terça-feira, setembro 06, 2011

Uma história do cinema queer (5/6):
Chega o new queer cinema

Não aconteceu por um qualquer plano decidido entre pensadores com uma ideia comum em vista. Tudo se deve, na realidade a um artigo publicado na revista inglesa Sight + Sound, mostrando como, anos depois da nouvelle vague e da sua ligação aos Cahiers du Cinéma, o jornalismo ainda tem um papel a cumprir na história da criação cultural. É claro que os filmes já existiam (e estavam a marcar presença em festivais de cinema por essa altura). Mas foi das palavras assinadas por B. Ruby Rich que nasceu a expressão new queer cinema. Daí, depois, cresce toda uma nova geração de criadores e espectadores. Com os festivais de cinema gay e lésbico que, pelo mundo fora, começaram a surgir em quantidade como principal centro de gravidade.

De repente, por coincidência (que o artigo identificou), passavam por festivais de cinema filmes que reflectiam outras, e bem distintas, representações de homossexualidade. Para lá das fronteiras do par “clássico” de destinos temáticos que, desde inícios dos anos 70, ora expressava a busca de personagens visando uma noção de imagem “positiva” para plateias mainstream ora a ousadia mais marginal de criadores mais próximos dos universos experimentais, o new queer cinema reflectia simplesmente uma nova ideia: tudo era possível. As personagens (fossem gays, lésbicas, transsexuais ou bissexuais) não seguiam mais uma agenda de intenções, procurando antes a liberdade que a ficção permite ao criador, abrindo alas dos espaços de mais cortante realismo aos domínios da fantasia mais delirante. Sem constrangimentos na forma, nas linguagens visuais, nas opções estéticas. Ou seja, os filmes podiam ser radicais e populares, esteticamente aprumados e economicamente viáveis... Ou nem por isso.

A identificação destes importantes sinais de mudança deve-se em muito ao programa das edições de 1991 e 92 do Festival de Sundance (no Utah). Ali foram exibidos filmes como Poison (1991) de Todd Haynes (que cita, numa das narrativas que comporta, ecos do clássico Un Chant d’Amour de Jean Genet), Swoon (1992; foto) de Tom Kalin (um reencontro com o mesmo caso verídico que inspirara A Corda de Hitchcock, porém deixando mais clara a sexualidade dos protagonistas) ou Paris Is Burning (1991) de Jennie Livingston (documentário sobre uma cultura underground nova iorquina à qual está associada a génese do vogueing, a dança que motivou canções como Deep In Vougue de Malcolm McLaren ou Vogue, de Madonna). Ao mesmo tempo dava que falar The Living End (1992), que apresentava o realizador Gregg Araki (que se afirmaria como um dos mais interessantes retratistas da juventude LGBT americana dos anos 90).

Já havia contudo pistas lançadas nos oitentas. Em alguns casos até antes... É o caso, por exemplo, do realizador britânico Derek Jarman, que desde cedo expressara um interesse por um certo radicalismo visual e narrativo, quer quando olhava os ecos da revolução punk em Jubilee (1977) quer quando retratara a figura de Caravaggio (em 1986). Em 1991, ao mesmo tempo que jovens realizadores revelavam os filmes que talharam a expressão new queer cinema, Jarman apresentava Edward II (foto), filme que juntava a um olhar histórico sobre o rei inglês do século XIV (à sua paixão por um elemento da sua corte e a forma como ambos acabaram derrubados), marcas de expressão uma cultura nova, nascida do activismo empenhado de associações LGBT em tempo de expressão pública de formas de luta contra a sida. Pelo elenco do filme passam figuras como Annie Lennox (a ex-vocalista dos Eurythmics) e Tilda Swinton, actriz presente em vários filmes de Derek Jarman.

Outro dos realizadores já com alguma obra feita quando se começou a falar de new queer cinema era o norte-americano Gus Van Sant. Na verdade o seu filme de estreia, Mala Noche (1985, primeira foto) pode inclusivamente ser tomado como um claro percussor da ideia de cinema que caracteriza este movimento. Baseado num romance autobiográfico do poeta Walt Curtis, Mala Noche toma um homossexual como protagonista, acompanhando-o numa narrativa onde, sem a necessidade de vincar nitidamente todos os temas escutados, se sente como que um lançar de ideias que ganhariam expressão em filmes posteriores do realizador. Em inícios dos anos 90 Van Sant propunha My Own Private Idaho (1991), filme como River Phoenix e Keanu Reeves que retratava a vida de prostitutos masculinos no estado do Oregon (onde o realizador vive e rodou grande parte dos seus filmes).

De finais dos anos 90 chegaram também Looking For Langston (1989, foto). O filme, assinado por Isaac Julien, cruza imagens de época com uma ficção recriada, reencontrando memórias do movimento nova iorquino dos anos 20 a que se chamou Harlem Resistence e, sem propor um biopic, olhar a figura de Langston Hughes. Com fotografia a preto e branco, foi das primeiras abordagens ao amor gay entre personagens negras. 

Consequência (ou não) desta nova forma de encarar a cultura LGBT no grande ecrã, e expressão de um emergente reequacionar de costumes, aos anos 90 assistiram igualmente a outro tipo de abordagens de personagens homossexuais não apenas no cinema, como na televisão. Originalmente uma peça de teatro, adaptada a telefilme, com tanto sucesso que chegou a ter mesmo estreia em sala, Beautiful Thing (1993, foto), de Hettie MacDonald é um exemplo de uma realidade que começa então a ganhar forma. Com foco numa família socialmente desfavorecida no Sul de Londres, o filme observa o florescer do relacionamento entre dois vizinhos num meio onde o que sentem prece mais agressivo e reprovador que o que acaba realmente por se revelar.

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