Este texto adapta parte de uma notícia escrita para o Diário de Notícias e que foi publicada ontem, no dia 17 de Setembro de 2011.
O segundo dia de 15.º aniversário do Queer Lisboa foi assinalado pelo cinema emergente latino-americano. Um dos casos foi uma co-produção entre o Chile e a Argentina, “Mi Último Round”, escrita e realizada por Julio Jorquera Arriagada, e que decorre no sul do Chile, em Santiago, onde o autor nasceu e cresceu. Após ter trabalhado nas curtas-metragens “Gemidos y Silencios” (1999), “El Día” (2000) e “Para el Final” (2007), Arriagada trabalhou como assistente de realização e produtor em diversos filmes até se lançar nas “longas” com este drama interessante sobre a descoberta da sexualidade e do amor. Debruçando-se sobre um barbeiro e pugilista amador que, por ser epiléptico, é obrigado a abandonar a paixão pelo boxe, o filme acompanha, com contornos realistas, como a personagem se torna amante de Hugo, um assistente de cozinha, e tenta proteger a sua relação do exterior. “Mi Último Round” parece por isso transfigurar o tema do boxe e do amor num só. Contudo, há no filme o combate contra dois inimigos maiores, que também se transformam num: a epilepsia e os preconceitos da sociedade (e essa é a sua ideia dramatúrgica mais forte). O filme, exibido às 17h00, foi seguido da curta-metragem brasileira “Duelo”, de Marcelo Lee.
Ao mesmo tempo, foi exibido “Frauenzimmer”, documentário alemão de Saara Waasner sobre três avós alemãs que são prostitutas, que deixou, apesar do caso apelativo e do tema do envelhecimento, a impressão de que seria mais interessante não fosse o seu formato iminentemente televisivo e com dispensáveis talking heads.
Foi, no entanto, o documentário tailandês “Poo kor karn rai” (ou “The Terrorists”) que acabou por vencer o título de pior filme do dia, e que principia com a impressionante declaração, expressa pelo realizador (Thunska Pansittivorakul), de que o filme se preocupa com as vítimas da repressão policial sentida durante as manifestações em Banguecoque, na Primavera de 2010. O exercício acabou, no entanto, por revelar não ter absolutamente nada de político (as imagens, na maioria pornográficas, que se sucedem demonstram, para além de um profundo autismo e descuido, uma fragilidade que não se consegue sustentar nos títulos informativos e históricos que se sobrepõem à filmagem). Arrisca e é ousado sim, mas que adianta ser provocador se não há ideias (neste caso cinematográficas)?
Muito pelo contrário, a ficção “La Llamada” (Stefano Pasetto) foi a maior surpresa do dia de ontem, e que nos conduz, partindo de uma narrativa fluida e congruente e através de uma fotografia simples mas fascinante, para a paisagem da Patagónia e da relação de duas mulheres que se juntam (e se separam) pela força do seu passado. É importante realçar em “La Llamada” a relação que Pasetto tem com a música, com as actrizes (aplausos para a magnífica Sandra Ceccarelli) e a forma como a intimidade é filmada e – é precisamente isto que o documentário que referi no parágrafo anterior não consegue – comunicada.
Depois da sessão “Queer Pop”, na qual Nuno Galopim e João Lopes (autores de Sound + Vision) comentaram os telediscos de Kylie Minogue, vimos “Ausente”, ficção de Marco Berger que quase esgotou a sala Manoel de Oliveira. Seguida da curiosa curta-metragem “Blokes” (sobre o desejo de um adolescente nutrido por um vizinho durante a repressão chilena liderada pelo ditador Augusto Pinochet), a longa-metragem decepcionou pelas interpretações, por não arriscar mais do que queria (a história mostrava-nos a forma invulgar como um aluno engana o professor de Educação Física para invadir o seu espaço de privacidade) e por entrar em caminhos (técnicos e dramáticos) próprios de uma telenovela (e a sentimentalista sequência final confirmou isso mesmo).
A noite terminou com um desafio chamado “Leave Blank” (secção Noites Hard). Realizado e interpretado por Todd Verow, este pequeno e livre filme pornográfico que, essencialmente, acompanha um prostituto e um quarentão – o autor – nas suas aventuras sexuais, faz-nos rever, para além conceito de imagem “documental” (infelizmente, a ficção, confirmada no final, anula e baralha-nos a realidade que seguimos ao longo do filme), a ideia de privacidade (falamos da ousada exposição do corpo de Verow) e de ficção (o que é uma encenação diante da evidência, várias vezes relembrada, de que tudo é filmado?). E “Leave Blank” peca, para além da invalidação final do seu conteúdo pseudo-documental, pela sua quebra de ritmos.
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