1993 – M. BUTTERFLY, de David Cronenberg
A legenda talvez pudesse ser: “Mas afinal qual é o meu sexo?...”. Eis a questão: Song Liling (John Lone) é uma cantora da ópera de Pequim. Com a especificidade de, na tradição da ópera chinesa, todas as personagens serem interpretadas por homens. Quando o diplomata francês René Gallimard (Jeremy Irons) se apaixona por Song, que vê ele? O homem que faz de mulher? A Butterfly que é um homem? Ou a mulher que, sendo um homem, vive no interior do artifício codificado do espectáculo? Porque a história, qualquer história, passa por aí: o código dá prazer. E talvez que René (personagem verídica!), ignorando a duplicidade de Song, seja apenas esse amante trágico, anterior ao código, adorando na sua Butterfly um tempo primitivo, alheio à diferença sexual, envolvido numa totalidade maternal onde, a certa altura, se torna difícil respirar. Cronenberg, hélas!, não tem passado a vida a filmar outra coisa: chamemos-lhe a irrisão de qualquer diferença sexual. E que faz René? Perante o cruel vazio do desejo, assume, ele próprio, a personagem de Butterfly – é uma coisa sublime, quer dizer, próxima da nitidez da morte. Tenham medo.
João Lopes
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