Alguns críticos e bloggers participam neste mês dedicado ao cinema queer partilhando connosco aquele que é o seu exemplo preferido desta cinematografia. Desta vez, João Moço, jornalista e crítico de música do Diário de Notícias, fala-nos de “A Festa da Menina Morta” (2008 / foto), de Mattheus Nachtergaele. Muito obrigado ao autor pela grande colaboração!
Arrebatadora estreia do cineasta Mattheus Nachtergaele, A Festa da Menina Morta é uma obra que nos faz reflectir sobre o poder da fé, ou mais precisamente, da crença religiosa e das suas implicações, sendo também um filme que mostra que independentemente das crenças de cada um, para compreender o mundo em que vivemos é ainda essencial debruçarmo-nos sobre os caminhos em que se move a fé e a religião. Santinho (interpretado com um dramatismo emotivo por Daniel Oliveira) está no centro desta história. Quando há vinte anos recebeu da boca de um cão o que ainda restava de um vestido de uma menina desaparecida numa aldeia no Amazonas, toda a comunidade, e o próprio Santinho, depositaram nele (e nos seus alegados poderes miraculosos) toda a sua fé. Todavia esta é uma figura bastante perturbada e assombrada com a ausência da mãe. Paralelamente ao peso que carrega nas costas pela crença cega de toma a comunidade nas suas palavras e “revelações”, Santinho não deixa de ser profundamente humano, nomeadamente pelo facto de não renegar o prazer carnal. Aliás, a relação que mantém com o pai ou a atracção, sugerida, pelo irmão da menina morta acabam por mostrar a complexidade e densidade desta figura que conjuga em si um forte papel religioso e ao mesmo tempo um homem com desejos sexuais. Ainda assim, é essencialmente o seu papel como um baluarte da crença religiosa daquela aldeia (que logo criou todo um negócio à volta da fé), algo que se reflecte na sua personalidade bastante desequilibrada, que está no centro de toda a trama. De salientar a forma impressionante, e ao mesmo tempo bem realista, de como é não só retratada a crença religiosa que transcende a simples existência humana, mas também os rituais colectivos que são um reflexo prático dessa fé. No final A Festa da Menina Morta termina de uma forma implacavelmente realista, mas não menos única: “Este ano dor é a palavra”.
João Moço
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