Invisíveis desde a alvorada dos anos 30 as representações de homossexualidade quase estiveram ausentes dos ecrãs durante quatro década, as excepções sendo raras e discretas. E nesses casos muitas vezes ora retratavam uma ideia de comic-relief estereotipada, noutras revelavam personagens a quem a narrativa destinava um desfecho trágico. Houve quem fugisse à “norma”, aventurando-se por caminhos de ousadia (inclusivamente no plano da concepção estética dos filmes) como por exemplo o fizeram Jean Genet em Un Chant d’Amour (de 1947), um poema filmado sobre o desejo, expresso entre prisioneiros em celas adjacentes, mas separados por uma parede, ou Fireworks, de Kenneth Anger (também de 1947), onde uma série de fantasias e iconografias manifestam claramente todo um quadro de referencias ligadas à cultura LGBT. Ambos eram filmes de pequeno orçamento, nas margens do cinema experimental e, consequentemente, exibidos (quando o foram) longe dos circuitos comerciais.
Se existe um ponto de viragem nesta história, num plano de comunicação mais fluente entre o filme e o espectador, ele chega em 1970 (um ano depois dos motins de Stonewall que geraram a criação dos movimentos e acções de luta pelos direitos LGBT) com Boys In The Band [primeira foto]. Baseado na peça homónima de Mart Cowley (que entretanto se transformara num caso de culto com sucesso off-Broadway), o filme, de William Friedkin (o mesmo autor de Exorcista), narra a festa de aniversário de um homossexual nova iorquino a quem os amigos (entre os quais identificamos vários “tipos” do gay americano de então) oferecem como “prenda” a companhia de um prostituto. O elenco, feito com actores que participaram na encenação teatral, traduz aquele que talvez seja o primeiro olhar credível sobre vivências gay no cinema, dos diálogos, atitudes e situações nascendo o que ali podemos hoje reconhecer (sem que o faça de uma forma sociologicamente realista, uma vez que se trata de uma ficção) um retrato, com um certo ângulo auto-crítico, de uma época. O mesmo realizador abordaria mais tarde, em Cruising (1980) os ambientes dos bares gay de Nova Iorque numa história que leva um polícia (interpretado por Al Pacino) a perseguir um serial killer, e que levantou controvérsia, havendo quem o criticasse de ser mesmo um filme homofóbico.
Outro importante exemplo de uma nova forma de abordar a homossexualidade no cinema americano chegou, em 1974, através de A Very Natural Thing [foto], de Christopher Larkin. Como o próprio título sugere, o filme propõe uma visão “natural” do amor entre pessoas do mesmo sexo, começando por mostrar imagens reais do gay pride nova-iorquino de 1973, daí partindo para acompanhar a história de um homem, entre o seu espaço de trabalho e o circuito de bares onde procura um amor verdadeiro e duradoiro. O filme abre espaço para o debate da natureza das relações amorosas, confrontando visões e comportamentos, apesar de deixar claras as opções que toma (de certa forma contrariando as atitudes de busca de amor livre que caracterizavam a revolução sexual que se vivia na época).
É ainda dos EUA que chega, em 1975, uma narrativa que coloca um romance lésbico próximo do centro de gravidade da história. Once Is Not Enough, de Guy Green (e com Kirk Douglas no papel principal) nasce de uma adaptação do romance homónimo publicado dois anos antes por Jaqueline Susan. Nas páginas as sugestões são contudo mais evidentes que a visão mostrada no ecrã. Esta não era, contudo, a primeira vez que personagens lésbicas surgiam no grande ecrã com alguma visibilidade. De resto é célebre o filme The Children’s Hour (1962), de William Wyler, no qual Audrey Hepburn e Shirley McLaine interpretam duas mulheres acusadas de entre si ter existido um relacionamento amoroso.
Inicialmente nascido como um fenómeno algo marginal, com os anos acabando por definir um verdadeiro fenómeno de culto, o filme The Rocky Horror Picture Show (1975, foto), de Jim Sharman, apresenta como protagonista um travesti da “transsexual” Transilvania. É um musical, parodiando elementos do cinema de ficção-científica e de terror, juntando no elenco figuras como Tim Curry (o exuberante protagonista) e Susan Sarandon.
Ao mesmo tempo o cinema europeu começava igualmente a romper a lógica de “invisibilidade que imperara nas décadas anteriores. De França chegava Johan, de Phillipe Valois (1976), filme de baixo orçamento, mas intenções firmes numa nova representação não apenas da homossexualidade mas também de formas de olhar o corpo masculino no grande ecrã. Em Portugal Óscar Alves - com filmes como Charme Indiscreto de Epifânea Sacadura (1975) ou Aventuras e Desventuras de Julieta Pi Pi (1978, foto) - e João Paulo Ferreira, com Fatucha Superstar (1976), experimentavam novas linguagens, todavia fora do circuito comercial de exibição. Com inequivocamente maior peso histórico devemos ter em conta Nicht der Homossexuelle ist Pervers, Sondern die Situation, in der el Lebt (traduzido no circuito internacional como It’s Not The Homssexual Who Is Perverese, But The Society in Wich He Lives), filme de 1971 do alemão Rosa von Praunheim, um dos pioneiros de uma ideia de cinema queer que então dá primeiros passos. A história de um jovem alemão que vai do campo para a cidade foca as várias sub-culturas gay da Berlim de então estabelecendo mais um importante retrato que hoje vale como um documento ficcionado de vivências dessa época.
Também em inícios dos anos 70 (em concreto em 1971), Lucchino Visconti (que havia já abordado abordado uma narrariva com personagens gay em The Damned, na sequência em que encena a célebre Noite das Facas Longas), criou aquele que rapidamente se transformou num clássico maior da cultura LGBT. Adaptando ao grande ecrã o romance Morte em Veneza [foto], de Thomas Mann, criou em torno da figura do professor Aschenbach (interpretado por Dirk Bogarde) e pela sua admiração platónica pelo jovem Tadzio uma ode trágica sobre a natureza da culpa que muitas vezes surge associada ao desejo. A utilização do adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler em sequências-chave do filme fez desta obra uma referência da cultura LGBT. A chamada “trilogia alemã” de Visconti juntaria a The Damned (1969) e Morte em Veneza (1971) o filme Ludwig (1973), retrato do rei Luis II da Baviera, onde não faltam discretas referências à sexualidade do monarca que foi o grande patrono de Richard Wagner.
Se existe um ponto de viragem nesta história, num plano de comunicação mais fluente entre o filme e o espectador, ele chega em 1970 (um ano depois dos motins de Stonewall que geraram a criação dos movimentos e acções de luta pelos direitos LGBT) com Boys In The Band [primeira foto]. Baseado na peça homónima de Mart Cowley (que entretanto se transformara num caso de culto com sucesso off-Broadway), o filme, de William Friedkin (o mesmo autor de Exorcista), narra a festa de aniversário de um homossexual nova iorquino a quem os amigos (entre os quais identificamos vários “tipos” do gay americano de então) oferecem como “prenda” a companhia de um prostituto. O elenco, feito com actores que participaram na encenação teatral, traduz aquele que talvez seja o primeiro olhar credível sobre vivências gay no cinema, dos diálogos, atitudes e situações nascendo o que ali podemos hoje reconhecer (sem que o faça de uma forma sociologicamente realista, uma vez que se trata de uma ficção) um retrato, com um certo ângulo auto-crítico, de uma época. O mesmo realizador abordaria mais tarde, em Cruising (1980) os ambientes dos bares gay de Nova Iorque numa história que leva um polícia (interpretado por Al Pacino) a perseguir um serial killer, e que levantou controvérsia, havendo quem o criticasse de ser mesmo um filme homofóbico.
Outro importante exemplo de uma nova forma de abordar a homossexualidade no cinema americano chegou, em 1974, através de A Very Natural Thing [foto], de Christopher Larkin. Como o próprio título sugere, o filme propõe uma visão “natural” do amor entre pessoas do mesmo sexo, começando por mostrar imagens reais do gay pride nova-iorquino de 1973, daí partindo para acompanhar a história de um homem, entre o seu espaço de trabalho e o circuito de bares onde procura um amor verdadeiro e duradoiro. O filme abre espaço para o debate da natureza das relações amorosas, confrontando visões e comportamentos, apesar de deixar claras as opções que toma (de certa forma contrariando as atitudes de busca de amor livre que caracterizavam a revolução sexual que se vivia na época).
É ainda dos EUA que chega, em 1975, uma narrativa que coloca um romance lésbico próximo do centro de gravidade da história. Once Is Not Enough, de Guy Green (e com Kirk Douglas no papel principal) nasce de uma adaptação do romance homónimo publicado dois anos antes por Jaqueline Susan. Nas páginas as sugestões são contudo mais evidentes que a visão mostrada no ecrã. Esta não era, contudo, a primeira vez que personagens lésbicas surgiam no grande ecrã com alguma visibilidade. De resto é célebre o filme The Children’s Hour (1962), de William Wyler, no qual Audrey Hepburn e Shirley McLaine interpretam duas mulheres acusadas de entre si ter existido um relacionamento amoroso.
Inicialmente nascido como um fenómeno algo marginal, com os anos acabando por definir um verdadeiro fenómeno de culto, o filme The Rocky Horror Picture Show (1975, foto), de Jim Sharman, apresenta como protagonista um travesti da “transsexual” Transilvania. É um musical, parodiando elementos do cinema de ficção-científica e de terror, juntando no elenco figuras como Tim Curry (o exuberante protagonista) e Susan Sarandon.
Ao mesmo tempo o cinema europeu começava igualmente a romper a lógica de “invisibilidade que imperara nas décadas anteriores. De França chegava Johan, de Phillipe Valois (1976), filme de baixo orçamento, mas intenções firmes numa nova representação não apenas da homossexualidade mas também de formas de olhar o corpo masculino no grande ecrã. Em Portugal Óscar Alves - com filmes como Charme Indiscreto de Epifânea Sacadura (1975) ou Aventuras e Desventuras de Julieta Pi Pi (1978, foto) - e João Paulo Ferreira, com Fatucha Superstar (1976), experimentavam novas linguagens, todavia fora do circuito comercial de exibição. Com inequivocamente maior peso histórico devemos ter em conta Nicht der Homossexuelle ist Pervers, Sondern die Situation, in der el Lebt (traduzido no circuito internacional como It’s Not The Homssexual Who Is Perverese, But The Society in Wich He Lives), filme de 1971 do alemão Rosa von Praunheim, um dos pioneiros de uma ideia de cinema queer que então dá primeiros passos. A história de um jovem alemão que vai do campo para a cidade foca as várias sub-culturas gay da Berlim de então estabelecendo mais um importante retrato que hoje vale como um documento ficcionado de vivências dessa época.
Também em inícios dos anos 70 (em concreto em 1971), Lucchino Visconti (que havia já abordado abordado uma narrariva com personagens gay em The Damned, na sequência em que encena a célebre Noite das Facas Longas), criou aquele que rapidamente se transformou num clássico maior da cultura LGBT. Adaptando ao grande ecrã o romance Morte em Veneza [foto], de Thomas Mann, criou em torno da figura do professor Aschenbach (interpretado por Dirk Bogarde) e pela sua admiração platónica pelo jovem Tadzio uma ode trágica sobre a natureza da culpa que muitas vezes surge associada ao desejo. A utilização do adagietto da 5ª Sinfonia de Mahler em sequências-chave do filme fez desta obra uma referência da cultura LGBT. A chamada “trilogia alemã” de Visconti juntaria a The Damned (1969) e Morte em Veneza (1971) o filme Ludwig (1973), retrato do rei Luis II da Baviera, onde não faltam discretas referências à sexualidade do monarca que foi o grande patrono de Richard Wagner.
Sem comentários:
Enviar um comentário