O quinto dia da 15.ª edição do Queer Lisboa começou com uma curiosa e íntima carta de amor e de arrependimento, “I am” – i am Sonali Gulati (a realizadora), ou i am a lesbian, que, muito essencialmente, é o tema central deste documentário invulgar e, em dados momentos, comovente. Crónica social e política, o filme acompanha não só a viagem realizadora à Índia após a morte da mãe (a quem nunca se assumiu) como também retratos de várias famílias com filhos gays e de lésbicas.
Apesar do dia ter sido preenchido com produção cinematográfica menos mainstream, a estreia de “Romeos”, filme sobre um jovem transgénero na sua fase de descoberta sexual, mostrou como a narrativa consegue ligar um lado pedagógico e, ao mesmo tempo, com a pretensão de se dirigir para o grande público. Apesar da realização e argumento de Sabine Bernardi não ter grande mérito (há um exagero melodramático que roça, demasiadas vezes, uma pulsão meramente televisiva – para não dizermos própria de uma telenovela), reconhecemos como excepcional a prestação de Rick Okon, que interpreta a personagem de Lukas.
Pelo contrário, “In the Woods” (título original grego: Mesa Sto Dasos) fica na memória como a surpresa mais desagradável do Queer Lisboa 15. A sessão decorreu às 22h00 maior sala do São Jorge (Manoel de Oliveira) e, durante a hora e meia de filme, mais de oitenta pessoas (!) saíram a meio da projecção, havendo ainda lugar para uma estranha declaração de um espectador frustrado, que, antes de pedir desculpas, afirmou que “o atrasado mental que seleccionou isto deve estar a gozar connosco”.
Comecemos por ignorar, antes de tudo, as considerações sobre o filme e a indignação do público para denunciar aquilo que é, muito simplesmente, um erro de programação. “Mesa Sto Dasos” não tem qualquer ponta de dramaturgia (salvo uma breve ligação que podemos fazer nos últimos momentos), clássica ou não convencional, apresentando-se apenas como uma obra experimental, digamos um exercício de estilo (de Angelos Frantzis), que segue a relação de desejo e afectos de três jovens, e que acabam por se relacionar sexualmente uns com os outros. O facto é que “Mesa Sto Dasos” (sendo bom ou mau, isto para agora não interessa), não tendo narrativa não tem o único requisito necessário para estar presente na competição para uma longa-metragem de ficção (por que não a secção Queer Art ou uma sessão especial?). Seleccioná-lo, por isso, para a sala e para o horário mais concorridos demonstra não apenas incongruência como também uma opção que é anti-público (ou, pelo menos, “grande público”).
Por sua vez, “Meso Sto Dasos”, considerado meramente como objecto de expressão artística, tem um impacto surpreendente e interessante, sobretudo nas partes iniciais e finais (ressaltemos o papel da fotografia, que foi, também, da responsabilidade do realizador). No entanto, o deslumbre meramente estético não salva, nem de longe, nem de perto, a longa-metragem, que é constituída por um conteúdo profundamente intrincado, fechado em si mesmo (sem saber como comunicar para o espectador) e emproado.
Tô acompanhando o festival por aqui.
ResponderEliminarO Falcão Maltês