Figura mítica na expressão do cinema pornográfico gay contemporâneo, François Sagat protagoniza o que, porventura, poderá ser considerado o mais pessoal dos filmes de Christophe Honoré, filho da Nouvelle Vague e realizador francês popularizado pela abordagem moderna com que olha as relações amorosas. Se Louis Garrel, em Dans Paris e o musical Les Chansons d’Amour, forma a imagem do «novo homem do amor», caracterizado pelo culto da intelectualidade, arte e da aceitação sexual, François Sagat – e todas as personagens que o acompanham – protagoniza um estádio diferente dessa mesma identidade. Nessa progressão não existe o encanto sedutor que a persona apresentada por Garrel (para quem o corpo e a matéria não interessam) quer ter para o público. Pelo contrário, poderíamos tomar a personagem de Sagat como a mais trágica já construída pelo realizador.
Apesar de se guiar no esquema de apresentar como lida um casal de namorados após se separarem, Christophe assume o centro das atenções na pujança de François, captando a angústia de este querer ultrapassar a notabilidade do físico, a ilusão do que lhe é exterior ao pensamento e do que representa enquanto corpo. Como prostituto, debate-se com um problema de estima e conformidade consigo próprio, agravado mais ainda com a ausência de Omar, companheiro que julga ser o único a compreendê-lo. Quando este parte, como que definitivamente, para Nova Iorque para a apresentação de um filme, a comuna francesa de Gennevilliers passa a servir como a paisagem da solidão e vazio que coabitam em Emmanuel, vivendo os últimos dias na casa que partilharam, na obsessão de o tentar esquecer e entender a sua ida. Para ele, a partida do companheiro significa, tão-somente, uma nova rejeição de si, e regressar, apercebe-se então, quer dizer, apenas, a vontade de querer voltar a uma conspurcação carnal que lhe pode dar. François Sagat expõe a sua celebridade em Emmanuel e o acolhimento pelo seu público-alvo. E isso, para Honoré, que toma a sua figura como objecto de contemplação, longe da concepção de «má arte» e de corpo «kitsch» anunciada na abertura do filme, acaba por justificar a expressão de um ponto de vista indulgente com Emmanuel. Este parece representar-lhe um conceito novo de individualidade: mostra-se o trabalho do corpo como trabalho da personalidade, com vista à sua admiração e com o objectivo secundário de criar um escudo de forças para se proteger daqueles que não querem (ou podem) conhecê-lo verdadeiramente. A fronteira entre a masculinidade e a feminilidade enfim se esbate.
Paralelamente, Honoré apresenta a jornada de Omar, o realizador, na caótica Nova Iorque, fugindo de uma responsabilidade invisível na maneira como filma o seu quotidiano e interesses. Não há como caracterizar a realista, espontânea e documental câmara e visão de Omar, que acaba por se diluir na de Christophe. É, de certa maneira, semelhante ao acto sexual, que se resta à naturalidade e à confusão de imagens. E isso acaba, provavelmente, por se demonstrar no estado dos dois, Omar e Emmanuel: ambos estão perdidos. No entanto, apenas o segundo disso se apercebe, acabando o filme por se finalizar na vitória de consciência da personagem de Sagat, e na superação do interesse das pessoas pelo seu aspecto.
Homme au Bain tenta fazer isso mesmo: com a liberdade no filmar, Honoré tenta livrar-se dos grilhões da aparência e da forma, querendo, apenas, observar tudo e do modo que mais lhe convier. De certa maneira, nesse aspecto, foi bem sucedido – daí que a longa-metragem, de baixíssimo orçamento, ultrapasse as classificações de género porque, aqui, não se pode dizer que haja nem uma imagem pornográfica nem erótica. Simplesmente há a representação natural do corpo do homem e a anunciação de uma liberdade ideal e tangível.
Este filme será projectado hoje, dia 6 de Maio, e dia 14, às 21:45, na sala 1 do Cinema São Jorge.
Um dos teus melhores textos críticos. Gostei.
ResponderEliminarMuito bem escrito Flávio, gostei bastante. Faz-me ficar a roer ainda mais por ir perder as sessões no indie :x
ResponderEliminarObrigado aos dois. Tens que ver André...
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