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terça-feira, dezembro 06, 2011

Para os Cahiers temos Moretti

Já se tornou num hábito. Desde 1951 (com alguns anos em branco), no final do ano, a revista de cinema francesa Cahiers du Cinéma lista e divulga aqueles que considera serem os dez melhores filmes do ano. Os de 2011 já estão escolhidos e elegem “Habemos Papam – Temos Papa”, a mais recente longa-metragem de Nanni Moretti que está, actualmente, nas nossas salas de cinema, como o melhor dos melhores. A surpresa (que, em boa verdade, o deixou de ser com a passagem dos anos) é que, em segundo posição e em ex-aequo com a Palma de Ouro A Árvore da Vida, de Terrence Malick, encontramos O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira.

As curiosidades? Primeiro: nos três anos passados os Cahiers fizeram menção a filmes portugueses (em 2010, a Morrer como um Homem, de João Pedro Rodrigues, em 2009, a Singularidades de uma Rapariga Loira, de Manoel de Oliveira e, em 2008, a Juventude em Marcha, de Pedro Costa). Segundo: o cineasta português veterano já foi mencionado nas listas da mítica publicação francesa 10 vezes (em 1981, com Francisca, que esteve na primeira posição; em 1989, com Os Canibais; em 1990, com Non ou a Vã Glória de Mandar; em 1993, com Vale Abraão; em 1998, com Inquietude; em 1999, com A Carta; em 2001, com Vou Para Casa; em 2002, com O Princípio da Incerteza; em 2009 e em 2011).

A lista deste ano faz menção ainda a filmes como Hors Satan, de Bruno Dumont, Melancolia, de Lars Von Trier, e a Super 8, de J. J. Abrams:


1. Habemus Papam - Temos Papa, de Nanni Moretti
2. O Estranho Caso de Angélica, de Manoel de Oliveira 
em ex-aequo com A Árvore da Vida, de Terrence Malick 
4. Hors Satan, de Bruno Dumont 
em ex-aequo com Essential Killing - Matar para Viver, de Jerzy Skolimowski 
6. Melancolia, de Lars Von Trier 
em ex-aequo com Un été brûlant, de Philippe Garrel 
8. Super 8, de J.J. Abrams 
em ex-aequo com L'Apollonide, de Bertrand Bonello 
e com O Atalho, de Kelly Reichardt

sábado, maio 21, 2011

Cannes [7-10]: Os dias em que a Croisette tremeu


A grande festa do cinema teve, nos dias passados, eventos que chegaram a marcar a sua história. Referimo-nos, um pouco mais especificamente, à expulsão de Lars Von Trier após as declarações feitas em conferência de imprensa – mas já aí vamos. Recordemos, primeiro, o sétimo dia do Festival de Cannes. Assinalado pela apresentação, em competição pela Palma de Ouro, do aplaudido «L’Havre», do realizador Aki Kaurismäki. «Divertimento» acima de tudo o resto, o cineasta diz, na conferência de imprensa (aqui): «Não tenho esperança alguma em relação ao nosso planeta quando vejo os homens que habitam nele, é por isso que não dramatizo mais e que o meu filme é antes de tudo um divertimento. Aos 10 anos, certas coisas já me tinha desiludido mas, nessa época, fingia que acreditava nelas para suscitar esperança nos outros». O crítico de cinema do Ípsilon Vasco Câmara escreve: «Le Havre não é filme de respostas e é seco como um carapau se se procura discussão de "tema do dia". Mas fala-nos de outras maneiras e por todos os lados, apesar de ser quase sempre mudo, e sempre para nos dizer que o mundo é feito ao contrário daquilo que o filme mostra, com os silêncios, com as cores e com os cenários e não só com os (poucos) diálogos dos actores.»

O realizador Alain Cavalier apresentou, a competir para a Palma de Ouro, «Pater», que o enviado José Vieira Mendes diz ser «um filme muito interessante mas igualmente uma das obras mais bizarras e âmbiguas desta selecção oficial.» Por sua vez, Jodie Foster estreou-se na realização trazendo a Cannes «The Beaver» (fora de competição), com Mel Gibson como protagonista, e que, na conferência de imprensa (aqui), afirmou: «fazer filmes é a minha forma de enfrentar a minha própria crise interior. É um processo de cura para fazer avançar a minha vida». O crítico de cinema João Lopes escreveu que «para além de ser um dos momentos altos deste festival, será também, por certo, um dos grandes acontecimentos do ano cinematográfico».
O maior acontecimento do oitavo dia no Festival de Cannes, que o situou nos destaques jornalísticos um pouco em redor do mundo por razões extra-cinematográficas, foi a conferência de imprensa do filme «Melancholia», do realizador dinamarquês Lars Von Trier (e que pode ser aqui visualizada integralmente). Controverso e lascivo como gosta de estar perante os jornalistas (Von Trier tinha já afirmado que se considerava «o melhor realizador do mundo» e, neste dia, trazia nos dedos da mão direita, a palavra «fuck» escrita), as declarações que fez face às questões abalaram a direcção do festival. A tensão instalou-se, primeiro, quando referiu, em tom machista, a posição das actrizes que protagonizam o filme (Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg): «É assim que as mulheres são, e a Charlotte está por trás disto. Elas agora quem um filme hardcore e estou a fazer o meu melhor. Eu disse para termos muito diálogo e elas disseram que não queria saber das conversas e que só queriam muito sexo. É o que estou a escrever agora». Após ter considerado em tom jocoso que considerava o filme uma «porcaria», o dinamarquês, questionado sobre as suas raízes germânicas, respondeu: «eu achava que era judeu e era muito feliz por isso. Mas depois descobri que na verdade era nazi», acrescentando: «Como sabem, a minha família era alemã... O que também me deu algum prazer», e: «O que posso dizer? Eu compreendo o Hitler. É claro que ele fez algumas coisas erradas mas eu consigo imaginá-lo no fim sentado no seu bunker... Eu simpatizo com ele, um bocadinho». Mordaz mas nervoso, Von Trier tentou ainda emendar a sua tirada irónica justificando-se perante uma sala cheia de jornalistas silenciosos, mas em vão, ao referir Israel como uma «pedra no sapato». Um pouco por todo o mundo, as reacções espalharam-se (e também divergiram), chegando ao ponto de a Associação Americana das Vítimas do Holocausto e dos seus Descendentes considerar o evento como «uma exploração do sofrimento das vítimas para se auto promover e publicitar» e o realizador como um «fracassado moral». Nessa tarde, o Festival de Cannes exigiu ao realizador explicações que, por sua vez disse que «se ofendi alguém esta manhã com as palavras que disse na conferência de imprensa, eu peço as mais sinceras desculpas». Em comunicado de imprensa, pudemos ler no portal: «A direcção do Festival toma nota e transmite as desculpas de Lars von Trier, reafirmando que nunca admitirá que a manifestação possa ser palco de tais declarações sobre tais assuntos.»

Sobre o filme, houve, um pouco por toda a parte, reacções negativas – Vasco Câmara escreveu que «é apenas um ensopado de ambição wagneriana, tal como a publicidade nas páginas da Vogue ou da Vanity Fair poderia recriar»; João Lopes que é «um filme que se limita a coleccionar uma série de lugares-comuns sobre as crises familiares e conjugais, com uma câmara muito ágil (?) e muito preguiçosa, de vez em quando "enfeitando" a (in)acção com alguns sofisticados efeitos digitais».

Em competição para a Palma de Ouro, a realizadora Naomi Kawase apresentou «Hanezu No Tsuki» (cuja conferência de imprensa poderá ser vista aqui). A assinalar o dia 18 esteve ainda «La Conquête», o filme de Xavier Durringer sobre Nicolas Sarkozy, igualmente mal recebido pelos críticos supracitados: Vasco Câmara considera que o filme «nunca tira a política do teatro televisivo» e João Lopes que a obra cria «uma galeria de personagens-marionetas que existem menos em função de qualquer desejo de história e mais para impor uma iconografia "naturalista", sem espessura dramática nem visão histórica».

No dia seguinte, o Festival de Cannes vivia ainda perturbado sobre a sombra das palavras de Lars Von Trier. Face às mesmas, foi deixada uma declaração que viria a fazer novamente notícia nas páginas dos jornais: «O Festival de Cannes propõe aos artistas do mundo inteiro um fórum excepcional para que possam apresentar as suas obras e defender a liberdade de expressão e de criação. O Conselho de Direcção do Festival, que realiza uma reunião extraordinária hoje, dia 19 de Maio de 2011, deplora que este fórum tenha sido utilizado por Lars Von Trier para exprimir comentários que são inaceitáveis, intoleráveis e contrários aos ideais de humanidade e de generosidade que presidem a existência vital do Festival. O Conselho de Direcção condena severamente estes comentários e declara Lars Von Trier persona non grata no Festival de Cannes, imediatamente aplicável.» Deixando de ser bem-vindo e banido no festival em futuras edições, o dinamarquês conseguiu ainda que «Melancholia» restasse em competição para a Palma de Ouro (ainda que, no domingo, caso a vença, tenha sido aconselhado a não recebê-la na cerimónia). Termina assim a novela de um festival de cinema que acolheu Von Trier como um filho e o viu crescer, galardoando-o em 2000 com a Palma de Ouro para «Dancer in the Dark».

Quanto a competição oficial, o realizador espanhol Pedro Almodóvar, assumidamente desiludido por nunca ter vencido no prémio máximo, regressa à Riviera Francesa com «La Piel que Habito», com Antonio Banderas. Sobre a narrativa, Almodóvar diz-nos (aqui, na conferência de imprensa) que «é uma história de sobrevivência em condições extremas, e isso é a história da humanidade. Pensei ao mito de Frankenstein depois, e sobretudo à ligação com o mito dos titãs e de Prometeu». Vasco Câmara opina e escreve que «é tão incomodativa a plasticidade forçada, peças díspares que não colam, que resistem a fazer corpo, que quando há a sensação de autoparódia involuntária serena já a coisa esta à beira de acabar. Mas que filme podia ter sido, a que delírios podia ter chegado.»

A concorrer para a Palma de Ouro esteve ainda Takashi Miike, com «Ichimei», a primeira longa-metragem a entrar em competição a utilizar a tecnologia do 3D. Este diz, na conferência de imprensa (a ver aqui): «o tema, o enquadramento e o cenário de Ichimei foram propícios a uma filmagem em 3D. Disto isto, filmar em 3D impõe muitos constrangimentos. O filme não tem cenas de batalhas porque demora muito filmá-las em 3D. Por outro lado, filmar em 3D cria outra espécie de excitação». Vasco Câmara escreve, no Ípsilon: «são tipos a falar, como em "Cães Danados", de Tarantino, mas coisa mais hierática, e de vez em quando há uma "cena da orelha", que aqui são cenas de seppuku. Só que o filme não nos compensa pelo facto de Takashi Miike não ser Akira Kurosawa

Foi ainda projectada uma versão restaurada de «Laranja Mecânica», de Stanley Kubrick.

Dia 20 de Maio foi o décimo do Festival de Cannes e assinalou-se por «This Must Be the Place», de Paolo Sorrentino, com Sean Penn, que representa uma ex-estrela rock semelhante (em parecença) com Robert Smith, vocalista dos The Cure. Na conferência de imprensa (a ser vista aqui), o actor explica como o projecto nasceu: «Nós encontrámo-nos durante o Festival de Cannes 2008, aquando da entrega dos prémios. Paolo acabava de receber o Prémio do Júri por Il Divo. Disse-lhe algo do género: "É quando quiser, onde quiser, seja qual for o argumento". Um ano mais tarde, recebi-o. Não tive nenhuma hesitação». João Lopes escreve: «É mesmo uma ficção total, centrada na figura de um ex-rocker, de nome Cheyenne, que tenta ajustar contas com os muitos fantasmas do passado, em particular com a memória traumática do seu pai — uma boa surpresa, em tom de drama interior, transfigurado pelos cenários (irlandeses e americanos) e também pela vertigem da memória.»

«Drive», filme de acção de Nicolas Winding Refn com Ryan Gosling e Carey Muligan, tem, na opinião de José Vieira Mendes, «os condimentos para 'Drive' se tornar quase num clássico de série B, mas que no melhor propósito até se parece às vezes com Colateral' ou com 'Heat'- Cidade sob Pressão, ambos de Michael Mann. Esta comparação só abona em favor de um filme interessante e intrigante, assinado pelo jovem realizador dinamarquês, que nos seus filmes europeus ('Pusher' e 'Broson'), não atinge este patamar e usa e abusa de uma violência radical sem qualquer sentido.»

Este dia ficou ainda marcado, fora de competição, pela presença do aplaudido «Isto não é um Filme», de Jafar Panahi, filmado na sua prisão domiciliária em Teerão. O co-realizador Mojtaba Mirtahmasb diz: «Não podemos virar a câmara para a nossa sociedade, portanto viramo-la para nós mesmos. Não quisemos baixar os braços perante a situação, mas sim utilizá-la de forma útil. Decidimos então tomar a energia desta situação para fazermos algo dela”. Serge Toubiana: “É um filme sobre a encenação. A encenação é um processo mental. Um cineasta faz um filme na cabeça. Quando se está privado de cinema, pode-se na mesma sonhar com um filme e é o que nos diz este filme magnífico», e ainda: «Preferimos ser homens livres do que heróis prisioneiros. Não somos combatentes políticos. Somos realizadores».



No seguimento da projecção, no dia anterior, de «Laranja Mecânica», o actor Malcolm MacDowell prestou uma conferência e homenagem ao icónico realizador Stanley Kubrick. « Gosto de dar energia às minhas personagens. Não gosto das personagens em 2D. Geralmente, baseio-me no meu instinto para lhe dar profundidade. Quando me iniciei, decorava o guião para não voltar a pegar nele. Hoje em dia, com a idade, é mais difícil! Gosto de trabalhar os textos e de esquecê-los depois, de modo a ficar livre para fazer o que quero durante a filmagem», explicou.

Resta referir os prémios que já começaram a ser entregues: a Cinéfondation com o Grande Prémio para «La Lettre», realizado por Doroteya Droumeva, e na Semana da Crítica que premiou «Take Shelter», de Jeff Nichols, com o Grande Prémio e «Las Acacias», de Pablo Giorgelli, com o Prémio de Apoio à Difusão e Prémio da Crítica Jovem da Semana da Crítica.

Os vencedores da Quinzena dos Realizadores foram também anunciados: «Les Geants», de Bouli Lanners, e «Atmen», de Karl Markovics, foram os vencedores, o primeiro com o Grande Prémio da Quinzena e o Prémio Arte, bem como o Galardão SACD (Melhor Filme em Francês). O segundo levou o Prémio Label Europa Cinemas (Melhor Filme Europeu).

O Festival de Cannes termina no domingo.

quinta-feira, abril 14, 2011

Cannes 2011 [ii]

O Festival de Cannes deste ano, que decorrerá entre 11 a 22 de Maio deste ano, já divulgou, durante a conferência de imprensa realizada por Gilles Jacob e Thierry Frémaux no Grand Hôtel, em Paris, a sua Selecção Oficial e os Júris. Robert DeNiro presidirá o conjunto dos mesmos, contando com Emir Kusturica na secção Un Certain Regard. O filme que abrirá o festival será Midnight in Paris, de Woody Allen, e contará, entre muitos outros grandes competidores, com realizadores como Bruno Dumont (Hors Satan), Pedro Almodóvar (La Piel Que Habito), Jean-Pierre e Luc Dardenne (Le Gamin au Vélo), Terrence Malick (The Tree of Life), Nanni Moretti (Habemus Papam), e Lars Von Trier (Melancholia). Na secção Un Certain Regard, Gus Van Sant abrirá Cannes com o seu mais recente Restless, competindo com cineastas com Kim Ku-Duk (Arirang). Jodie Foster (The Beaver) marcará presença no festival fora de competição. Interessante também será relembrar que, no dia 19 de Maio, Cannes projectará uma restauração da responsabilidade da Warner Bros. do mítico A Clockwork Orange. O dossier de imprensa pode ser consultado aqui.

Podemos, por isso, contar com grandes nomes e uma edição bastante promissora para este ano. Cá se esperam tos filmes ansiosamente.

sábado, abril 09, 2011

O fim do mundo em 2011


Lars Von Trier está prestes a lançar Melancholia, o seu Solaris e a sua mais recente longa-metragem que, para além da conhecida Charlotte Gainsbourg (Antichrist), contará com o protagonismo de Kirsten Dunst, que, parece, terá a oportunidade para mostrar o seu talento à semelhança de como Nicole Kidman o fez com Dogville. O trailer lançado ontem parece aproximar-se do registo fotográfico do filme precedente do realizador, mantendo algumas características da sua forma de filmar (vejam-se, a título de exemplo, os zoom in como forma de intensificar a acção) e manipulação dos diálogos.

No entanto, Von Trier parece não ser o único cineasta a enveredar por uma aproximação do Apocalipse e da compreensão do fim do mundo e do homem, como se pairasse uma espécie de medo crescente por algo que há-de vir. Terrence Malick, com A Árvore da Vida, e Béla Tarr, com O Cavalo de Turim, anunciaram o "fim" filmado e imaginado pelo olhar de ambos. Poderemos ver estes três filmes, e as respectivas semelhanças, ainda este ano. Pisca-se o olho às referências do grande mito de Dezembro de 2012, enquanto se assiste a estreias profícuas financeiramente para o público mais mainstream.

sexta-feira, dezembro 31, 2010

Os dez melhores filmes do ano

2010 foi um ano em grande. Recordá-lo-ei, em termos de descobertas, por ter sentido Béla Tarr, Kieslowski, Dreyer, Kiarostami, entre tantos, tantos outros. E, sem sombra para hesitações, Tarkovsky coloca-se na maior revelação cinematográfica do ano que tive. Fazendo um breve e injustamente descuidado balanço, posso constatar que a minha relação com o cinema mudou, cresceu, tanto mais não seja por ter começado a estudá-lo e a preparar-me para trabalhar nele. Apesar de tudo, é bom olhar para o ano que passou, e isto falando sempre em termos cinematográficos, quanto às estreias que as salas portuguesas deram. E, sobre elas, dei-me a oportunidade, muito à semelhança que outros autores da blogosfera, e não só, andam a fazer, de elaborar a lista do que considero serem os 10 melhores filmes que estrearam em Portugal em 2010:

10 | The Ghost Writer, de Roman Polanski

9 | Shutter Island, de Martin Scorsese

8 | Copie Conforme, de Abbas Kiarostami

7 | Lola, de Brillante Mendoza

6 | Kynodontas, de Giorgos Lanthimos

5 | Antichrist, de Lars Von Trier

4 | L'Illusionniste, de Sylvain Chomet

3 | Das weiße Band, de Michael Haneke

2 | Shirin, de Abbas Kiarostami

1 | A Single Man, de Tom Ford

A todos os leitores desejo um bom ano novo e deixo o desafio de dizerem quais seriam as vossas escolhas. E, quanto a este espaço, que anda um tanto parado, novas remodelações, em conteúdo (quanto ao design já tive a oportunidade de mudar), virão, de forma a que continue a escrever, com a calma e o prazer devidos.

sábado, março 27, 2010

Do bullying escolar (e não só)

Fenómeno estranho, este, o bullying. Tal como tudo na aldeola minúscula e passiva que Portugal cada vez mais é por venerar o seu deus recém-adquirido e importado do estrangeiro (a comunicação social sensacionalista), bastou um rapaz atirar-se ao rio para que a violência física e psicológica entre a camada adolescente, chamada de um neologismo que pegou moda, passasse a ser o tema em voga das revistas-cor-de-rosa, dos jornais cor-de-rosas disfarçados de azul, das televisões cor-de-rosa, das estações de rádio cor-de-rosa, das conversas de autocarro, das palestras escolares e, como se tudo não bastasse, do governo, pressionado, que se aprontou a demonstrar medidas que reduzissem a situação. Não, esta publicação não vai servir para esclarecer que esta existe há séculos ou que é mais englobante que o escolar, nem servirá para enegrecer (ou dignificar) os adolescentes, cuja voz, por vontade da apática maioria, cada vez menos se ouve, nem cuidará do papel cada vez mais preponderante (diremos tirano) dos mass media que, a título de curiosidade, justificando a isto e àquilo os casos de violência nas escolas que denunciam, estão implícita e intrinsecamente relacionados com origem do actual bullying, manifestado sob as mais diversas formas, como já pude aqui explicar. Mas, enfim, este post pretende sugerir ao leitor mais curioso, ou às escolas menos iluminadas, uma série de cinco películas que merecem, hoje mais que nunca, serem visualizadas e, sobretudo, reflectidas. Elephant, de Gus Van Sant, é, claro, uma referência absoluta. Ainda que possam não tratar directamente o tema, demonstram-nos também a poderosa manipulação da comunicação social, a origem da violência ou a necessidade de o homem ser compreendido nos dias que correm. Ah, e espero que isto ainda atraia humanos, já que num dia se movem contra os alunos, estupidificando-os, e, noutro, se solidarizam por eles (ou se interessam por outros fait divers).

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Anticristo

Se poderíamos, tal como foi já referido, considerar a expectativa como palavra de ordem relativamente a “Anticristo”, não tão facilmente poderemos classificar esta película, que percorreu nações rodeada de grande polémica, imediatamente após a visualização. É, muito provavelmente e ainda que de forma previsível, o principal e consensual efeito que o filme provoca — a sua capacidade transtornadora de nos abalar, confundir e de testar, até onde seria impensável, a nossa sensibilidade e julgamento. Surgindo numa maré de fitas niilistas, que deleitam o mais sádico (e comum?) espectador e que valorizam a gratuidade fácil do masoquismo e da morte, esta particular película (ou, melhor dizendo, o seu impacto) apresenta-se-nos como um anticristo socialmente avassalador e imoral, que alcança o que, desde o início, se propôs a alcançar: o choque, o espanto, o nojo. O provocador resultado não seria, pois, este, caso não existisse precedentemente um minucioso estudo, por parte do cineasta, da actual evolução da humanidade, tal como os códigos normativos que a têm regido durante gerações. Lars Von Trier é um cineasta frustrado que usa a sua obra para cuspir no actor social que é o espectador e perguntar-lhe, vezes sem conta, “porquê?”, denunciando-lhe a pequenez e estupidez que, aparentemente, lhe são característicos. O filme não é, desta forma, apenas anticristo. É misógino, anómico, contra-cultura, anti-tudo. Porém, cometeríamos, na pior das hipóteses, uma grave injustiça se o considerássemos desumano pois, neste caso, encontramo-nos perante um ensaio daquilo que o homem mais tenta recalcar e esquecer: o medo e a sua “pior” (quem decide?) personalidade.

Conjecturados os propósitos a que se propôs atingir o dinamarquês, a prática estende-se ao retrato de duas naturezas: por um lado, temos a normativamente designada pelo N maiúsculo, representada pelo bosque e pelos outros animais que lá habitam e representando o que há de mais recôndito e negro no mundo; por outro, temos, também, a natureza psicológica dos nossos dois protagonistas, um casal que lida, da mais atípica forma, com o luto de um ser humano no seu estado puro. Se, com a ninfomaníaca mulher (inesquecivelmente interpretada por Charlotte Gainsbourg, naquele que acaba por ser o papel da sua carreira), acompanhamos o enlouquecimento consequente de uma culpa e de uma depressão não verbalizados na totalidade, que se associará a uma espiritual, amedrontada e diabólica fusão com a floresta (a “igreja de Satanás”, diz ela), então com o marido psiquiatra vemos um evidente oposto ao simbolizar o racionalismo e a lucidez por vezes exagerada pelos demagogismos psicanalíticos que a sociedade foi formando na tentativa de esconder os seus maiores receios. O choque entre os dois, protagonizado por longas e obscenas sessões de sexo (o atenuar de uma dor maior), não poderia acabar da forma mais horripilante. Repleto de simbolismos históricos e religiosos dignos de investigação e reflexão, a dor, o desespero e o luto apresentam-se como os temas centrais de uma obra tão realista quanto onírica e espiritual (a cena final não o poderia ser mais), obrigando-nos, finalmente, a questionar a tese ontológica fundamental da fita: são os nossos pensamentos que distorcem a realidade ou o contrário?

Aliado a uma narrativa construída de forma magnificente, encontramos, visivelmente, uma técnica que não é, de todo, repreensível. Abandonado, quase por completo, o estilo formal que compunha as obras anteriores, a fotografia é, sem admissão para incertezas, dos pontos maiores do filme, tal como os efeitos especiais (quando absolutamente necessários) e o som (quase diria que a reproduzir as atmosferas perturbadoras a que Lynch nos habituou). Exemplo mais edificativo do que acabo de falar não terei senão com o prólogo que abre o filme, com a belíssima voz de Tuva Semmingsen, mostrando a harmonia perfeita de um cineasta (des)encantado com um mundo altamente cruel. Dedicando-o a Tarkovsky, Von Trier deixa sobrevoar uma sensação de harmonia, de sublime e de luz que poucos outros conseguiram transmitir e seduzir, através do contrastante retrato de uma humanidade perdida num paraíso incerto e inundado nas trevas.

9/10

sexta-feira, janeiro 29, 2010

Expectativa

É a melhor palavra para descrever a minha relação com o filme. Face à recente estreia da semana, o jornal Público dedicou hoje, no seu suplemento cultural de grande qualidade - o Ípsilon -, as atenções para "Anticristo", o filme de Lars Von Trier que competiu em Cannes para a Palma de Ouro e, de lá, levou um prémio de melhor actriz para Charlotte Gainsbourg (que, ainda que não brilhando, esteve muito bem em 21 Gramas). Muita tinta correu e muitos "dedos se gastaram" por causa do filme do "melhor realizador do mundo", segundo palavras suas, mas é tempo agora de voltar atenções para o modo como recebe Portugal este acontecimento - se podemos tomar como exemplo de um positivo acolhimento à película com a crítica no blog Split Screen (ver aqui), também podemos ler, de seguida, uma opinião negativa (das várias no jornal), na íntegra. Foi escrita por Luís Miguel Oliveira, que lhe atribui 1 estrela - o correspondente a "medíocre":
"Anticristo" não é um filme feito para se ver, é um filme feito para se falar sobre ele. Oferece a cana, o anzol e o isco: tem imenso para "interpretar", fará furor em sessões com "debate".

Os filmes - certos filmes, como o "Anticristo" - chegam às salas cada vez mais "cheios", saturados pelas ideias feitas postas a correr sobre eles, e reproduzidas ad nauseam pela Internet fora. Até o mais vacinado acaba por se deixar convencer. Sobre "Anticristo", tanta cantilena se lê sobre a sua "beleza visual" (ou coisa que o valha) que se chega a considerar essa possibilidade. O choque é mais violento assim. "Beleza visual"? Aonde? Naquele prólogo obsceno, com lógica de vídeo-clip (para uma canção de Händel, ah bom, coisa séria) e visual de spot publicitário, que liga um grande plano do "diálogo" dos órgãos genitais do casal protagonista (Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, aí convenientemente substituídos por próteses e "body doubles") à morte de uma criança, tudo ao "ralenti"? Na natureza (as florestas) dos capítulos intermédios, onde von Trier pretende (ver dedicatória nos créditos finais) pagar uma "dívida" qualquer a Tarkovski, sem perceber (ou percebendo muito bem) que aquela fotografia delambida (o operador foi o mesmo do "Slumdog", chama-se Anthony Dod Mantle, benza-o Deus) está para Tarkovski (e para Sokurov, e para os caspardavidfriedrichianos e outros adeptos da natureza nórdica em geral) como um autêntico "anticristo"? Não é o caos que reina, como diz o título de um dos capítulos, é o mau gosto, puro e simples, ou pior, estilizado e rebuscado. O feio pode ser tão belo como o belo, e o que von Trier quer mostrar (?) é que o belo contém o feio (como a corça com o feto morto pendurado), mas o que se vê é o enjoo do feio embelezado. Tanto pior se é preciso explicar melhor.

Os fantasmas nórdicos acumulam-se (acotovelam-se) em "Anticristo", cinema, teatro, e "temas" (o sexo, o casal). Longa sessão terapêutica de um casal - refugiado no "Éden", claro - para tentar distinguir a sexualidade da culpabilidade que no prólogo lhe foi associada (por negligência "orgástica", digamos), "Anticristo" vive de psicoterapia sobre-explicada, diálogos cheios de retórica (profundamente maçadores) e cenas de sexo agressivo. Começa como Bergman, aproxima-se de Cassavetes, rouba ideias (a bruxaria ligada ao desejo feminino) a um velho filme dinamarquês (o sublime "A Feitiçaria Através dos Tempos", de Benjamin Christensen, que von Trier obviamente conhece), acaba à tesourada tipo Oshima. Pena já não estarmos em 1975. "Anticristo" não é um filme feito para se ver, é um filme feito para se falar sobre ele. Oferece a cana, o anzol e o isco: tem imenso para "interpretar", fará furor em sessões com "debate".
A "terapia" von triêrica é, pois, motivadora de crescente antagonismo. Dificilmente haverá um meio termo possível. Mas não será, talvez, isso que eleva um artista, na sua totalidade? Após um excelente Dogville (crítica), um bem recebido Dancer in the Dark (crítica) ou um perturbador Os Idiotas, estou em crer que sim, tal como sou da opinião que Anticristo será o mais extremo dos filmes do cineasta anti-tudo. A expectativa não podia ser maior. Mas, diz já o ditado popular, quanto maior a subida...

quinta-feira, dezembro 24, 2009

:Os 10 melhores filmes da década '00



Este Natal estará marcado, um pouco pela blogosfera cinéfila portuguesa, pela iniciativa “Os 10 Melhores Filmes da Década 2000” — como tal, não deixem de visitar e procurar os outros locais onde se encontrem presentes diversas listas. Definir os dez melhores filmes desta primeira década do milénio, que atravessou o fim da minha infância e o início da adolescência, é, na minha perspectiva e apesar de estar directamente envolvido nesta iniciativa, mais do que difícil. É impossível — pela simples razão que muitos foram a fitas que marcaram o mundo da sétima arte, pelo que, sem elas, o futuro que avizinhará não se demonstraria da mesma forma. Dito isto, reuni, na lista que segue, sem repetição de realizador (para evitar favoritismos e alguns esquecimentos) e sem ordem de preferência, os dez filmes que grandemente me marcaram, quer pela sua qualidade artística, quer pela forma como conseguiram mudar a minha visão do mundo e de mim. Deu-me uma pena tremenda, ao tentá-la pôr heterogénea, não incluir na lista, por exemplo e pelo menos, um filme da Disney, Mysterious Skin, Match Point, Memento, O Novo Mundo, O Senhor dos Anéis, e uma data de etc. (mas vocês saberão bem, quer lendo as minhas opiniões ou vendo as minhas classificações, quais são, verdadeiramente, os meus filmes preferidos). Mas, bem, a lista é vida e ei-la:




Hilariante, belo, mágico, fabuloso — eis como uma personagem, uma história e um visual tão rico se coadunam numa das películas mais estranhas, marcantes e positivistas de sempre.



Frenético e por demais inteligente, o cineasta brasileiro capta hiperactivamente aquilo que acabaria por ser um dos filmes mais cruéis e espectaculares de sempre.



O melhor da trilogia de Iñarritu, que atravessou, através de diferentes contextos e histórias filmadas, e com desempenhos magníficos, as profundezas da condição humana.



O melhor de Von Trier é mais do que subversivo em estética e narrativa — é sim um exemplo de como se pode fazer um verdadeiro drama psicológico, englobante a toda a humanidade e negativista até à última cena. [crítica]



Um triunfo da arte contemporânea e um ensaio inesquecível e incompreendido da adolescência e da educação actuais, captados subtil mas magnificamente por Van Sant, que, nesta década, se demarcou no meio artístico com películas que me moldaram e distinguiram em grande medida. [crítica]




A filha do criador d’O Padrinho criou, a partir de uma cidade onde a Multidão reina a Solidão, duas narrativas reais, que se enlaçaram em pequenos e inesquecíveis momentos que fazem de Lost in Translation um dos filmes mais interessantes e magníficos.



Pondo de lado toda a polémica (até porque não há, de todo, motivos para a sua existência) que a abraça, a obra de arte de Ang Lee atinge o topo dos grandes romances da sétima arte, pela subtileza, beleza e realismo que a envolvem.




A obra-prima máxima e subvalorizada de Aronosfky que, ao lado do revolucionário Requiem for a Dream, o tornou numa das mais fascinantes e brilhantes mentes da década.




A perfeição de Wright é inegável e a sua segunda longa-metragem demonstrou-o na exactidão, através da adaptação do romance filosófica e narrativamente sublime de McEwan.




Apesar de correr o risco de o filme ser o mais contestado em aparecer neste tipo de listas, estou em crer, veementemente, que tudo n’O Cavaleiro é muito bom — desde a realização encarnada como ninguém, das interpretações, da acção e da forma como a mensagem "precisamos, no mundo em que vivemos, de superheróis que não sejam super" é transmitida.

Apresentada a lista, que considerações têm os leitores a fazer? Quais seriam as vossas escolhas? O que tirariam e porquê? Enfim, e não menos importante: bom Natal para todos!


Outras listas que integram esta iniciativa:

terça-feira, novembro 03, 2009

sábado, outubro 31, 2009

:Dogville - Créditos finais



Esta brilhante sequência, de Dogville, que hoje vos deixo, vem a resumir o que é a pessimista saga dos EUA de Lars Von Trier. Acaba assim mais um especial, em parceria com os blogs CINEROAD, seeSAWseen e Split Screen. Não deixem de esperar pelo quadro final das classificações e, também, uma nova promoção para o Novembro próximo.

terça-feira, outubro 27, 2009

:Antichrist em Cannes



Lars Von Trier - realizador que este blog e CINEROAD, SeeSawSeen e Split Screen estão a dedicar um especial neste mês de Outubro - é, tal como podemos comprovar com a visualização do vídeo de cima, o "melhor" cineasta. Pretensão e água benta (ou, neste particular contexto, não tão benta) deixada de lado, é interessante observar a dinâmica que ele e os protagonistas do seu novo filme, "Antichrist", têm entre si. Tão fascinantes como as suas obras, só mesmo, provavelmente, a produção delas. O filme já não estreia, entre nós, portugueses, este mês - 21 de Janeiro do ano próximo é a data agora indicada.

domingo, outubro 25, 2009

:Dancer in the Dark



Na altura em que Cannes foi presenteado com a nova longa-metragem de Lars Von Trier, e que fez lembrar o precedente “Ondas de Paixão”, a crítica viu-se numa divisão ambivalente quase total, pondo aqueles que o odiavam e consideravam uma desilusão num canto e noutro os que o amavam e enalteciam o sentido inovador da narrativa. A luta foi ganha, claramente, por aqueles que a adoravam - e tal foi comprovado com a entrega da Palma de Ouro ao realizador e o prémio de melhor interpretação feminina a Björk, pelo musical atípico que trouxe, tempos depois, uma grande legião de fãs. Se, contudo, esta pequena obra surpreende largamente pela metamorfose da actriz, peca, paradoxalmente, pela personagem revoltante que esta encarna. Ou, melhor dizendo, pela composição geral de todo o melodramático argumento (a tentar ter, a todo custo, alguma credibilidade) e de todas as personagens, e que se movem no fio espectral da estupidez. Von Trier constrói uma parábola sobre a humanidade que podia primar pelo brilhantismo não fosse o sentido novelesco que foi exaltando - comprovado pela série de acontecimentos impossíveis (ou será que existem, realmente, pessoas tão cegas sobre a sua condição?!) que se vão sucedendo, uns atrás dos outros - e não, não me refiro às sequências musicais fantasiosas, que estão espectacularmente executadas - e que vêm a culminar numa poética cena final. Para amar Dancer in the Dark, este filme de sucesso com um estilo que respira novidade e beleza, músicas prodigiosas e interpretações simplesmente notáveis, há que amar as personagens em toda a sua essência, não vá a sua visualização resultar numa insustentável experiência.

7/10

quinta-feira, outubro 01, 2009

:Outubro & Lars von Trier



Depois de um Setembro muy colorido, a frieza e pessimismo da filmografia do inovador Lars Von Trier chega ao CINEROAD, seeSAWseen, Split Screen e Flavio's World. Tendo o seu novo e muito polémico Antichrist data já marcada de estreia em Portugal (22 deste mês) era já altura que nos dedicássemos à obra deste cineasta, cujo essencial tema de estudo na sua obra tem sido a humanidade, toda a sua decadência e malvadez. Dedicar-me-ei, novamente, à escrita de algumas críticas (a do Dogville pode já ser consultada), assim como artigos que homenageiem a carreira do realizador dinamarquês internacionalmente (re)conhecido, algo que poderão certamente encontrar nos blogs que colaboram na iniciativa. A eles e aos leitores - um bom Outubro von triêrico :p

sábado, setembro 12, 2009

:Dogville (ou A Humanidade em Tamanho Reduzido)



Uma vila perdida nos Estados Unidos da América - sem vegetação, sem horizonte, sem quase nada que sugira a ambiência de um sítio rural: tudo para evitar a distracção e nos apresentar, no seu estado minimalista e literal, uma das visões mais pessimistas e reais do homem ocidental.
É assim que Lars Von Trier, depois de um Dancer in the Dark que não me convenceu, abre a trilogia dos EUA com um inovador filme formalmente falando, apontando o dedo, de forma crua mas sincera, para a malvadez e fraqueza humana sugerindo o medo como justificação plausível de tão reprováveis acções. É curiosíssimo como no twist final, emocional e psicologicamente excelente, o espectador é arrebatado por um moralismo implícito (fomos nós que quase desejamos a morte de alguns personagens pela crueldade das suas posturas ao longo da película e, no final desta, desejamos não ter desejado). Um ensaio inesquecível dos padrões éticos e a ausência total de privacidade dos tempos coevos (tome-se como exemplo uma cena de sexo que conseguimos ver, dada a ausência de paredes e de portas, em segundo plano às vidas dos outros habitantes) e que, para além de nos oferecer, tal como disse na crítica d'A Viagem do Elefante, "uma peça de teatro humana interminável, burlesca e, por vezes, quando ao elenco convém, congruente, compassiva e sensata", nos presenteia com um argumento e interpretações louváveis - sobretudo de Nicole Kidman, claro está. Nota especial para a sequência dos créditos finais, acompanhado pela música de David Bowie.
9,5/10

domingo, maio 17, 2009

:Cada um o seu Cinema - mas só em Lisboa


O interessantíssimo projecto que, a propósito do festival deste ano de Cannes, juntou realizadores como Gus Van Sant, Alenjando González Iñárritu, Lars Von Trier, Wim Wenders, Kar Wai Wong, Manoel de Oliveira e Roman Polanski, está em exibição, para grande surpresa minha, apenas em Lisboa. Ora, um filme de tal importância não deveria rondar - não sei, deixem-me pensar! - o norte ou o sul do país, talvez? Sinceramente, não compreendo. Em vez de manterem filmes como "Quem Quer Ser Bilionário?" ou "O Leitor" ainda no cinema (refiro-me ao do Arrábida Shopping) tragam novidades, por favor, está bem? Até que não era pedir muito...