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sexta-feira, dezembro 30, 2011

Top 10 melhores filmes de 2011

10. ROAD TO NOWHERE – SEM DESTINO, de Monte Hellman

Uma resposta ao mistério ontológico da criação da imagem cinematográfica, debruçando-se sobre a realidade re-presentada (isto é, tornada presente) durante a rodagem de um filme. O realizador-protagonista não é, por isso, senão o espelho de Hellman, que se olha para si mesmo como um criador de várias realidades, ainda que indissociáveis. [texto]

9. UMA SEPARAÇÃO, de Asghar Farhadi

Entre o realismo e o melodrama, Asghar Farhadi constrói na sua quinta longa-metragem, em tom desencantado, uma espécie de evidência sociológica – de que a verdade e a mentira, de mãos dadas com a religião e o medo, são valores que coexistem, para o bem ou para o mal, sem separação

8. O MIÚDO DA BICICLETA, de Jean-Pierre & Luc Dardenne 

Os irmãos Dardenne comprovaram aqui que é possível, na moral e nos tempos que correm, pensar uma dura realidade a partir de uma ficção que demonstre que as pessoas se podem preocupar umas com as outras. Ou em poucas palavras: que a nossa necessidade de sermos amados pode ser consumada. [texto

7. O ATALHO, de Kelly Reichardt

Apesar de registar um espírito histórico e primitivo de povoamento, união e descoberta, a câmara desta cineasta é consciente do seu tempo e não deixa de filmar algo que permanece profundamente contemporâneo: como o ser humano reage (e se revela) face ao desconhecido e a situações-limite. [texto

6. INQUIETOS, de Gus Van Sant

Muito embora possamos pensá-lo um filme sobre a morte será melhor desenganarmo-nos. Parece ser sobre uma questão ainda mais fundamental: como viver a vida ou, sem redundâncias, como viver? Porque, como aqui ouvimos, a morte é fácil, o amor (ou toda a vida, não nos importemos de acrescentar) é que é difícil. Em Inquietos chora-se – mas pelos vivos. No plano final do filme percebemos que a memória é o recurso que nos é mais caro para lidarmos com tudo aquilo que é efémero, tudo aquilo que já não é. [texto

5. AS QUATRO VOLTAS, de Michelangelo Frammartino

Uma visão tranquila sobre a jornada de um homem, de uma cabra e de uma árvore e que pode ser entendida como uma meditação tranquila, fresca e bela sobre a vida, o espírito e as suas metamorfoses.

4. SUBMARINO, de Richard Ayoade

Extraordinário olhar sobre a vida frenética, por vezes imaginada, de Oliver Tate, um jovem galês obsessivo e solitário. Lidando com força com os lugares-comuns da adolescência esta inesquecível comédia (que nos remete para múltiplas citações cinematográficas – mas sem as esconder) é também uma redescoberta do que significa o primeiro amor e o valor da palavra felicidade.

3. SANGUE DO MEU SANGUE, de João Canijo

A sedução de Sangue do meu Sangue provém da criação de um microcosmos (o Bairro Padre Cruz e, se quisermos ser mais particulares, a família que lá vive) que nos obriga, apesar de toda a familiaridade cómica e trágica daqueles comportamentos, a criar uma distância sobre nós – como portugueses e como seres humanos. Portanto: o que são o futebol, o telejornal e a telenovela ao lado dos dramas, das conquistas e da vida que partilhámos e nos une? É aí que reside a irresistível luminosidade de Sangue do meu Sangue: obriga-nos com que não nos esqueçamos da matéria de que somos feitos. [texto]

2. MEL, de Semih Kaplanoğlu

É um daqueles raros acontecimentos cinematográficos que não se esperam - manter uma proximidade com a Natureza, a família e a infância num tom panteísta forte e belo e sermos assim introduzidos a um tipo de realismo espiritual (o termo é do próprio Semih Kaplanoğlu), é coisa rara (embora necessária) no cinema de hoje. 

1. A ÁRVORE DA VIDA, de Terrence Malick

Parece, após vermos The Tree of Life, devidamente sem ideias pré-concebidas, impor-se uma questão: como pode o espectador receber um meteorito metacinematográfico como este que se propõe a questionar toda a sua existência? Que efeito terá a obra-prima de Terrence Malick em si? Mais que uma outra aparição nesta forma de expressão, este é um raro filme, sem distinções de público, que ambiciona redefinir-se como objecto de cinema e, para além disso, redefinir quem o percepciona. Então voltemos: como receber este filme que, a partir do momento extraordinário em que o vemos – ou, se nos quisermos aproximar mais da experiência, sentimos –, entramos dentro de nós, recordando afectos, sensações e uma vaga e passada aproximação com o divino, e imaginando respostas para as questões que nos assolam (e permanecem, porventura, silenciadas pelo esquecimento ou o medo)? The Tree of Life, se nos propusermos a mudar os seus contextos e figuras, podia ser um sonho nosso – e Malick parece construir exactamente isso, o seu derradeiro devaneio, uma visão da transcendência e uma ode de proporções cósmicas ao sentirmo-nos vivos, ao amor (esse misterioso sentimento), à família e ao alcance do sagrado por via da comunhão com a Natureza. O terreno serve de ponte para o que realmente interessa: despertar-nos para uma mudança interior e fazer-nos parecer, ao mesmo tempo e de maneira visceral, pequenos e grandes. Os protagonistas são fantasmas que emergem de nós – à luz do filme, não existem referências quando se quer sentir a Vida em estado de graça. The Tree of Life, um dos mais misteriosos filmes do século, é, para além de um hino à humanidade, uma essencial obra sobre o Fim, percorrendo uma busca incansável pela compreensão da morte ou pela aceitação do seu mistério. [texto]

A elaboração do top seguiu os seguintes critérios: 1) filmes que tiveram estreia comercial em sala em Portugal e em 2011 (excluindo, por isso, projecções em festivais de cinema exclusivamente) , 2) apenas longas-metragens.

sábado, dezembro 17, 2011

O filho de mil mulheres

Acompanhamo-lo como uma lenda viva e conhecemos o seu universo de fio a pavio. Mas com o tempo “ficou mais austero – quase japonês”, garante António Banderas. Ele é Pedro Almodóvar, que se revela com A Pele Que Habito, [que estreou no mês passado] entre nós. Este artigo foi publicado originalmente na revista Premiere (n.º 38 / Novembro 2011).
Quando a última edição do Festival de Cannes projectou e aplaudiu o thriller dramático A Pele Que Habito, sobre um cirurgião plástico que procura vingar-se da violação da filha, pairou a sensação de que o abandono do pastiche não era inesperado ou acidental (há dois anos, o melodrama com toques de noir Abraços Desfeitos fazia já pressentir uma viragem de retórica narrativa). No entanto, ao regressar, pela quinta vez, à secção competitiva do festival, Pedro Almodóvar admitiu, em conferência de imprensa, que, apesar da sua “vontade de aceder a outros géneros cinematográficos”, pensa que regressará ao género que o celebrizou em redor do mundo – a comédia pop

Tal como escreveu Thomas Sotinel, crítico de cinema do Le Monde, a relação dos franceses com o realizador foi sempre curiosa. Grande parte do público e da crítica viram-no como um pequeno fenómeno latino até 1988, ano em que estreia Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos. Ainda três anos antes, Almodóvar criticara publicamente os programadores de Cannes de ignorarem o cinema espanhol. Contudo, esta comédia “nervosa” tornou-se no seu primeiro grande êxito de bilheteira. Em França, foi vista por cerca de 600 mil espectadores e, nos EUA, acumulou uma receita bruta de 7 milhões de dólares (aproximadamente 5 milhões de euros, o que equivale nada mais, nada menos que 10 vezes mais do orçamento com que o filme foi produzido). Foi também com esse filme que Pedro Almodóvar viu, pela primeira vez, uma obra da sua autoria ser nomeada para o Óscar de melhor filme estrangeiro (nesse ano, foi levado pelo dinamarquês Pelle, O Conquistador, de Bille August). Mais tarde, em 1999, Cannes render-se-ia por fim ao fenómeno almodóvariano, colocando Tudo sobre a minha Mãe em competição. Apesar do prémio para melhor realizador, Almodóvar não se contentou por não levado a Palma de Ouro (que galardoou os irmãos Dardenne com a sua Rosetta) e, para além de ter acusado David Cronenberg, então júri da competição oficial, de inveja (como recorda Thomas Sotinel em Masters of Cinema – Pedro Almodóvar), impediu que Fala com Ela (Óscar para melhor argumento) fosse seleccionado para a edição de 2002 do festival. 

Em vésperas do final do século XX, quando Cannes viu, pela primeira vez, um filme de Almodóvar, na verdade encontrava no ecrã uma síntese amadurecida do que havia sido o seu cinema até então. A crítica de cinema do LA Weekly Ella Taylor chegou a escrever, para o livro 1001 Filmes para ver antes de morrer, que Tudo sobre a Minha Mãe contém, não obstante o seu “tom mais contemplativo, sombrio e tranquilo” característico de obras como A Flor do meu Segredo (1995) e Fala com Ela, “sequências repletas de honestidade e balbúrdia à semelhança das obras iniciais do realizador” e uma “definição elástica de feminilidade proposta por Almodóvar e pelo seu espírito conciliador”. 

Efectivamente, a ligação entre a mulher como protagonista e Pedro Almodóvar parece ser indissociável (salvo raras excepções, como é o caso deste mais recente A Pele Que Habito, a ter, entre nós, antestreia na [passada] edição do Lisbon & Estoril Film Festival e estreia comercial [no] dia 17 de Novembro), desde logo na sua infância. Nascido em princípios dos anos 50 (não se conhece o ano exacto), em plena época de ditadura franquista e de opressão social e cultural (exibiam-se produções de Hollywood e, quando espanholas, eram sentimentalistas), Pedro foi o terceiro filho de António Almodóvar, um condutor de carroças, e de Francesca Caballero. Segundo o realizador revelou no dia depois da sua morte, em 1999, a mãe criara, tal e qual a longa-metragem Central do Brasil de Walter Salles (lançada um ano antes), um negócio que envolvia o processo de leitura e escrita de cartas (experiência que marcaria o cinema de Almodóvar que, de acordo com as suas palavras, lhe mostrou “como a realidade precisa da ficção para ser completa, mais agradável e tolerável”). Em Fevereiro de 1989, Carmen Maura, uma das actrizes que mais colaborou com o autor espanhol, revelou, numa entrevista publicada no Le Monde, que “o segredo de Pedro é a sua mãe”, uma “mulher trabalhadora” e humilde que “nunca quis ver os filmes do filho”, apesar de “se contentar com os prémios que vence e traz para ela”, tendo-os colocado na parede ou em cima da lareira. 

Este lado modesto da mãe, fortalecido por uma afectividade eminentemente latina com a qual o cineasta conviveu durante os primeiros anos de vida, poderá estar, eventualmente, na origem da sua forma de olhar a mulher contemporânea desde as primeiras e subversivas curtas-metragens que filmou com uma câmara Super 8, mesmo antes da queda do regime. A criação dos objectos fílmicos, cuja narrativa, baixíssimo orçamento e utilização de recursos denunciavam o seu amadorismo inerente, decorreu numa altura em que Pedro Almodóvar tinha acabado de deixar a família e passado a viver em Madrid onde era reconhecido como hippie (participava como figurante em filmes, vendia bugigangas flower power na rua, usava o cabelo comprido e convivia com um círculo íntimo de amigos composto por toxicodependentes e fãs de David Bowie). Viviam-se então os tempos fulgurantes da Movida, um entusiasmado movimento contracultura, liberal e underground que, para além de ter coincidido com a morte de Franco em 1975 e com a subida ao poder do socialismo na capital, confirmou Pedro Almodóvar como um dos seus protagonistas. Após se ter estreado, em 1978, nas longas-metragens, com Folle… Folle… Fólleme Tim!, Pedro Almodóvar deixou, dois anos depois, o amadorismo de parte e lançou-se para uma produção com maior organização e orçamento, cujo título Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo descortinava o núcleo principal de personagens femininas (e feministas) da narrativa. Curiosamente, o realizador resumiu o filme (enquadrado fora de competição no festival de cinema de San Sebastián) ao jornal espanhol El País como um “policial”, uma “comédia sobre mulheres”, um “filme pop” (por causa do seu “ritmo, superficialidade e luminosidade”) e um filme de Bergman e de Cukor, tudo ao mesmo tempo. A presença da mulher forte, superior e cáustica ficaria desde então reconhecida, até o dia de hoje, como uma distintiva dominante da sua obra – de tal modo que, em 2006, quando apresentou Volver – Voltar no Festival de Cannes, viu todo o seu elenco constituído predominantemente por mulheres receber um prémio conjunto de melhor interpretação feminina. 

Por sua vez, Volver – Voltar é um daqueles casos em que Pedro Almodóvar representa um dos seus temas mais queridos – o retorno às origens e ao passado. E, curiosamente, o autor reuniu-se aqui com grande parte das actrizes que dirigiu, colocando lado a lado aquelas que foram, com o tempo, apresentadas como as suas “musas”: Carmen Maura e Penélope Cruz. Nesta longa-metragem, o autor realiza um exercício de memória que relembra a sua mãe, a infância passada em La Mancha e as fortes imagens que lhe ficaram gravadas no pensamento nessa época (tomemos como exemplo o ritual da cena inicial, na qual um grupo de mulheres lavam, num cemitério, com fascinante energia, os jazigos dos familiares). 

Também Má Educação (que abriu, fora da competição oficial, a edição de Cannes de 2004) se assumiu como uma representação do passado autobiográfico de Pedro Almodóvar, ainda que numa esfera dramatúrgica completamente diferente. Regressando aos seus dez anos de idade (que foi, em boa verdade, o número de anos que precisou para escrever o guião), Almodóvar demonstrou como a sua adolescência foi assombrada pelo colégio religioso de Salesianos que frequentou. Tendo cantado a solo ao lado do coro de crianças (onde cantou uma versão da música napolitana Torna a Surriento, que é inclusive interpretada no filme, numa das cenas mais tensas), o então jovem Pedro testemunhou, com silencioso horror, casos de abuso sexual que foram denunciados em Má Educação

Contrariando as expectativas dos habituais espectadores, o realizador e argumentista afastou aqui, por inteiro, a presença da mulher – mas não da feminilidade. De facto, esta característica inédita permitiu que Almodóvar, declaradamente gay, explorasse, com mais profundidade, o seu imaginário queer, o que acabou por se materializar na representação da descoberta sexual, do universo da prostituição homossexual e dos travestis e respectivos espectáculos, com o actor Gael García Bernal a vestir, como um camaleão, diferentes papéis. Em filmes anteriores, o autor havia já abordado a questão da sexualidade não-normativa, como foram os casos de Tudo sobre a minha Mãe e, sobretudo, A Lei do Desejo (de 1987), filme inclusivamente anterior à vaga de produções que, em inícios dos anos 90, colocou em vários festivais de primeiro plano títulos que tratassem esta temática. 

A par da descoberta da sexualidade, Má Educação apresenta, de igual forma, a descoberta do cinema (como ocorreu com o realizador nos anos 60), colando-se a ele ao ponto de o tornar parte da narrativa (de certa maneira, estamos diante de um caso de um filme dentro de outro filme). No que toca às referências, Pedro Almodóvar nunca guardou segredos, confessando a sua admiração pelo visual de Rainer Werner Fassbinder, o lado absurdo, anticlerical e transgressor de Luis Buñuel e o burlesco de Federico Fellini. Para além do mais, será impossível deixar de reconhecer na sofisticação melodramática dos filmes do espanhol a influência decisiva que teve o cinema moderno de Alfred Hitchcock e a obra de Andy Warhol. Para verificarmos a sua inspiração basta, apenas, que atentemos nas cores agressivas, quentes e “espanholas” dos cenários e do guarda-roupa, e na direcção artística luminosamente kitsch e pop

António Banderas, personagem principal de A Pele Que Habito, garantiu numa entrevista à agência de notícia Reuters que Almodóvar “amadureceu como realizador e como pessoa”, tendo ficado “mais austero - quase japonês”. Hoje preparámo-nos, sem receios, para descobrir a nova pele que habita o autor e que elevou, depois de Carlos Saura, o cinema espanhol a outro patamar. E continuaremos a acompanhá-lo como uma lenda, cuja vida e obra parecem ainda ter muito que nos dar a ver. 

Uma obra entre colaborações

“Voltar a trabalhar com o Pedro foi como regressar às minhas raízes. Foi ele que fez a minha educação artística”, confessou António Banderas na conferência de imprensa de A Pele Que Habito na mais recente edição do Festival de Cannes. Com esta longa-metragem, o casamento profissional entre os dois foi realizado pela quinta vez, após se terem encontrado na última metade dos anos 80 em Matador (1986), A Lei do Desejo (1987), Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) e Ata-me! (1990). Mas esta é apenas uma das muitas colaborações que podemos assinalar no cinema de Pedro Almodóvar. Vem-nos à memória uma das mais antigas – entre ele e o próprio irmão Agustín, com quem fundou em 1985 a produtora El Deseo, que viria desde então a produzir todos os seus filmes. Logo depois, como uma inevitabilidade, a actriz-fetiche Carmen Maura, que participou em Folle… Folle… Fólleme Tim! (1985), Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo (1980), Negros Hábitos (1983), Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984), Matador, A Lei do Desejo, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos e, após uma misteriosa separação que perdurou por 17 anos, Volver – Voltar (2006). Por sua vez, Penélope Cruz, a sua “musa” mais recente, estreou-se na sua obra com Em Carne Viva (1997), tendo trabalhado ainda em Tudo Sobre a Minha Mãe (1999), Volver – Voltar e em Abraços Desfeitos (2009). Podemos ainda apontar nomes como Cecilia Roth (Pepi, Luci, Bom e Outras Tipas do Grupo, Labirinto de Paixão, de 1982, Negros Hábitos, Que Fiz Eu Para Merecer Isto?, Tudo Sobre a Minha Mãe e um papel de figurante em Fala com Ela, de 2002), Chus Lampreave (Negros Hábitos, Que Fiz Eu Para Merecer Isto?, Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, A Flor do meu Segredo, de 1995, Fala com Ela, Volver – Voltar e Abraços Desfeitos) e Marisa Paredes (Negros Hábitos, Saltos Altos, de 1991, A Flor do meu Segredo, Tudo Sobre a Minha Mãe, um papel de figurante em Fala com Ela e, mais recentemente, uma colaboração em A Pele Que Habito). Também Blanca Portillo, Lola Dueñas e Lluís Homar são nomes que encontram alguma presença na obra de Pedro Almodóvar.

Premiere de Dezembro já está nas bancas

O número 39 da revista de cinema Premiere já está nas bancas. Lá poderão encontrar da minha autoria, para além do quadro das classificações de filmes em sala, a cobertura, com críticas e entrevistas, que fiz do festival doclisboa com Basílio Martins, a crítica ao novo filme dos irmãos Dardenne, O Miúdo da Bicicleta, que estreia este mês e a crítica a dois lançamentos recentes em DVD, Isto não é um Filme, de Jafar Pahani, e Muriel ou o Tempo de um Regresso, de Alain Resnais.

domingo, novembro 06, 2011

LEFFEST 2011 (2): A nossa necessidade de sermos amados

O que é um drama social? A questão não é propriamente ingénua – partindo de moldes muito definidos como podemos caracterizar a vaga do neo-realismo em Itália e suas diversificações, mais ou menos interessantes, por muitos outros territórios e que se mantêm contemporâneas, como podemos definir as personagens, a estética e a linguagem no cinema fora do seu contexto cultural (e social, político, económico…)? De qualquer das formas, fiquemos com a evidência de que qualquer rótulo e género se revelam, em instância final, inconsequentes. 

Tudo isto para falar dos irmãos Dardenne e do seu Miúdo da Bicicleta (título português de Le Gamin au Vélo, ontem exibido no segundo dia do Lisbon & Estoril Film Festival, no Cinema Monumental, em antestreia e sessão dupla às 21:30 e que foi acompanhada por uma masterclass com Luc Dardenne). Se ambos foram continuadamente associados ao conceito de drama social, apresentando as suas personagens afectadas pelos conflitos atómicos provocados pela profissão (ou a sua ausência) ou pela família (novamente: ou a sua ausência), então a longa-metragem mais recente dupla comprova o carácter redutor dessa mesma noção. Porquê? Porque o filme é “uma espécie de conto de fadas”, de acordo com as palavras de Luc e Jean-Pierre: há o herói, os “malfeitores que fazem o rapaz perder as ilusões” e “Samantha, que aparece como uma fada”. Não será, por isso, imponderado falarmos do magnífico filme de Vittorio De Sica, Ladrões de Bicicletas (1948), onde se retrata um certo tipo de infância, de relação familiar e a bicicleta como gancho dramatúrgico. 

Assim, e ao contrário da desilusão que Oslo, 31 de Agosto (segunda longa-metragem de Joachim Trier que, enquadrando-se na competição oficial do festival, foi ontem exibido no Espaço Nimas às 22:00) demonstrou ser (já que, salvo pelo menos duas cenas de excepcional beleza – como o plano-sequência final –, se perde num ritmo excessivamente palavroso e pouco convincente), os irmãos Dardenne comprovaram que é possível, na moral e nos tempos que correm, pensar uma dura realidade a partir de uma ficção que demonstre que as pessoas se podem preocupar umas com as outras. Ou em poucas palavras: que a nossa necessidade de sermos amados pode ser consumada. 

E, para o reforçar, há a introdução insólita da música não diegética no cinema dardenniano. “Pareceu-nos que a música, em certos momentos, poderia agir como uma carícia tranquilizadora para Cyril” (o protagonista), declararam num comunicado de imprensa. Tendo escolhido um excerto do adágio do Concerto Nº 5 para Piano e Orquestra – Imperador de Beethoven (que disponibilizo em baixo), os irmãos parecem transfigurar o impossível – o real, a ficção e aquilo que há pelo meio.


domingo, maio 22, 2011

Cannes [12]: A vitória do cinema de Malick


Terminou a 64ª edição da maior festa do cinema do mundo, o Festival de Cannes. Após 11 dias de projecção de filmes em competição para a cobiçada Palma de Ouro, o júri, presidido por Roberto DeNiro, decidiu premiar – e muitíssimo justamente – a quinta longa-metragem do misterioso Terrence Malick: «A Árvore da Vida», a estrear na próxima quinta-feira, dia 26 de Maio, nas salas de cinema portuguesas, e amanhã, dia 23, em antestreia, na Cinemateca de Lisboa. A crítica ao filme (que, por aqui, já foi vista e é uma obra-prima e a maior do realizador), será publicada muito em breve.

O produtor do filme Bill Pohlad, disse: «I have always wanted to speak French, and tonight more than ever. Tonight I have to take the place of a giant. Terrence Malick is very shy and discreet. But I spoke to him today and I know he is very happy to receive this honour. The Tree Of Life was a long journey, but it was all worth it. I would like to thank especially the Festival de Cannes.» O palmarés completo, a seguir:

Palma de Ouro
The Tree of Life, de Terrence Malick

Grande Prémio
Le Gamin au Vélo, de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne
em ex-aequo com Once Upon a Time in Anatolia, de Nuri Bilge Ceylan

Melhor Realizador
Nicolas Winding Refn por Drive

Melhor Actor
Jean Dujardin por The Artist

Melhor Actriz
Kirsten Dunst por Melancholia

Melhor Argumento
Footnote, de Joseph Cedar

Prémio Especial do Júri
Polisse, de Maïwenn Le Besco

Palma de Ouro para Melhor Curta-Metragem
Cross, de Maryna Vroda

Caméra D'Or
Las Acacias, de Pablo Giorgelli

[em actualização]

segunda-feira, maio 16, 2011

Cannes [5]: Para os irmãos Dardenne, não há duas sem três


O dia de ontem do Festival de Cannes assinou-se pela presença dos já galardoados irmãos Dardenne (com duas Palmas de Ouro – uma para «Rosetta», outra para «A Criança»), que estrearam «Le Gamim Au Vélo», acompanhados da actriz Cecile de France. A história que os irmãos franceses se propõem a nos mostrar é sobre uma criança que, vivendo num orfanato, passa os fins-de-semana a andar de bicicleta com uma dona de um cabeleireiro. No entanto, algum segredo se esconde, conduzindo para um trágico final. Em entrevista (aqui), Luc explica que «Cécile De France tem uma presença luminosa evidente. Era muito importante para o papel de Samantha, pois não se sabe porque é que ela quer tanto ajudar esse garoto. Não há psicologia». Vasco Câmara considera que se há movimento que se nota neste filme é «a abertura do cinema dos irmãos ao mainstream» e que este é «um caso de fácil adesão emocional para o espectador e por isso um caso menos memorável do que a Rosetta do homónimo e inacreditável filme dos Dardenne». João Lopes volta a discordar e diz-nos que este é «um filme assombroso que poderia (ou poderá) dar aos Dardenne a sua terceira Palma de Ouro, depois de Rosetta (1999) e A Crianca (2005).»



«The Artist», de Michel Hazanavicius, é um filme mudo a preto e branco (contemporâneo). Trata-se de um objecto raro, de uma comédia que explora o mundo do cinema nos anos 20. Sobre a escolha da estética, Michel diz na conferência de imprensa (aqui): «era uma ideia que já tinha há muito tempo. O mudo é cinema puro, e também gerou os maiores realizadores. Sabia que não queria fazer uma imitação, porque o filme mudo é mais propício ao melodrama. Vejam: Chaplin só fez melodramas, sempre com um tom cómico.»

Na secção Un Certain Regard, projectou-se «Martha Marcy May Marlene», o primeiro filme de Sean Durkin. O crítico José Vieira Mendes explica-nos que «provém do fascínio do realizador pela investigação de seitas religiosas e comunidades espalhadas pelos EUA, que não fazem mais do que manter reféns pessoas mais fragilizadas psicologicamente. O filme está centrado na história verdadeira de uma bela rapariga que acaba por se invadir de uma destas comunidades, que tem uma actividade violenta e que continua ser perseguida pelos seus membros.» Concorre para ganhar a Câmara de Ouro.

quinta-feira, abril 14, 2011

Cannes 2011 [ii]

O Festival de Cannes deste ano, que decorrerá entre 11 a 22 de Maio deste ano, já divulgou, durante a conferência de imprensa realizada por Gilles Jacob e Thierry Frémaux no Grand Hôtel, em Paris, a sua Selecção Oficial e os Júris. Robert DeNiro presidirá o conjunto dos mesmos, contando com Emir Kusturica na secção Un Certain Regard. O filme que abrirá o festival será Midnight in Paris, de Woody Allen, e contará, entre muitos outros grandes competidores, com realizadores como Bruno Dumont (Hors Satan), Pedro Almodóvar (La Piel Que Habito), Jean-Pierre e Luc Dardenne (Le Gamin au Vélo), Terrence Malick (The Tree of Life), Nanni Moretti (Habemus Papam), e Lars Von Trier (Melancholia). Na secção Un Certain Regard, Gus Van Sant abrirá Cannes com o seu mais recente Restless, competindo com cineastas com Kim Ku-Duk (Arirang). Jodie Foster (The Beaver) marcará presença no festival fora de competição. Interessante também será relembrar que, no dia 19 de Maio, Cannes projectará uma restauração da responsabilidade da Warner Bros. do mítico A Clockwork Orange. O dossier de imprensa pode ser consultado aqui.

Podemos, por isso, contar com grandes nomes e uma edição bastante promissora para este ano. Cá se esperam tos filmes ansiosamente.

quinta-feira, março 10, 2011

Rosetta

«Rosetta é uma pérola do cinema, ou melhor, a dupla dos irmãos Dardenne é uma pérola do cinema. Porque não há cinema mais simples e concreto que o cinema dos Dardenne. Rosetta é o segundo filme deles que vejo, e, se Le Fils me deixou perplexo, Rosetta deixou-me atónito. Porque para além do realismo exacerbado com que o cinema dos Dardenne se identifica, a arte de filmar, a mise-en-scène dos belgas, é a grande beleza do seu cinema. E se este cinema, oriundo de um Dogma 95, nos sensibiliza tanto, isso deve-se à câmara dos Dardenne, à proximidade com que ela se cola ao personagem, a um estilo de câmara na mão. A forma como a câmara é conduzida, a forma como segue a personagem é simplesmente brilhante e o grande trunfo deste cinema neo-realista dos belgas.

Rosetta é, num âmbito geral, um retracto duma dura realidade (como o é Le Fils), uma crítica social desconfortável duma realidade cada vez mais presente, a sobrevivência, a luta contra o desemprego. Acima de tudo, somos confrontados com um cinema frio e metódico onde só nos é apresentado o essencial para a compreensão da obra. O filme começa com o despedimento da jovem Rosetta, ao qual ela reage descontroladamente e agressivamente. A partir daqui, somos levados a perseguir (literalmente) Rosetta para onde quer que ela vá. Ou seja, Rosetta é Rosetta e mais nada. Os Dardenne querem sobretudo filmar a dura realidade de quem procura exaustivamente um trabalho, de quem procura uma vida normal. E para isso, fazem de Rosetta um ser desprezível, capaz de qualquer coisa para ter uma vida normal, para conseguir um meio que lhe traga o seu ganha-pão.

Mas Rosetta é muito mais que isso, lida com muito mais que isso. Rosetta é o quotidiano daquela jovem endurecida pela dura realidade, pela falta de afecto, endurecida antes do tempo. E por isso a sua constante procura num trabalho, por isso a sua forma de lidar com a mãe alcoólica que se prostitui para alimentar o vício, por isso o ritmo frenético com que Rosetta se movimenta naquele meio urbano. Observamos a sua rotina, o seu modo de conseguir alimento, a sua forma de entrar no acampamento onde coabita com a mãe (de quem sente vergonha e repúdio não obstante a um imutável afecto e incessante procura na reabilitação desta). Mas sempre fria, dura (a única vez que Rosetta sorri ocorre quando o único amigo que tem desata a tentar fazer habilidades sem sucesso).

Mas no fim Rosetta alcança a redenção (como Le Fils a alcançou). No fim, e depois de provar ao espectador a ausência de escrúpulos, a capacidade de abdicar e trair o único amigo que possui para conseguir um trabalho; no fim chega a redenção, o estranho poder de Rosetta nos incutir alguma pena por aquele ser, por aquela vítima da sociedade. Maravilha de cinema.»
>retirado do blog Preto e Branco; texto de Álvaro Martins. 

Rosetta é, realmente, tudo isto e mais alguma coisa. Albert Camus escreveu que o homem deve viver em revolta perante o nada desta vida, e Rosetta extrapola essa revolução, sobrevivendo num mundo cão sem piedade. Obra-prima.

quarta-feira, setembro 30, 2009

:Quando a imoralidade e a arte se encontram



Era, apenas, uma questão de tempo para que o adormecido mas nunca esquecido "caso Polanski" fosse reactivado numa altura inesperada - fugido das autoridades norte-americanas desde 1978,  foi preso em Zurique (onde receberia um prémio pela carreira) o cineasta, agora com 76 anos de idade, que nos trouxe "Chinatown", "Rosemary's Baby" ou o inesquecível "The Pianist", por ter tido relações sexuais com uma rapariga de 13 anos (que, doravante, não era já virgem). E foi no despoletar da sua detenção que as opiniões explodiram e dividiram-se, quer na comunidade artística como política: por um lado, temos os que defendem o realizador (Woody Allen, Pedro Almodóvar, Martin Scorsese, David Lynch, Luc e Jean-Pierre Dardenne e a própria vítima, Samantha Geimer) e, por outro, os que defendem a punição judicial do crime de "Humbert Humbert" (Luc Besson, vários deputados e ministros do Parlamento Europeu e Francês). Parte-se do pressuposto que a lei é, de forma a garantir estabilidade e funcionalidade na Justiça, universal para todos e é um facto que o que cineasta fez era e é punível judicialmente. Por outro lado, temos o perdão de Geimer o seu desejo de, visto que foi algo ocorrido há trinta anos atrás, esquecer o passado; o alegado consentimento evocado por Polanski aquando do acto. Sendo assim, sendo este caso particular e único, diante estas circunstâncias, será legítimo continuarmos a considerar moralmente incorrecto o ocorrido?, será que é legítimo condená-lo?, não bastará o perdão de Samantha para que o crime seja absolvido ou será que, como muitos referem, "um pedófilo é um pedófilo" e tem que pagar pelo que fez? É uma problemática que, mais do que legal, é sobretudo de ordem ética - e não, os que defendem a libertação de Polanski (que deixou  pendente "The Ghost", o seu novo filme que estava a ser produzido), não defenderão, certamente, os abusos sexuais. A minha opinião não se encontra, ainda, formalmente formada, mas agora peço-vos que partilhem a vossa em relação a este caso, que anda na ordem do dia na comunicação social e não só.