terça-feira, maio 17, 2011

Para além do realismo



O jornalista e crítico de cinema do Diário de Notícias e um dos autores do blogue sound+vision João Lopes escreve para O Sétimo Continente, de Cannes, sobre Days of Heaven e com  a visão ainda renovada de quem viu o mais recente The Tree of Life.  Os meus maiores agradecimentos por esta colaboração.
Provavelmente, Terrence Malick não aceitará como evidente a classificação da sua obra como realista. Em boa verdade, como colar um rótulo tão unívoco a um universo que cultiva a maior diversidade interior e também o gosto pelas ambivalências de todas as linguagens?

Days of Heaven/Dias do Paraíso (1978) parece-me, nesse aspecto, um objecto exemplar – e exemplarmente moderno. A sua evocação da vida rural (Texas, 1916) envolve uma valorização sensorial e iconográfica dos elementos paisagísticos. Não para fazer “pintura”, antes para celebrar na paisagem um elemento que compromete o ser humano, o seu destino individual e a sua dinâmica colectiva.

Nesta perspectiva, o trabalho de Nestor Almendros na direcção fotográfica de Dias do Paraíso é absolutamente fundamental: ele trata a luz e as cores como matérias que não servem de “fundo” à acção, antes desenham, configuram e integram essa própria acção.

Nascido em Barcelona, Almendros (1930-1992) foi um notável profissional que fez a ponte entre Europa e EUA, começando por deixar marcas muito fortes nas obras de dois nomes vindos da Nova Vaga francesa: François Truffaut e Eric Rohmer (O Menino Selvagem do primeiro e A Marquesa d’O do segundo, respectivamente de 1970 e 1976, podem exemplificar esse trabalho).

O seu envolvimento com a indústria americana teria o momento de consagração máxima precisamente com Dias do Paraíso, que lhe valeu o Óscar de melhor fotografia. Depois, assinou as prodigiosas imagens de títulos como Kramer Contra Kramer (1979), de Robert Benton, A Escolha de Sofia (1982), de Alan J. Pakula, e Life Lessons, o episódio de Martin Scorsese para Histórias de Nova Iorque (1989).

Para Malick, as imagens de Almendros existem como testemunho de uma realidade filmada à flor da pele, ao mesmo tempo que apelam a uma transcendência inerente ao próprio questionamento do humano. No fundo, ele é um autor atento à nossa continuada ânsia de sagrado. Quando vemos o novíssimo e sublime The Tree of Life, percebemos que essa demanda continua a ser o principal motor do seu desejo de filmar.

João Lopes
Cannes, 17 de Maio de 2011

1 comentário:

  1. enorme João Lopes, pela forma ágil e desenvolta como tudo congrega em 1 ou 2 conceitos, pontos cardeias por onde passa a essencia de uma obra.

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