«O projecto acabaria por ganhar vida no Natal de 2005, chamando ao filme «The New World», que escreve, produz e realiza, uma biografia reflexiva e naturalista inspirada na vida da princesa índia Pocahontas. A partir de um orçamento de trinta milhões de dólares, cerca de trezentos quilómetros de película foram registados e Malick, obcecado na montagem até o último momento em todos os seus filmes, atrasa o lançamento do filme (à semelhança do que ocorreu com o novo «The Tree of Life»), mostra comercialmente uma versão de 150 minutos que é cortada para ser projectada internacionalmente e, em DVD, lança uma versão alongada de 172 minutos. Apesar das reacções mistas ao filme, Malick vê-o a ser nomeado com o Óscar de melhor fotografia.» (do post «Seguindo o trilho de Malick»)
Marcelo Pereira, autor do blogue Aros de Cebola, é desta vez o novo convidado especial e que nos apresenta a quarta longa-metragem de Terrence Malick - The New World (2005). Os meus maiores agradecimentos por esta colaboração.
Múltiplas são as incursões que, na recriação histórica e na documentação concisa, se incidem sobre um dos mais carismáticos episódios da história colonial britânica: a descoberta da Virgínia e a sua romantização. Fossilizando-se como uma lenda de intemporal trato e recordação, a história de Pocahontas recebeu, ao longo do percurso cinematográfico e das respectivas adaptações épicas, inúmeras ilustrações na tela, atingindo o seu ponto culminante com a longa-metragem animada, dos estudos Disney, de nome homónimo da nativa americana. Em 2005, e após o sucesso crítico e comercial de Dias do Paraíso e A Barreira Invisível, o realizador americano Terrence Malick dirige, sob um guião por ele redigido, O Novo Mundo, uma obra épica que se delonga sobre o já referido evento.
De uma produção anglo-americana guarnecida com um orçamento custoso e um elenco repleto de estrelas da indústria cinematográfica actual, O Novo Mundo adivinhava-se como um projecto academista e trivial, de banalidades frequentes e manobras demagogas. Contudo, Malick dissolve os vaticínios mais negativistas ao incorrer-se, que nem autor de tão característica arte de filmar, no rompimento de cânones convencionais e seculares (tão comuns no cinema de cariz histórico), ao lançar-se – anímica e totalmente – a uma obra esplendorosa, de uma compleição artística deleitosa e uma formosura narrativa deslumbrante. The New World (no seu original) é puro lirismo derramado sobre a tela, sarapintada com a poesia visual da fulgurante cinematografia (encargo do afamado Emmanuel Lubezki, também responsável pela estética d’A Árvore da Vida, novo projecto de Malick a estrear dia 26 de Maio nas salas portuguesas), alicerçada na pulcritude cénica e no seu arrepiante apuro imagético – o olhar do director repousa sobre os espaços, indaga no solo, sonda o âmago das suas personagens, afina-lhes o olhar e purifica-o através de uma enigmática névoa, algo etérea e idílica. Malick perscruta-lhes as emoções e fá-las emergir com um tacto e sensibilidade tais, de um primor de cortar a respiração.
Coibindo-se do vulgarizado aprumar de Hollywood nas instâncias históricas e no avultar épico de uma exaltada orquestra e um ritmo estonteante que a acompanha, O Novo Mundo é, como já referi, uma experiência que em todas as medidas e proporções se desvia dos padrões clássicos e dos moldes pretensiosos que os romances históricos têm criado regra: para além da sua primazia visual (tão requintada, tão miraculosa), a narrativa d’O Novo Mundo é também ela uma regalia para o espectador. Emotiva e contida, encantadora porém resguardada: um pouco como a personagem de Q'orianka Kilcher (popularmente apelidada de Pocahontas, embora não seja assim mencionada no filme), o enredo vai-se desfiando com a sua descrição, sóbria e responsável e então inebriando o público com a sua eloquência sensorial, apurada através de minudências no espaço e trejeitos das personagens. Ainda que algo disperso na recta final (bem capaz de aborrecer a audiência com sequências repetitivas e irrelevâncias narrativas), a diegese do filme vai-se distendendo com diligência e moderação, ancorada pelas prestações de irrepreensível figura: Colin Farrell, Kilcher, Christopher Plummer, David Thewlis e até Christian Bale (sim, até Bale) integram um elenco dedicado e proficiente.
Contornado pela mestria estética de Terrence Malick e pela destreza com que o mesmo narra esta lenda secular, O Novo Mundo singulariza-se pelo seu espiritual e cristalizado arrojo enquanto altíssona obra épica, cuja craveira e significância artística ficarão recordadas nos anais da história cinematográfica das últimas décadas.
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