agosto 31, 2012

Morangos com Açúcar – que filme???


Se havia dúvidas sobre que título recente poderia concorrer ao rótulo de pior filme português alguma vez realizado eis que Hugo de Sousa nos faz o favor de as tirar com a sua nova longa-metragem (o título Morangos com Açúcar é acompanhado por uma curiosa designação: O Filme, como se ele próprio nem acreditasse nisso)... Um acontecimento que é, portanto, do ponto de vista histórico, quase revolucionário! 

Recuso, contudo, tomar este espetáculo de miséria humana como uma bad joke, uma brincadeira sobre a qual não podemos fazer mais nada senão soltar umas gargalhadas mais ou menos previsíveis. Tal como recuso aceitar que objetos insuportáveis como este em particular não sejam alvo de uma atenção pelos profissionais que estão destinados a pensar (e escrever sobre) qualquer tipo de cinema. Considero, aliás, vergonhoso que tenha lido (visto ou ouvido) apenas uma ou duas vozes sobre o que é e o que significa Morangos com Açúcar – O Filme, como se, por ser o objeto que é (a extensão de uma telenovela dedicada a pré-adolescentes e adolescentes), desmerecesse por isso qualquer reflexão. Pois então: nada de mais errado! Pensar a cultura é também pensar nos múltiplos vértices que a constituem – e, sim, mesmo aqueles que nos parecem atacá-la diretamente. A função de um crítico de cinema deve ser também essa: situar-nos, com um determinado objeto, num certo panorama e contexto social, político e estético. E não, como aconteceu com Morangos, pura e simplesmente ignorar a sua existência. 

Não será difícil prever que estamos perante o potencial maior fenómeno de bilheteiras (no que respeita a uma produção nacional) que conheceremos nos últimos tempos. Quando, há um ano, houve grandes regozijos porque Sangue do meu Sangue teria sido o filme português mais visto de 2011 esquecemo-nos de que estávamos a falar, praticamente, de... 21 mil espectadores. Apesar de reconhecer que é um número que não significa, a longo prazo, absolutamente nada, é impossível não pensarmos num público que reconhece, ainda, um monstro no que diz respeito ao cinema feito em Portugal. Um monstro sobre o qual tem medo, sobre o qual aponta o dedo tomando como argumentos (mais do que esgotados) o “péssimo” modo de financiamento do ICA, o suposto hermetismo das obras que estreiam todos os anos e, por conseguinte, o modo como impera a crença de que os filmes portugueses não se cansam de ser chatos, aborrecidos e – importa o mais importante – “parados”... 

Não se trata, agora, de defender ou lutar contra esse monstro – o “cinema português” –, mas de reconhecer a existência de uma porção do público (demasiado, demasiado grande) que se envergonha (!) da produção nacional pelos motivos apontados. Será fácil perguntarmos a alguém, sem relação com o cinema, se tem algum conhecimento sobre o cinema feito em Portugal. E não nos admirará se o nome de Manoel de Oliveira vier à baila (porque, enfim, é o “realizador mais velho do mundo”) e achar que o seu modo de fazer cinema se resume em ligar a câmara apoiada num tripé e ir passear para beber um café... 

Morangos com Açúcar – O Filme vem, então, contra esse modo “chato” de filmar, apresentando-se mesmo como o resultado de um dos mais populares produtos de ficção produzidos sob a chancela da TVI (como se, aliás, o facto de ser popular fosse confirmar a sua inegável qualidade). A verdade é que não há ninguém suficientemente ingénuo (acredito eu) que se empenhe em legitimar as suas qualidades, como também é certo que são mais os detratores cujo passatempo passa por desacreditar um filme que não viram nem tencionam ver – embora, enfim, seja essa a sua profissão (digo isto sem querer regressar ao tema dos jornalistas e críticos de cinema em Portugal). 

E, de facto, é na muito fácil "falar mal" quando falamos de um objeto que surge como o culminar de anos de banalidade. Mais fácil ainda me parece esquecê-lo, exatamente pela sua condição de "filme mau". No entanto, importa perceber o que significa vermos este autodenominado filme, que na verdade nos parece: 

1. Uma coleção de figuras mais ou menos conhecidas da série televisiva que surgem só para marcarem uma presença. “Ali está o Pipo! E ali o Zé Milho!” 

2. Uma galeria de trabalhos performativos absolutamente medíocres e superficiais. Sente-se, nalguns, uma espécie de tensão entre aquilo que são / podem ser e aquilo são obrigados a fazer. É, por exemplo, o caso da atriz Sara Matos (que interpreta o papel da protagonista). 

3. Uma reunião de arquétipos plásticos sem alma. São personagens vazias de contradições e de humanidade, que se circunscrevem ao trabalho de saltar, dançar e cantar e às funções de “amiga que precisa de tempo para a relação”, de “miúdo que tem um fraquinho pela instrutora”, de “mulher independente que é difícil com os homens”, de “guitarrista dedicado ao trabalho”... 

4. Uma sucessão de cenas sem qualquer sentido de progressão dramática. São poucas as cenas que parecem acrescentar algo ao primeiro arco narrativo. Em vez disso, preferem repetir momentos anteriores. 

5. Uma sequência de cenas que, sem qualquer entendimento de pudor, têm apenas uma função: servir de breves spots publicitários. Não, não estamos a falar de product placement, mas de algo de bárbaro: uma cena em que, apenas, vemos duas amigas a trocar o Cornetto da Olá que estão felizes a comer, ou outra cena em que um rapaz, para impressionar a rapariga que gosta, se pulveriza com determinação com o desodorizante Axe. Para além destes momentos, surgem personalidades transformadas elas mesmas em “marcas”. É o caso do cantor David Carreira, que surge pela primeira vez a ouvir, no seu automóvel, nada mais que o seu single de estreia, Esta Noite

6. Um filme que não dá lugar para a verdade sobre as emoções. Em vez disso, sustenta-se num inventário de lugares-comuns formais. Um exemplo: a protagonista que pensa na relação amorosa olhando, sofredora, para o pôr-do-sol no mar, acompanhada pelo exibicionismo de travellings em grua, que se aproximam do seu rosto. Serão estes, afinal, os elementos “cinematográficos” que faltam à produção televisiva (portanto: apressada) que “O Filme” prometia?? 

7. Um combinado de músicas populares com letras abominavelmente mal-escritas – o que não importaria muito se a letra ou o ritmo não quisessem ter sentido dramático (mas querem ter) e se o filme não fosse um compêndio de momentos musicais. 

8. Uma rejeição absoluta do realismo e da verosimilhança – não devida ao seu género (o musical), mas ao escapismo de feira que a montagem de videoclip quer concretizar (não nos admira os slow motion nos momentos mais intensos ou, pelo contrário, o fast motion quando se quer demonstrar a passagem do tempo). Para além do mais, os menos atentos aperceber-se-ão da péssima montagem de som que muitas vezes não está sincronizada com a imagem, fortalecendo a ideia de artifício (não intencionado). E, também, de um pensamento descuidado sobre a luz (de repente, num quarto escuro, sentimos a presença alarmante de um projetor que dá luz, como uma assistência divina, ao rosto do ator que fala). De facto, o trabalho sobre a transparência no cinema clássico de Hollywood parece aqui uma miragem. Por isso, este Morangos com Açúcar é, como se não bastasse, um trabalho com algumas incompetências técnicas.

9. Um esquecimento completo da memória do cinema, como se "O Filme" fosse o início de uma nova era para o cinema e se reduzisse a (querer) emular os telefilmes do Disney Channel. É bom relembrar que Morangos trabalha uma visão sobre a juventude que está longe (longe, longe, longe...) da necessidade de falar sobre a idade que se fazia sentir nos filmes de Nicholas Ray (como Os Filhos da Noite ou Fúria de Viver) ou, mais admiravelmente, de Elia Kazan (lembremo-nos de A Leste do Paraíso ou de Esplendor na Relva). 

Eis onde chegamos: uma corrida de adolescentes (ou de adultos a fazer de) estúpidos, sinal do deslumbramento de mensagens publicitárias corretamente incorretas (alguém falou na publicidade da Sumol? ou na das inúmeras operadoras de telemóveis?). Sinal, também, que os nossos governantes não estão minimamente interessados em refletir sobre o degredo, moral e artístico, que sufoca a televisão portuguesa (e que, por sua vez, ocupa, andando de bicos de pés, as salas de cinema). Em vez disso, as distrações estão hoje desviadas para um possível encerramento da RTP2 (!!!!). 

Morangos com Açúcar – O Filme representa isso: o total domínio da telenovela no registo dramático e estético nas produções televisivas portuguesas e, por outro lado, o absoluto esquecimento do governo em pensar o vírus que tem infestado aquilo a que chamamos de “serviço público”. Digam-me agora que não, não importa falar, nem ver, nem pensar os Morangos...

terça-feira, agosto 14, 2012

Em Busca do Cinema Perdido (5)
As Lágrimas Amargas de Petra von Kant e Lágrimas e Suspiros — Fassbinder, Bergman e o retomar da linguagem teatral em direcção à modernidade


Em Busca do Cinema Perdido, que pretende ser uma rubrica que recupere filmes e realizadores que já não são nossos contemporâneos e que, de uma maneira ou de outra, permaneceram na história do cinema, contará, a partir desta publicação, com algumas colaborações de Rúben Gonçalves, já nosso conhecido. Este texto foi realizado no âmbito da unidade curricular História do Cinema IV (2012), leccionada por Luís Fonseca, da Escola Superior de Teatro e Cinema.
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A realidade e o cinema; as raízes de Fassbinder e Bergman no mundo do teatro, e sua importância para a carreira no cinema 

Pensar o cinema equivale sempre a pensar, de alguma forma, a sua relação com a realidade, ou não fosse a experiência de assistir a um filme algo simultaneamente curioso e intrigante, por tudo aquilo que o gesto de renunciarmos temporariamente àquilo que aceitamos como sendo a realidade - local onde as nossas acções têm inevitavelmente consequências, caracterizado pela irreversibilidade do tempo, ausência de possibilidade de repetição de um acontecimento nas circunstâncias em que primeiramente se deu, e por todas as óbvias limitações inerentes à nossa própria condição, que nos impõe, no contacto com o outro, seja ele paisagem ou evento humano, a necessidade de ocuparmos uma posição que, embora mutável, nos oferece sempre, e unicamente, uma perspectiva da qual não nos conseguimos evadir; em suma, ocupamos sempre, de cada vez, um lugar no espaço e no tempo, e noções como a omnipresença ou omnisciência soam involuntariamente como alheias a tudo o que encaramos como a convencional experiência humana, porquanto seja indiscutível que dela tenha brotado a ânsia por estas modalidades de existência e conhecimento - para a substituirmos por uma mentira fabricada, um universo do qual não fazemos parte, acarreta: se é verdade que ao assistir a um filme o nosso papel não se reveste de uma completa passividade, uma vez que a compreensão de uma narrativa cinematográfica depende, como a compreensão de outras formas de arte, das nossas "skills of inference, memory and imagination" (Bordwell:106) enquanto espectadores, e o nosso envolvimento com aquilo que vemos é já, por si, uma forma de participação, não podemos deixar de reconhecer que o acto de ver um filme parece conter em si um valor duplamente apelativo: o de potencialmente ultrpassarmos as nossas limitações físicas e adquirirmos faculdades que, se não são aquelas supra-citadas, nomeadamente, a omnipresença e a omnisciência, aspiram a sê-lo, e o de podermos presenciar o infortúnio ou tragédia alheios, bem como as suas consequências, sem que nos seja exigido, em momento algum, que ajamos de alguma forma para os suavizar ou resolver, pormenor que permite que satisfaçamos a nossa curiosidade pelo mórbido sem que soframos qualquer tipo de prejuízo pessoal: as personagens da tela surgem sempre dentro de um determinado enquadramento, do qual nunca deixamos de estar conscientes, e a nossa relação com o que lhes acontece é assim análoga àquilo que sentimos relativamente às figuras que nos visitam em sonhos, no momento em que acordamos: toda a felicidade ou desventura que derivamos desses episódios é sempre matizada pela certeza de ter sido ilusória - porque sem reais consequências naquilo que constitui para nós (e para os que nos rodeiam) a realidade -, e apenas possível num estado de suspensão da nossa relação com o mundo como em geral o consideramos, embora aquilo que tenha acontecido enquanto dormíamos decorra sempre da realidade (ou da ideia que construímos dela). Assim, podemos pensar a relação do cinema com a realidade segundo dois critérios: ontologicamente, como acabamos brevemente de o demonstrar, ou historicamente, evocando os seus primórdios e a estreita relação que mantinha com a linguagem teatral, ou atentando no cinema ao chegar à sua própria modernidade e interessando-se por uma ""subjective" or "expressive" notion of realism" em que o cinema "aims to exhibit character" (Bordwell: 207), num interesse pelas personagens que leva Bordwell a estabelecer uma analogia entre o cinema clássico e os contos de Poe, e entre aquilo que ele apelida de art cinema e Tchekhov, analogia cujos fundamentos, a nível de tratamento de personagens e construção narrativa iremos explorar mais adiante, mas de que retemos, para já, esta ideia de aproximação ao teatro pela evocação do autor russo, mestre do conto e do drama, por aquilo que ela traduz no que respeita a uma cisão com o cinema clássico das décadas de 30-50: enquanto esse tipo de cinema decorria sem dúvida da vida, da realidade, mas a retratava submetendo-a a uma série de códigos de representação que invariavelmente criavam um distanciamento entre ela e o modo como surgia no cinema, o "art cinema", no qual se incluem os realizadores que abordaremos neste trabalho - Rainer Werner Fassbinder e Ingmar Bergman -, aparece no rescaldo das descobertas levadas a cabo pelo neo-realismo, para desenhar uma nova relação entre o cinema e a realidade, e que se caractertiza por um movimento de aproximação dele relativamente àquilo que lhe serve de matéria-prima, movimento cujas implicações formais tentaremos averiguar em seguida, debruçando-nos sobre dois filmes em particular, As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, de Fassbinder, e Lágrimas e Suspiros, de Bergman, ambos de 1972. 

Ora, quer Fassbinder, quer Bergman encontram as raízes das suas vidas artísticas e profissionais no teatro, embora ambos se tenham eventualmente dedicado também ao cinema. Para Fassbinder, o teatro serviu como "a place of provocative discourse on contemporary cultural and political issues" (Watson: cap 2, 18), o seu trabalho nesse meio (dos finais da década de 60 até meados de 70) sendo inspirado pelo conceito de "teatro de crueldade" desenvolvido por Antonin Artaud, poeta e teórico de teatro francês, que defendia a criação de uma modalidade teatral que servisse como uma "believable reality which gives the heart and the senses that kind of concrete bite which all true sensation requires" (Artaud, citado em Watson: cap2, 18). Assim, Fassinder, desejando desde o início trabalhar em cinema mas adiando sucessivamente essa perspectiva (por questões financeiras relacionadas com a produção cinematográfica mas não só), dedicou-se ao teatro (meramente porque era mais acessível e imediato para ele dar aí os primeiros passos a nível profissional do que no mundo do cinema), juntando-se a um grupo underground que, na linha dos movimentos que originaram o Maio de 68, começou a produzir um teatro subversivo que rapidamente chamou a atenção para o nome de Fassbinder, mas que lhe permitiu, acima de tudo, "test out his capacities for friendship, intimacy and aggressiveness" num grupo de pessoas com quem ele podia explorar "a wide variety of themes and theatrical styles" (Watson: 19), e tudo isso, aliado à influência de Jean-Marie Straub - com quem Fassbinder colaborou, ainda no contexto do teatro, em 1968, e que lhe permitiu, enquanto actor, explorar um método de auto-distanciação a nível de construção de personagem que se distinguia da tradição do teatro e cinema ditos realistas -, e de Douglas Sirk, realizador germano-americano cuja filmografia constituiu para Fassbinder uma autêntica descoberta, e que lhe daria o derradeiro impulso para abandonar o estilo das suas primeiras obras (filmadas com escassíssimos recursos, e com pessoas da companhia de teatro a que pertencia) e abraçar o cinema decidido a explorar aquelas que para ele eram as verdadeiras potencialidades deste meio, e que ele reconhecia como presentes nos filmes de Sirk (ao ponto de escrever um ensaio intitulado Imitation of Life, o nome, inspirado pelo filme homónimo de 1959, sugerindo o seu conteúdo, uma reflexão sobre os filmes do realizador em que Fassbinder afirmava que Sirk compreendera "the essential nature of the medium - that films are made with people, with light, with flowers, with mirrors, with blood" (Fassbinder, citado em Watson: cap. 4:11), este último elemento por ele referido ecoando a ideia de Artaud, relativamente ao teatro, de que, para permitir ao público descobrir em si as "magical liberties of dreams", o teatro deveria apresentá-las sob o matiz do terror e da crueldade), potencialidades essas, dizíamos, que passavam pela capacidade de apelar "to audience expectations while simultaneously subverting them" (West German Film, citado em Watson, cap. 4:12) e de propiciar ao espectador não só a carga emotiva existente no típico melodrama norte-americano, mas também a "possibility of reflecting on and analyzing what he is feeling" (Sparrow, citado em Watson, cap. 4:14), unindo às qualidades que Fassbinder atribuía ao cinema de Hollywood a crítica do status quo da sociedade alemã de então, todas estas influências, em suma, delineando os traços por que se caracteriza a obra de Fassbinder enquanto cineasta. 

Para compreendermos a relação que Fassbinder mantinha com o teatro e com o cinema, talvez seja pertinente a evocação de Bergman, realizador que afirmou ter-se dedicado ao teatro "sobre todo para conocer mejor a las mujeres" (Company:145), e que tinha em relação ao teatro e ao cinema uma posição semelhante à de Fassbinder. Para o realizador alemão, o teatro era interessante pelo processo - que oferecia maior controlo sobre os recursos de produção e consequente emprego deles -, sobretudo pelo trabalho de grupo nele envolvido, e não tanto pelo resultado; o cinema, por sua vez, apresentava um resultado que o cativava, embora o processo até lá fosse "tiring and sometimes very unsatisfying" (Fassbinder, citado em Watson, cap. 2:20); quanto a Bergman, também no teatro o processo constituía o principal atractivo, ele apelidando-o como uma viagem colectiva, caracterizada pelas relações de intimidade entre os seus elementos, ao passo que, no caso do cinema, tudo é "fatigoso e incluso doloroso", não existindo nele "nada de purificante ni de libertador" (Bergman, citado em Company:146), funções que ele reconhecia ao processo de montar um espectáculo para o palco. O background do mundo do teatro não o impediu, porém, de escrever na introdução às "Four Screenplays" o seguinte: "I do not want to write novels, short stories, essays. biographies, or even plays for the theater. I only want to make films - films about conditions, tensions, pictures, rhythms and characters which are in one way or another important to me. The motion picture, with its complicated process of birth, is my method of saying what I want to my fellow men. I am a film-maker, not an author" (Bergman: 18). 

Assim, o teatro serviu para ambos testarem estilos e técnicas que depois aplicariam no seu trabalho no cinema, e que se encontram particularmente presentes nos dois filmes sobre os quais discorreremos agora. Ora, As Lágrimas Amargas de Petra von Kant começou por ser uma peça de teatro que Fassbinder concebeu como inspirada na sua relação com o amante Günter Kaufman - e que se especula que tenha desempenhado na vida do realizador papel análogo ao que, no filme, Marlene, assistente de Petra, representa relativamente à protagonista), mas que depois absorveu detalhes das relações que ele manteve com várias pessoas com quem ele se envolveu e trabalhou (Irm Hermann, Peer Raben, por exemplo), acabando por ser uma história "about women" (Fassbinder, citado em Watson: cap.6:7), e que depois adaptou para cinema conservando, no entanto, a estrutura em cinco actos da peça original, e que no filme aparecem divididos por sucessivos fades a negro, a história adquirindo assim uma dimensão episódica que Bordwell atribuía ao igualmente às obras que se incluíam na corrente que ele apelidou de "art cinema". 

A herança da peça de teatro original em Petra; o significado do fade em cada um dos filmes e o tratamento do passado 

O filme de Fassbinder pode então ser dividido nos seguintes momentos (ou actos): a visita matinal de Sidonie, amiga de Petra, que lhe apresenta a esbelta Karin, por quem Petra se apaixona; a primeira noite que Petra e Karin passam juntas; a manhã que despoleta a sua separação e regresso de Karin para o marido; o aniversário de Petra, em que a encontramos junto ao telefone, no chão, desesperadamente à espera de uma chamada de Karin; e um episódio final, em que, sozinha com a mãe, Petra adopta em relação a Karin uma outra postura daquela que demonstrara na cena anterior, e em que, deixada pela mãe, Petra pede a Marlene, que permanecera em silêncio durante todo o filme, que lhe fale da sua vida, pedido a que ela responde fazendo as malas e indo-se embora. Relativamente à acção de cada acto (ou episódio), os fades a negro adquirem portanto o valor de sublinhar uma passagem temporal - como acontece entre o primeiro e o segundo acto, o primeiro a terminar com o convite de Petra para que Karin venha jantar com ela na noite seguinte e o segundo acto a iniciar-se nessa noite, com os últimos preparativos de Petra antes da chegada de Karin, ou entre o segundo e o terceiro acto, o segundo terminado com uma declaração de amor da parte de Petra e o terceiro iniciando-se ao mostrar-nos Karin a folhear uma revista deitada na cama de Petra, numa postura que desde logo nos serve de indício para a familiaridade que entretanto se formou entre as personagens e que depreendemos ter sido construída ao longo de um período de tempo certamente mais prolongado que aquele que separou o primeiro acto do segundo, suspeita que o fade agora acentua) -, cumprindo desta forma uma função que convencionalmente atribuímos a este mecanismo, ou de estabelecer uma mudança de mood, como acontece com aquele que separa o quarto do quinto acto, e que de certa forma anuncia a mudança de tom do discurso da protagonista, que revelara bastante hostilidade em relação às personagens que a visitaram no seu aniversário mas que surge no quinto acto completamente derrotada e disposta a fazer todos os compromissos para não levantar oposição à mãe - "Vou voltar a ser o que era, mãe" é a sua primeira fala neste acto, e desde logo nos prepara para a mudança que se deu em Petra, que agora irá inclusivamente ao ponto de se contradizer quanto ao que afirmara na presença da filha e de Sidonie quando confessa à mãe que não amava Karin, mas que, na verdade, "apenas a queria possuir" -, este último encontro entre as duas terminando com uma nota positiva, uma vez que Petra se despede da mãe dizendo-lhe que lhe irá telefonar, e que agora está mais tranquila. Mas sobre as dinâmicas estabelecidas entre as personagens do filme de Fassbinder não nos alongaremos ainda; para já, convém reter então a ideia de que a natureza do filme surge desde a sua concepção determinada pela linguagem teatral que herdou da peça que lhe deu origem, e que tal se verifica logo a nível estrutural, como acabamos de demonstrar, o fade representando um importante mecanismo na tradução para a gramática cinematográfica a mudança de actos no teatro. 

Diferente significado parece revestir, com efeito, os fades que fragmentam a narrativa de Lágrimas e Suspiros, uma vez que, embora também eles estabeleçam uma cisão temporal entre os acontecimentos do filme, revelando-se, no contexto da narração que Bergman emprega aqui - e que recorre à voz-off, quer de Agnes, a protagonista, quer de um narrador por identificar - um importante elemento no que toca à forma como o filme trabalha o passado. Ora, se em Lágrimas e Suspiros poderíamos falar de um tratamento do passado que age de acordo com os dois modos de narração que Percy Lubbock reconhecia ao romance, enquadrados numa teoria da narratividade que a encarava enquanto algo mimético - isto é, enquanto apresentação de um espectáculo, e que resultava naquilo que Bordwell sugere como showing: o pictorial, "which represents the action in the mirror of a character's consciousness" (Bordwell: 8), e que verificamos nos momentos em que a voz de Agnes nos lança para o passado - como no flashback, logo no começo do filme, que nos leva até à sua infância, as palavras delas acompanhando as imagens que nos mostram a sua mãe, ora caminhando pelo parque, ora rodeada de Agnes e suas irmãs, em planos que não reproduzem propriamente o ponto de vista de alguém presente nesses momentos, mas cuja inegável subjectividade nos remete de imediato para a ideia de que o acto de recordar (aqui levado a cabo por Agnes) é sempre algo de extremamente pessoal, a mãe dela surgindo assim sob uma espécie de filtro que confere às imagens a dimensão nostálgica que as palavras da protagonista, ao lembrá-la, contêm -, e um outro, presente, por exemplo, quando o narrador de identidade desconhecida nos transporta até ao passado para nos mostrar o episódio entre Maria e o doutor David por ocasião do adoecimento da criança de Anna, a criada, num momento que, embora se refira a uma memória de Maria, é mostrado sem que haja qualquer subjectividade na imagem, o episódio sendo perspectivado de uma forma que "neutrally presents the visible and audible facts of the case" (Lubbock, citado em Bordwell: 8), e correspondendo assim àquilo que Lubbock consierava como um modo de narração dramático. 

O tratamento do passado surge assim como primeiro elemento que distingue As Lágrimas Amargas de Petra von Kant do filme de Bergman. Em Petra, nunca se recorre ao flashback, e todas as lembranças chegam até nós através das palavras das personagens, num modo narrativo que, servindo de contraponto ao showing, surge enquadrado nas teorias diegéticas da narração (a diferença entre estas e as já mencionadas teorias miméticas reportando-se a Aristóteles) que considera o acto de narrar como consistindo "either literally or analogically of verbal activity" (Bordwell:3). Fassbinder ambienta então o seu filme dentro das convenções do drama, que aqui, tal como no palco de teatro, depende da interacção das personagens, da inter-subjectividade, para construir todo o universo da história, e principalmente no que toca aos eventos que antecedem o primeiro que o filme nos mostra. As personagens têm um passado, nas nós só contactamos com ele através das suas palavras, havendo pois uma concentração sobre a reacção e não propriamente sobre a acção, o filme apresentando as personagens enunciando os "psychological effects in search of their causes" (Bordwell:208) num modo de narração que poderíamos considerar análogo ao pictorial de Lubbock, uma vez que o facto de que tudo é relembrado e citado por alguém faz com que sesses acontecimentos sejam sempre enquadrados à luz da consciência da personagem que os relembra e do seu ponto de vista pessoal. 

A palavra em Fassbinder e Bergman: as duas dimensões do diálogo 

Relevante será, então, atentar na função que cada um dos filmes atribui ao diálogo, à palavra. Ainda na linha do que Bordwell diz sobre o "art cinema", podemos incluir ambos os filmes no realismo psicológico, principalmente se tivermos em conta que as personagens recorrem ao diálogo (que, muitas vezes, adquire fortes traços de monólogo) para uma "dissection of feeling" através da qual cada personagens procura "reveal the self to others and (...) to us" e que faz com que o movimento do plot seja suspendido por momentos em que as personagens evocam "stories, autobiographical events (especially from childhood), fantasies and dreams" com vista a "expressing and explaining their mental states", aquilo a que Bordwell chama de "inquiry into character" tornando-se "not only the prime thematic material but a central source of expectation, curiosity, suspense, and surprise" (Bordwell:208-209). A propósito deste ponto vêm-nos ao pensamento a cena inicial de As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, e o diálogo entre a protagonista e Sidonie, em que elas evocam o passado de Petra com Frank, seu ex-marido, entre outros assuntos, assim se gerando ocasião para que a psicologia das personagens se nos revele - como no momento em que Sidonie pergunta a Petra se uma experiência em que o que vai acontecer pode ser previsto com alguma exactidão, como no caso do seu relacionamento com Frank, é uma experiência que valha a pena, ou o instante em que Petra afirma que "acreditava na bondade humana... mas o casamento desperta o que há de pior nas pessoas" -, através dos vários comentários que as duas vão tecendo a respeito dos tópicos das conversa e que simultaneamente lançam luz sobre as diferentes concepções de vida que tem cada uma, bem como nos dão pistas sobre as vivências que as terão levado a construí-las. 

A respeito deste valor da palavra enquanto reveladora da interioridade das personagens poderíamos evocar o artigo Pour un Cinèma Parlant, assinado por Maurice Scherer, e publicado na Le Temps Modernes a setembro de 1948, no qual o seu autor afirma que "pour affaiblir ou contrôler la puissance redoutable de la parole, in ne faut pas (...) en rendre la signification indifférente, mais trompeuse" (Scherer:6). Ora, em Petra, tal como no filme de Bergman, a palavra raramente adquire esta dimensão da mentira que lhe permite servir de contraponto à imagem, mas existe em Bergman a intenção de estabelecer um contraste entre o espaço - a mansão em que a acção decorre, com toda a sua austeridade e atmosfera de aparente sobriedade, sempre mergulhada num silêncio em que a única coisa que parece ganhar materialização é o passar do tempo, através do relógio, como constatamos no começo do filme - e os diálogos que as personagens mantêm entre si, e que chocam com esse equilíbro da arquitectura do espaço em que se inserem por nos revelarem gradualmente toda a "angst" acumulada por cada uma delas, e queas leva a explodirem em autênticos gestos de violência (mais psicológica do que propriamente física) a que o décor opõe uma sensação de tranquilidade que só o é aparentemente, como na cena de jantar entre Karin e Maria após a morte de Agnes, sobre a qual nos debruçaremos mais um pouco em seguida. Por outro lado, em Fassbinder podemos verificar um valor atribuído à palavra que faz com que ela não seja "à aucun moment simple moyen d'action sur les autres et vaut toujours par elle-même" (Scherer:6), havendo nos dois filmes, portanto, esta dupla função da palavra, que ora permite que acedamos ao interior das personagens (ocorrendo para isso uma suspensão do tempo e do movimento da história em que elas discorrem sobre as suas opiniões), ora funciona enquanto elemento motriz da história, desencadeando entre as personagens os conflitos que trazem para o exterior delas os sentimentos que nutrem umas em relação às outras. 

As mulheres em Bergman e Fassbinder: o conflito interiorizado.
As duplas Petra e Marlene / Agnes e Anna 

E é devido a esta segunda dimensão do diálogo que aos poucos se vão desenhando as relações entre as mulheres do filme de Fassbinder, relações de poder em que ele trabalha aquele que é um dos seus temas recorrentes, a "emotional exploitation within intimate relationships" (Watson, cap. 2:3), mostrando-nos as mulheres enquanto "victims who internalize their oppression rather than try to liberate themselves from it" (Watson: cap. 6:1), algo particularmente visível na dinâmica das relações que unem Petra à sua amante mais jovem, Karin, à sua assistente Marlene, e à sua mãe: apaixonada por Karin, Petra assume relativamente a ela uma postura de sujeição que a expõe aos maiores actos de crueldade de Karin sem que consiga opor-lhes verdadeira resistência (como na cena em que, deitada na cama de Petra, Karin lhe relata detalhadamente o encontro sexual que tivera com um homem na noite anterior), tornando-a assim uma figura tão amargurada quanto impotente; também no que diz respeito à relação de Petra com a sua assistente podemos falar de um sentimento de opressão reprimido (neste caso, por Marlene), que resulta num absoluto silêncio da sua parte (mantido durante todo o filme) e estrita obediência aos pedidos de Petra (que a transformam não numa assistente de design, mas, mais do que isso, numa autêntica criada), só quebrados na cena final, em que, ao fazer as malas para abandonar Petra, Marlene consegue com esse gesto libertar-se da opressão que voluntariamente suportara na convivência com Petra; e também a relação entre Petra e a sua mãe se traduz numa relação de poder e influência de contornos diabólicos, e que suscita da protagonista, aquando da visita da mãe por ocasião do seu aniversário, reacções bastante inflamadas, principalmente quando o assunto de conversa passa a ser a sua relação com Karin. O impacto desta relação para Petra (e da influência que a mãe exerce sobre ela) podemos ainda verificá-la no momento, perto do final do filme, em que Petra, deitada na cama, face às palavras da mãe sobre a sua fidelidade ao marido, já morto, e outros assuntos (sobre os quais não se priva de proferir os mais desinteressantes lugares-comuns), muda o seu discurso em relação a Karin e faz uma confissão dos seus supostos verdadeiros sentimentos relativamente a ela. 

No filme de Bergman está também muito presente esta sensação de repressão, que condiciona o comportamento de todas as personagens, repressão dos verdadeiros sentimentos e emoções que a doença (e eventual morte) de Agnes quebra, servindo de catalisador para que se formem entre as personagens novas dinâmicas à medida que começa a ser exposto aquilo que cada uma delas realmente pensa: a morte dela traz ao de cima o desprezo de Karin por Maria e torna o acordo entre elas, a longo prazo, completamente impossível, excepto no momento em que, no decorrer da discussão ao jantar, o diálogo entre as duas deixa de se ouvir para que esteja presente na banda sonora somente o som de um violoncelo, enquanto elas trocam carícias num momento de aparente reconciliação cuja força se deve grandemente a esta opção de repentinamente nos ser barrado o acesso às palavras delas, para que atentemos somente na imagem das duas, bastante próximas no plano, experimentando um momento de profunda intimidade. Esta opção não é ingénua, como é óbvio; e é interessante se tivermos em conta aquilo que dissemos anteriormente sobre a palavra em Bergman e aquilo que ele próprio escreveu sobre a imagem e como ela afecta a mente humana: "The written word is read and assimilated by a conscious act of the will in alliance with the intellect; little by little it affects the imagination and the emotions. The process is different with a motion picture. When we experience a film, we consciously prime ourselves for illusion. Putting aside will and intellect, we make way for it in our imagination. The sequence of pictures plays directly on our feelings" (Bergman: 17); além disso, este momento merece ainda a nossa atenção por aquilo que sugere sobre as personagens, uma vez que tudo ali contribui para uma atmosfera de abstracção (do universo do filme, do espaço, estando elas frente a uma parede completamente desprovida de caractertísticas que não a sua cor, o vermelho) e de suspensão (do tempo, do conflito entre as personagens) que nos servem de indício para o que se passará a seguir, quando, com o regresso à realidade do filme, surge novamente a distância entre as irmãs e a impossibilidade de as ultrapassarem, sublinhada por esse momento que serve, então, como um vislumbre de algo que é, na verdade, inatingível. 

Enquanto nos demoramos nas personagens, valerá a pena reservarmos umas palavras a Anna, a criada da família e que ocupa no filme uma posição bastante peculiar, uma vez que estabelece com Agnes uma relação de afecto e ternura (completamente ausentes das relações entre as irmãs) servindo quase como uma figura maternal para a moribunda. Anna é, como Marlene, uma personagem muito presente, mas as relações que cada uma estabelece com as restantes dos respectivos universos a que pertencem conferem-lhes posições bastante distintas: se Marlene está presente em todos os momentos-chave do filme, ora no plano, ora fora de campo (o som da sua máquina de escrever testemunhando-o), presença relativamente à qual as personagens manifestam algum incómodo, mas que Petra procura tranquilizar quando diz que entre ela e Marlene não há segredos (confissão que, contrariamente ao que seria de esperar, ao invés de reforçar os laços entre as duas personagens apenas acentua a insignificância da assistente para Petra, que lhe permite presenciar todos os momentos importantes da sua vida porque não espera dela, nem lhe concede o direito, de ter qualquer tipo de intervenção neles), Anna, por outro lado, vê o seu comportamento e intervenção na história inteiramente determinado pela sua profissão e condição social, as irmãs de Agnes não se privando de a dispensar nos momentos mais íntimos, e sobretudo após a morte de Agnes, que percebemos ser a única que, das três, tinha realmente consideração e apreço pela presença da constante Anna e pelo seu trabalho, muito diferindo a relação dela com Anna - por quem ela chama nos momentos de maior ou menor inquietação, atribuindo-lhe um papel que ultrapassa claramente as funções que ela deveria desempenhar enquanto criada, mas que traz ao de cima esses profundos laços de carinho e zelo existentes entre as duas - e a relação que Petra mantém com Marlene, que a protagonista sujeita a cada um dos seus caprichos e vontades. Marlene não só serve como assistente de Petra na sua carreira relacionada com a moda, como lhe traz o chá ou a ajuda a ajustar o vestido para o encontro com Karin -, momentos em que, em vez de vir ao de cima uma proximidade e cumplicidade de entre as personagens, somos remetidos, mais uma vez, para a postura servil que Marlene é forçada a adoptar quanto a Petra, e que confere às suas cenas a sós uma atmosfera destituída de verdadeiro calor humano - que Petra irá procurar em Karin, sem sucesso -, ao passo que, no filme de Bergman, esse calor humano - ausente das relações entre as irmãs - encontra-o Agnes somente na companhia de Anna, longe dos conflitos reprimidos e interiorizados que as irmãs carregam consigo. 

O vermelho em Lágrimas e Suspiros: a cor em Bergman e a cor em Fassbinder; o vestuário e a interioridade das personagens 

Referimos há pouco do vermelho da parede contra a qual surgem as personagens de Maria e Karin no momento de falsa reconciliação em Lágrimas e Suspiros. O vermelho, presente nas paredes, está também imbuído num aspecto formal do filme, também ele já mencionado, o fade: contrariamente a Petra, em que fades iam simplesmente a negro, os fades do filme de Bergman vão a vermelho, pormenor a propósito do qual não podemos deixar de reflectir um pouco sobre o trabalho da cor no filme. 

Ora, em Lágrimas e Suspiros existe um tratamento da psicologia das personagens que encontra ecos na cor e na luz, bem como outros aspectos da mise-en-scène de que falaremos ainda, nomeadamente o staging teatral, a profundidade de campo e a forma como ambos surgem nele e n'As Lágrimas Amargas de Petra von Kant. Sobre a cor em Lágrimas e Suspiros podemos lembrar, além das paredes, a cena em que Karin se mutila sexualmente com um pedaço de vidro partido, e depois leva as mãos ensanguentadas ao rosto: o vermelho surge como a natureza sexual que Karin, tal como tudo o resto, reprime, e a que voluntariamente renuncia; surge como materialização das dimensões inalcançáveis de cada uma das protagonistas, que surgem em grande plano com um fundo vermelho sempre que o filme altera o seu foco narrativo entre cada uma delas, o vermelho das paredes funcionando assim como que um prolongamento delas próprias, mas que, curiosamente, estabelece um contraste com a cor dos vestidos que elas sucessivamente vestem ao longo do filme - o branco, o cinzento, o preto -, como se desse contraste pudéssemos depreender um simbolismo que remetesse para o quão aquela ambiência de opressão - que resulta, para todas, numa constante auto-anulação - desloca as personagens para longe delas próprias. Por outro lado, a gradação na cor dos vestidos - do branco para o preto, e, no final, para o branco novamente - não só serve de indicador das alterações que o filme e as personagens vão sofrendo a nível de mood, como adquirem um valor afectivo, por associação. Se o cinzento dos vestidos contém ecos da interioridade das personagens ao remeter para o aspecto difuso e indefinido das suas personalidades, para a sua falta de "clear-cut traits, motives and goals" que as leva a "act incosistently" enquanto elas "question themselves about their purposes" (Bordwell: 207) (o diálogo adquirindo assim uma função de terapia através da dissecação, como dissemos, do que sentem e pensam), o preto assume os valores que tradicionalmente associamos ao período de luto, nomeadamente de respeito pelo defunto (e sua memória) e manifestação exterior desse sentimento de perda experimentado pelas irmãs, ao passo que o branco, que vemos Karin, Maria e Anna vestir numa das cenas iniciais do filme e que nos impressiona pelo contraste que estabelece com as carpetes e paredes do quarto onde estão, remete para a ideia de tranquilidade e pureza - que cedo percebermos serem tudo menos o que caracteriza aquelas personagens -, remetendo também, à luz da última cena do filme - em que, através de um flashback, somos transportados ao último momento de genuína felicidade vivida por Agnes - para a ideia de felicidade perdida, existente num passado que as personagens podem evocar mas a que não conseguem regressar, servindo o momento inicial referido como um resquício dessa lembrança e da sensação que percebemos estar-lhe associada, a de harmonia e cumplicidade entre as irmãs, agora completamente desaparecida. 


Análogo ao plano que referimos, no começo do filme, em que Anna e as duas irmãs de Agnes aparecem vestidas de branco, há em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant um momento, no episódio do aniversário da protagonista, em que todas as personagens estão incluídas no plano (Petra, a sua filha, a mãe, Sidonie e Marlene), mas o enquadramento - pela própria posição da câmara, junto ao chão, com os sapatos da mãe em primeiro plano - as cores dos vestidos delas criam uma sensação de desarmonia, de desacordo entre as personagens, ao mesmo tempo que releva os traços característicos de cada uma (o vestuário servindo como um elemento da identidade delas), e estebelece-as como incompatíveis, pertencentes a universos diferentes. Em Petra, os conflitos que matizam as relações das personagens têm assim eco na forma como elas se vestem, ao contrário do que se passava no filme sueco, em que os vestidos que elas usavam da primeira vez que as vemos interagir geram em nós a ilusão de concordância entre elas. No filme de Fassbinder, a questão do vestuário tem ainda um outro peso, se tivermos em conta a profissão da protagonista - estilista - e o facto de que a sua roupa e perucas mudam de episódio para episódio, numa excentricidade que não é mais do que a sua forma de gerir as relações que mantém com cada uma das personagens, e que confere à personagem e a essas mesmas relações um tom de artificialidade, de engano e de mentira que aparentemente não estão presentes, como vimos antes, nas palavras que as personagens proferem, pelo facto de que servem para Petra como uma máscara a que recorre para lidar com a opressão, que ora experimenta face às outras (a mãe e Karin), ora a ela as sujeita (a filha e Marlene). Existem dois momentos em que Petra surge sem máscaras: no início, na presença unicamente de Marlene, e no final, na conversa com a mãe, antes da sua partida, mas estes momentos em que a personagem surge destituída de artifícios não a aproximam nunca das outras; antes servem para reforçar a distância entre ela e Marlene (perpétua espectadora dos seus truques) ou a sensação de derrota em que a cena da suposta reconciliação entre Petra e a sua mãe aparece mergulhada, e que encontra paralelismos na cena de reconciliação entre as duas irmãs do filme de Bergman na medida em que ambas sublinham a incapacidade de as personagens ultrapassarem os obstáculos que as separam - em Bergman, através da abstracção da realidade do filme, como vimos, e em Fassbinder através da "tension dans l'immobilité" (Scherer:5) que caracteriza os planos que acompanham este momento, e que nos levam a reconhecer como falsa a "confissão"de Petra quanto a Karin, bem como a sua promessa de telefonar à mãe. Sobre a questão do vestuário não podemos deixar de reparar no peso que também ele acaba por adquirir em Lágrimas e Suspiros: o vestuário não só força as personagens a conviverem aparentemente num mesmo universo, como as oprime ao obrigá-las a agir contra a sua verdadeira natureza (que as paredes evocam). E esta ideia surge sublinhada no momento em que Anna se despe e toma Agnes nos seus braços, uma cena em que escapa a essa opressão imposta pelo vestuário, e se desenha entre as duas um momento de proximidade genuína. 

A boundary-situation, o staging teatral e o grande plano 

Sobre o fade como herança da estrutura da peça original no filme de Fassbinder falámos já; contudo, a respeito desta herança não podemos deixar de mencionar um aspecto que, a nível formal, condiciona todo o ambiente do filme e que o transporta para o meio do teatro: o facto de que todo o filme é passado no apartamento de Petra, na divisão principal, onde a sua cama divide o espaço com o pequeno local de trabalho de Marlene, situado a um dos cantos. Esta restrição do espaço, bem como a compressão do tempo, são dois dos resultados do foco na boundary-situation, episódio que gera "the private individual's awareness of fundamental human issues" e que leva o espectador a tomar consciência "of meaningful as agains meaningless existence" (Bordwell:208). 

Ora, em Fassbinder o décor surge como um palco, e esta opção estilística encontra a sua origem na sua concepção de cinema enquanto espectáculo aglutinador dessas duas dimensões - a emoção, aliada à reflexão - que ele admirava no cinema de Sirk, Bordwell considerando que, no que diz respeito ao "art cinema" (e a Fassbinder), "its attempt to pronounce judgments upon modern life and la condition humaine depends upon its formal organization" (Bordwell:207), a boundary-situation (de que a referida concentração sobre um espaço, existente em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant, é um aspecto característico) propiciando um "formal center within which conventions of psychological realism can take over" (Bordwell:208) e assim concretizar-se o projecto de Fassbinder para o cinema. Este espaço surge como um palco, dizíamos - e as personagens movimentam-se nele, de facto, como se estivessem num palco de teatro. A luz também trabalha esta ideia, bem como a forma como os actores representam os seus papéis; e tudo isto surge na linha dos enquadramentos-dentro-de-enquadramentos do cinema de Sirk, o "stylized acting, unconventional lighting, sound and camera work" (Watson, cap. 4:14) trabalhando então a criação de um distanciamento, à maneira de Sirk, para gerar no espectador uma reacção, uma reflexão sobre os temas que os filmes de Fassbinder abordam, verificando-se em As Lágrimas Amargas de Petra von Kant uma artificialidade "which underscores its main melodramatic themes: the interdependence of sex and power, love and suffering, pleasure and pain" (Babuscio, citado em Watson, cap. 6:6). Assim, o conceito de décor como um palco surge associado ao foco na boundary-situation e ao papel que Fassbinder reconhecia ao cinema; por outro lado, há aqui uma relação, como em Lágrimas e Suspiros, entre o décor e a psicologia das personagens: da mesma forma que Karin e Maria surgem enquadradas, na cena do jantar, com fundos que apelam para a sexualidade de cada uma (Maria surgindo rodeadas por flores de cores variadas, ao passo que Karin aparece com um fundo completamente negro, em que árvores e plantas surgem em relevo, mas destituídas de vida), a reprodução de Midas e Dionísio de Nicolas Poussin na parede do apartamento de Petra, particularmente presente em dois momentos-chave do filme (a discussão com Karin que antecede a sua partida, e a discussão entre Petra e a filha, a mãe e Sidonie no seu aniversário, com as personagens a surgirem enquadradas no plano que tem como fundo a parede onde se encontra a reprodução) funciona como uma espécie de "play-within-a-play that choreographs the themes of perversion, joy and/in suffering, ambivalence, unstable identity and dissimulation" (Kirby, citada em Watson: cap. 6:20). 

Associados ao espaço surgem ainda os elementos da mise-en-scène que referimos anteriormente, nomeadamente o staging teatral e a profundidade de campo. Bergman, que apresenta o espaço sem qualquer vestígio da estilização presente no filme de Fassbinder, difere também de Fassbinder no tratamento do conteúdo. Enquanto que no filme alemão predomina o longo take, frequentemente em plano americano e com uma profundidade de campo que nos dá igual acesso às acções de cada uma das personagens "em cena" (como acontece no teatro), Bergman - para quem a "possibilidade de se aproximar do rosto humano é a originalidade primeira e a qualidade distintiva do cinema" (Bergman, citado em Deleuze:139) - enquadra as suas personagens em grandes planos, com muita pouca profunidade de campo. arrancando "a imagem às coordenadas espácio-temporais para fazer surgir o afecto puro enquanto exprimido" (Deleuze:136), num gesto em que o movimento "deixa de ser translação para devir expressão (Deleuze:135), o grande plano do rosto de uma personagem conferindo-nos acesso directo à sua interioridade, na medida em que, segundo Balazs, a abstracção de um objecto em grande plano das coordenadas espácio-temporais não o arranca ao todo de que faz parte, mas antes o eleva ao estado de Entidade, o grande plano do rosto de uma personagem faz com que estejamos já não ante uma personagem cobarde mas diante da cobardia ela mesma. 

Toda a mise-en-scène de Bergman consiste então nesta relação íntima entre o staging teatral, o décor como prolongamento das personagens e o grande plano como forma de lidar com estes dois elementos de forma a propiciar acesso directo ao interior das suas protagonistas - e havendo assim a tentativa de apresentar o filme como algo essencialmente vivo através do acesso sem obstáculos a esta interioridade -, ao passo que Fassbinder lida com o staging teatral através da estilização da representação dos actores e outros elementos da mise-en-scène (luz, movimentação de câmara ou composição de plano pouco convencional, a denunciarem uma narração auto-consciente), o espaço surgindo como um prolongamento das personagens - na medida em que, como no caso de Lágrimas e Suspiros, a "closeness of this interior space, reinforced by a virtual webbing of dark, roughly finished wooden framing, railings, and open shelving (...) are used to suggest Petra's emotional entrapment" (Watson, cap.6:5) - mas sempre sujeito a um tratamento que nos lembra que estamos perante um filme e não perante a vida, embora muito no filme constitua uma aproximação a ela (os tempos mortos nos diálogos, os protagonistas sem objectivos claros...), ambos os filmes revelando, portanto, duas facetas deste regresso à teatralidade a que a linguagem cinematográfica estava associada no seu surgimento, acompanhado de uma aproximação à vida, e aos ritmos que lhe são inerentes, características que predominam no "art cinema" descrito por Bordwell e que constituíram um momento único no percurso do cinema rumo à modernidade. 


Referências bibliográficas 
  1. WATSON, Wallace Steadman - Understanding Rainer Werner Fassbinder: Film as Private and Public Art, University Of Carolina Press, 1996* 
  2. BORDWELL, David - Narration in the Fiction Film, The University of Wisconsin Press, 1985 
  3. BERGMAN, Ingmar - Four Screenplays of Ingmar Bergman, Simon and Schuster, 1960 
  4. COMPANY, Juan Miguel - Ingmar Bergman, Ediciones Cátedra S.A., 1999 
  5. DELEUZE, Gilles - A Imagem-Movimento: Cinema 1, Assírio & Alvim, 2004 
  6. SCHERER, Maurice - Le Temps Modernes, 1948 

quarta-feira, agosto 08, 2012

A Última Vez que vi Macau (1/6):
Uma outra forma de ver Macau


Desligam-se as luzes da sala de cinema e abre o filme. Entre as sombras, alguém caminha, como um fantasma, em passos sedutores e definitivos, em nossa direção. Irrompe a luz e a música do piano. É Cindy Scrash, à frente de tigres ameaçadores, que nos interpela olhando sem pudor e começa a cantar. O número musical, que nos remete à interpretação de Jane Russel no Macau (1952) de Josef von Sternberg, é decisivo. Já não nos encontramos na sala de cinema, mas num local longínquo, secreto e extraordinário: a Macau de João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata.

Foi isto que os espectadores, tornados exploradores, puderam ontem descobrir no Festival de Locarno, que decorre na Suíça até o próximo sábado, dia 11. É lá onde a dupla de realizadores está representada na competição: os dois a assinar A Última Vez que vi Macau (competição internacional de longas-metragens) e João Rui a apresentar o seu primeiro filme “a solo”, O Que Arde Cura, que integra em Locarno a secção Pardi di Domani (que se propõe a apresentar os cineastas do futuro).

Parece também ter vindo do futuro esta primeira longa-metragem realizada pelas mãos de João Pedro e João Rui. É um filme “de viagem”, quase de diário de bordo, pelas ruas de Macau por onde caminhou e cresceu João Rui, que acompanhou nos anos 70 o pai, oficial da Marinha que lá prestou serviço. Mas A Última Vez que vi Macau, que parece percorrer todo o espectro de géneros da ficção, assume-se como tudo. Menos um documentário.

Foi, quase ironicamente, como um documentário que o filme nasceu. A proposta que seguiu para o Instituto do Cinema e Audiovisual esteve enquadrada no concurso de subsídios para documentários, ancorada “nas histórias que o João Rui contava da sua infância passada no território”, diz-nos João Pedro. Tal como grande parte do público deste filme, a viagem a Macau foi inédita. E as suas impressões embatem com o mito em torno dela. O projeto de documentário não esquecia assim aquilo que João Pedro também conhecia da Ásia, “através da pintura, da literatura e do cinema, fundamentalmente do cinema clássico americano”.


Bastou a primeira viagem para que, depressa, a dupla de realizadores se apercebesse de que não valeria a pena “fazer mais um documentário sobre Macau”, como refere João Rui. “Queríamos pensar aquele território como um espaço para possíveis ficções”, diz ele – mas, naturalmente, “contaminadas” pelas suas “memórias pessoais”, conclui João Pedro.

Apesar das 150 horas de material filmado e três viagens feitas durante três anos e da micro-equipa, esta dificuldade foi compensada com um enormíssimo grau de liberdade, apenas comparável àquele que o filme nos oferece enquanto espectadores. O olhar sobre Macau distancia-se do deslumbrado “antes e depois”, o da infância de João Rui e o presente. E é acompanhado por uma ficção noir que o número musical antevê. Aqui, viajamos com a “personagem” João Rui que regressa, com a João Pedro, a Macau, depois de ter recebido um e-mail angustiado de Candy Darling, que lhe diz que “coisas estranhas e assustadoras” se estão a passar...

As referências cinéfilas estão lá: não só as do film noir (e de que Macau de Sternberg é bom exemplo), com assassinos e femme fatale, como também as do próprio cinema da dupla: Candy Darling / Cindy Scrash é a protagonista de Morrer como um Homem; o sapato e a sereia de Alvorada Vermelha (“curta” assinada pelos dois em 2011) voltam a surgir aqui...

Como se fossem pistas para um caminho que nos conduz, afinal, a um regresso às nossas brincadeiras de infância, à “nossa” Macau. “Essa Macau pode ser em qualquer lugar. É o nosso território pessoal”, diz-nos João Rui. A sua conta com “histórias de piratas, sociedades secretas, detetives, ruelas escuras...” Mas João Rui, como João Pedro ou o espectador, já não é uma criança.

O realismo proposto por ambos é sinal disso mesmo: embora convocado, estamos longe do escapismo de Hollywood. Um olhar realista que não esquece Macau como um território de mudanças, rodeado de mitos. Tal como o nosso passado. “As memórias são ficções”, relembra João Rui que, com este filme, ao lado de João Pedro, fez História.

Esta é a primeira de seis publicações que dedico a um dos filmes do ano: A Última Vez que vi Macau, a mais recente longa-metragem assinada por João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata e compete esta semana no Festival de Locarno. Este artigo foi publicado originalmente no Diário de Notícias a 7 de agosto de 2011. A entrevista que serviu de base ao texto encontra-se publicado na íntegra no blogue Sessões Contínuas, aqui.

Nova Metropolis 0.5 já online

Chegou um pouco mais tarde do que gostaríamos que fosse habitual mas ei-la: a nova edição da revista Metropolis (referente ao mês presente de agosto, número 0.5). “0.5”, claro, por ainda nos encontrarmos na versão “beta” de um projeto que encontrará total concretização no próximo setembro (mês em que a Metropolis será, ao mesmo tempo, um site e uma revista online). 

Há algumas novidades: o desenho de página progrediu como também o modo de leitura (é já possível descarregar a revista em formato .pdf). 

Durante este mês poderão ler mais conteúdos em relação ao número inaugural da revista. Entre eles, reclamam especial atenção o balanço de dois festivais de cinema: um, português, o Curtas Vila do Conde, escrito pelo João Lopes e por mim; outro, da República Checa, do festival de cinema de Karlovy Valy, escrito pelo novo mas já familiar colaborador Rui Pedro Tendinha

Entre críticas, especiais (dedicados a filmes, realizadores, séries de televisão e ao blockbuster do momento, O Cavaleiro das Trevas Renasce, que merece honras de capa), poderão ler, ainda, da minha autoria, uma retrospetiva da obra de Bruno Dumont acompanhada por uma crítica ao seu mais recente Fora, Satanás. Para além de um texto breve de opinião sobre 48 (Susana de Sousa Dias), está de regresso a rubrica “A Dois Tempos”, que este mês se debruça sobre dois momentos de dois filmes-irmãos: Vergonha e Fome, de Steve McQueen

A edição 0.5 (e, também, 0) da revista Metropolis pode ser lida a qualquer momento no portal oficial: www.cinemametropolis.com