Figura incontornável do New Queer Cinema, Gregg Araki continua a ser, sem dúvida e como o mais recente filme Kaboom – Alucinação comprova, uma das vozes mais persistentes e autónomas de um cinema de baixo orçamento e sem censura.
Filho de um pai japonês e uma mãe norte-americana, Araki nasceu em Los Angeles e cresceu em Santa Barbara (Califórnia), onde conclui os estudos de cinema na Universidade do estado. Após um mestrado realizado 1985, Araki lança a sua carreira com dois filmes a preto e branco de baixíssimo orçamento: Three Bewildered People in the Night, em 87, onde filmou com os recursos que tinha à mão e em locais onde não estava autorizado a rodar; e The Long Weekend (O' Despair), em 1989. Ambos misturam a homossexualidade com a bi e heterossexualidade, banalizando, no seu universo, a existência de múltiplas formas de amar.
De facto, o próprio Araki, assumidamente gay, manteve uma relação de 3 anos com a actriz Kathleen Robertson, que surge no terceiro capítulo (“Nowhere”, 1997) da “trilogia do apocalipse adolescente”. Visceral, implacável e sem meias medidas, Araki tornou-se numa das personalidades que redefiniu, no grande ecrã, ao lado de outros como Larry Clark, o que era (é?) ser adolescente nos EUA, apostando num realismo tão alucinado quanto preocupado.
Praticamente toda a filmografia do realizador atravessa uma linha atroz que se relaciona com o absurdo da liberdade ocidental e o vazio existencial. Praticando tudo aquilo que podia ser apontado de mau gosto, como se tratasse de um realizador de uma MTV mais explícita, Araki parece simplesmente não querer saber – tal como, aliás, as suas personagens. E é isso que acaba por se demonstrar tão perturbador na trilogia do apocalipse adolescente: os jovens protagonistas, maioritariamente homossexuais, estão irremediavelmente em contra-corrente, reagindo à repressão com sentimentos de ódio e de revolta emocional.
O sexo (tema central nos filmes do autor) e a exploração do semelhante são por isso as formas que os adolescentes que preenchem a obra de Gregg Araki encontram para se libertarem da exclusão. Apesar disto, o realizador parece ter sabido, com a sua obra-prima “Pele Misteriosa” (2004, que faz uma mistura invulgar de melodrama sexual com ficção científica), mostrar o sexo como prisão e decadência.
Em “The Living End” (ou "Viver até ao Fim"), expõe o sexo de forma evidente, apontando inspiração em Jean-Luc Godard, Chris Marker e Andy Warhol (em determinadas cenas, aparecem posters ou referências directas ao cinema dos cineastas). Na longa-metragem lançada em 1992, Gregg Araki toma a SIDA como tema principal e ousa virar-lhe costas. “It’s not a big deal”, diz um dos protagonistas, a dado momento. Centrando-se em dois amantes seropositivos (um deles crítico de cinema), Araki ataca a mistificação do HIV com uma veemência incompreendida, mostrando que, se no fim vamos todos morrer, é bom que comecemos a fazer aquilo que nos apetece.
Este é, em suma, “An irresponsible movie by Gregg Araki”, tal como surge nos créditos iniciais. Irresponsável, sim, mas quando se entra no universo do realizador o princípio garantido é que não há lugar para a moralidade.
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