Após ter estreado entre nós Banksy - Pinta a Parede! no cinema, como podemos voltar a olhar a arte urbana que preenche as nossas ruas?
Aportuguesada de arte urbana, a art underground redefiniu, nas passadas décadas, as fronteiras e a subjectividade da expressão artística, colocando-a no limiar do vandalismo. Banksy, pseudónimo do célebre e misterioso artista de rua britânico, chega a Portugal lançando um documentário que, à semelhança do seu trabalho presente nas paredes de todo o mundo, é instintivo e carismático, embora impositivo e ilegal.
Porta-voz de todo um movimento libertário, Banksy prefere falar pouco de si. Surge na penumbra, impelido a manter o anonimato, provando que não é a auto-imagem a força motriz da projecção mediática. Ao contrário do que o autêntico protagonista deste filme acreditava ser (que é bem real e vingou na vida mostrando-se à população), Bansky é um verdadeiro fantasma. Espectro de uma geração inconformada, política e socialmente activa e subversiva, não olha a meios para expor a sua obra: para além de espalhar diversas pinturas e mensagens humorísticas em stencil (técnica de aplicação de uma figura através da pintura numa base recortada), substituiu em vários museus nova-iorquinos obras de arte expostas por outras adulteradas; grafitou nove partes do Muro da Cisjordânia; trocou, em 47 lojas de Inglaterra, os originais do álbum debutante de Paris Hilton por cópias falsas com outras músicas; pintou um elefante antes de o colocar dentro de uma exibição pública (aludindo à expressão inglesa “elephant in the room”, criando uma espécie de statement que significaria que a verdade está diante dos olhos de todos, ainda que seja ignorada); e expôs, ao lado de uma montanha russa da Disneyland em Califórnia, um boneco insuflável de um prisioneiro do Guantánamo. Criticando os problemas da contemporaneidade explorando uma ideologia anarquista, pacifista, anti-capitalista e absurda, assim se tratam os seus trabalhos: eficazes e provocantes, apesar de serem falíveis à passagem do tempo e ao desaparecimento. A luta pela presença e pela eternização parece ter-se consolidado, depois de uma aparição na televisão (em que idealizou a entrada e alguns cenários de um dos episódios da série The Simpsons), com o cinema: e é neste primeiro filme que Bansky, embora queira eternizar tudo aquilo que parecia destinado a permanecer na memória e no passado, traça a história de um homem que passa da sua obsessão por filmar tudo o que lhe rodeia (com vista a proteger a vida em cassetes com as quais a pudesse rever) para a arte de rua (marginal e provisória e que transforma as ruas em galerias de arte).
Banksy – Pinta a Parede! (ou, no seu original, Exit through the gift shop) não é, no entanto, uma longa-metragem sobre um dos mais famosos artistas de rua. Apesar de se colocar sob a sua influência omnipresente, vive à luz da história de vida de como Thierry Guetta, humilde imigrante francês, casado, pai e obcecado por registar toda a sua vida na câmara amadora que leva na mão, se transforma no famoso artista underground Mr. Brainwash, que termina no filme por fazer a capa do álbum Celebration, de Madonna. Numas férias de verão em França, Thierry descobre que o sobrinho é um reputado artista underground apelidado de Invader e que coloca, nas ruas, ilegalmente, mosaicos inspirados do videojogo Space Invaders. A partir deste episódio, percebemos que a vida de Thierry dá uma volta de 180 graus. Apoiando-se nos registos audiovisuais que o amigo foi captando desenfreadamente, Banksy propõe-se a dar a ver como um homem simples e sem ambições se transforma num activo realizador, em busca do ideal de um filme perfeito sobre a arte de rua e, depois, num criador de sucesso. É precisamente nessa camada que se mascara o documentário que seguimos do princípio: no acompanhamento do processo de construção de outra criação cinematográfica.
Trespassando, livremente, a barreira da realidade e da ficção, Exit through the gift shop se não fosse um filme estaria, certamente, pintado numa parede.
Este artigo foi originalmente publicado na revista Notícias Sábado que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, no dia 28 de Maio de 2011.
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