É a melhor palavra para descrever a minha relação com o filme. Face à recente estreia da semana, o jornal Público dedicou hoje, no seu suplemento cultural de grande qualidade - o Ípsilon -, as atenções para "Anticristo", o filme de Lars Von Trier que competiu em Cannes para a Palma de Ouro e, de lá, levou um prémio de melhor actriz para Charlotte Gainsbourg (que, ainda que não brilhando, esteve muito bem em 21 Gramas). Muita tinta correu e muitos "dedos se gastaram" por causa do filme do "melhor realizador do mundo", segundo palavras suas, mas é tempo agora de voltar atenções para o modo como recebe Portugal este acontecimento - se podemos tomar como exemplo de um positivo acolhimento à película com a crítica no blog Split Screen (ver aqui), também podemos ler, de seguida, uma opinião negativa (das várias no jornal), na íntegra. Foi escrita por Luís Miguel Oliveira, que lhe atribui 1 estrela - o correspondente a "medíocre":
"Anticristo" não é um filme feito para se ver, é um filme feito para se falar sobre ele. Oferece a cana, o anzol e o isco: tem imenso para "interpretar", fará furor em sessões com "debate".
Os filmes - certos filmes, como o "Anticristo" - chegam às salas cada vez mais "cheios", saturados pelas ideias feitas postas a correr sobre eles, e reproduzidas ad nauseam pela Internet fora. Até o mais vacinado acaba por se deixar convencer. Sobre "Anticristo", tanta cantilena se lê sobre a sua "beleza visual" (ou coisa que o valha) que se chega a considerar essa possibilidade. O choque é mais violento assim. "Beleza visual"? Aonde? Naquele prólogo obsceno, com lógica de vídeo-clip (para uma canção de Händel, ah bom, coisa séria) e visual de spot publicitário, que liga um grande plano do "diálogo" dos órgãos genitais do casal protagonista (Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, aí convenientemente substituídos por próteses e "body doubles") à morte de uma criança, tudo ao "ralenti"? Na natureza (as florestas) dos capítulos intermédios, onde von Trier pretende (ver dedicatória nos créditos finais) pagar uma "dívida" qualquer a Tarkovski, sem perceber (ou percebendo muito bem) que aquela fotografia delambida (o operador foi o mesmo do "Slumdog", chama-se Anthony Dod Mantle, benza-o Deus) está para Tarkovski (e para Sokurov, e para os caspardavidfriedrichianos e outros adeptos da natureza nórdica em geral) como um autêntico "anticristo"? Não é o caos que reina, como diz o título de um dos capítulos, é o mau gosto, puro e simples, ou pior, estilizado e rebuscado. O feio pode ser tão belo como o belo, e o que von Trier quer mostrar (?) é que o belo contém o feio (como a corça com o feto morto pendurado), mas o que se vê é o enjoo do feio embelezado. Tanto pior se é preciso explicar melhor.
Os fantasmas nórdicos acumulam-se (acotovelam-se) em "Anticristo", cinema, teatro, e "temas" (o sexo, o casal). Longa sessão terapêutica de um casal - refugiado no "Éden", claro - para tentar distinguir a sexualidade da culpabilidade que no prólogo lhe foi associada (por negligência "orgástica", digamos), "Anticristo" vive de psicoterapia sobre-explicada, diálogos cheios de retórica (profundamente maçadores) e cenas de sexo agressivo. Começa como Bergman, aproxima-se de Cassavetes, rouba ideias (a bruxaria ligada ao desejo feminino) a um velho filme dinamarquês (o sublime "A Feitiçaria Através dos Tempos", de Benjamin Christensen, que von Trier obviamente conhece), acaba à tesourada tipo Oshima. Pena já não estarmos em 1975. "Anticristo" não é um filme feito para se ver, é um filme feito para se falar sobre ele. Oferece a cana, o anzol e o isco: tem imenso para "interpretar", fará furor em sessões com "debate".
A "terapia" von triêrica é, pois, motivadora de crescente antagonismo. Dificilmente haverá um meio termo possível. Mas não será, talvez, isso que eleva um artista, na sua totalidade? Após um excelente Dogville (crítica), um bem recebido Dancer in the Dark (crítica) ou um perturbador Os Idiotas, estou em crer que sim, tal como sou da opinião que Anticristo será o mais extremo dos filmes do cineasta anti-tudo. A expectativa não podia ser maior. Mas, diz já o ditado popular, quanto maior a subida...
...maior a queda."
ResponderEliminarEu partilho de uma boa opinião de Anticristo, não é um filme fácil e com certeza, como é referido, será um filme que suscitará muitos debates e opiniões contraditórias.
Talvez não haverá um meio-termo em relação a cinefilia de Trier, gostamos ou não gostamos, mas ele sabe dar "socos no estômago"...
Abraço
http://nekascw.blogspot.com/
não é o melhor filme dele, isso é certo.
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarAinda recentemente falei nisto e continuo a confirmar. Estas reacções são o que Lars von Trier quer. O choque, a repulsa, o ódio, o vómito... e quer gostemos, quer odiemos o filme, as sensações serão as mesmas.
ResponderEliminarConcordo que fizes, com Lars von Trier ou se gosta bastante ou se odeia. Muito dificlmente há meio termo.
ResponderEliminarTá na minha lista de must-see nos próximos tempos :)
Abraço
Eu gostei do filme. Da estética visual, ambiental e negra do filme. Sim é visceral, sim chega a ser obsceno, mas não é isso que faz com que o filme seja mau.
ResponderEliminarA todos os leitores: estou a ver, portanto, que por aqui as opiniões são mais ou menos consensuais - que Antichrist é um filme que vale a pena, pela estética e narrativa. Quanto a mim, verei hoje e logo direi se partilho a vossa opinião.
ResponderEliminarAbraço a todos!
Fará sentido ver e avaliar um filme (ou qualquer outra outra de arte) através da comparação constante com outros filmes, nomeadamente do mesmo autor? Um filme (tal como um quadro ou um romance) é uma obra única e fechada. O que há de verdadeiramente relevante a dizer sobre ele é independente de quaisquer relações com outras obras.
ResponderEliminarNunca percebi uma frase que os cinéfilos repetem muito frequentemente:
"Não gostei muito. Não é mau, mas não traz nada de novo em relação aos anteriores." Quer dizer que se os filmes anteriores não existissem (por exemplo se desaparecessem numa catástrofe qualquer) esse se tornava mais apreciável? É que agora já traria algo de novo... embora exactamente o mesmo filme.
Pela minha parte, quando entro na sala escura entro sem expectativas nem preconceitos. E se não fosse assim julgo que não valeria a pena lá entrar.
Carlos Pires, penso que confunde claramente duas coisas - o facto de considerar que se vê e avalia um filme em função de quem o assina (algo que não o faço e creio, também, não fazer qualquer sentido) e o facto de gerar expectativa conforme for o autor. Se se conhece, a fundo, um trabalho de um cineasta e se dele gostar, penso que é claro que não vai ver um filme recente despido de qualquer expectativa - pois sabe, a priori, do que é que ele é capaz. Uma obra vale o que vale, de forma independente e singular, e ainda mais se conhecemos a sua raiz e os precedentes filmes, pois conseguimos perceber já o estilo que lhe é inerente, o tipo de narrativa, etc. Claro está que se um realizador decidir mudar radicalmente a sua forma de fazer um filme, o espectador que apreciava a sua filmografia terá obrigatoriamente de se "mudar" com o realizador. Um exemplo bem edificante do que acabo de falar é, por exemplo, Gus Van Sant, que tem díspares fases de fazer um filme, todas elas valendo o que valem de forma independente.
ResponderEliminarE continuando com o exemplo. Aquilo que citou ("Não gostei muito. Não é mau, mas não traz nada de novo em relação aos anteriores") também merece alguma reflexão. A chamada "trilogia da morte" de Van Sant tem um estilo formal bem presente, que, na minha opinião, é levado à exaustão com "Last Days", crendo eu que "Elephant" é muito melhor nesse aspecto. Será que eu acabo de julgar o "Last Days" só porque o "Elephant" é melhor? Penso que não, porque imagino-me a ver o "Last Days" sem conhecer minimamente o realizador ou a sua obra e a ter a mesma reacção - de desagrado e descontentamento. Mas, neste caso, já estamos num ponto mais delicado - a ordem com que vemos os filmes é, sem dúvida alguma, determinante.
De qualquer das formas, penso ter o discernimento suficiente para não cair no erro (para não dizer na pretensão ou na inércia) de me limitar a ver um filme apenas e só em comparação aos restantes do realizador. Estamos completamente de acordo quando pensamos que nos devemos esforçar ao máximo para não o fazer. Mas a expectativa é um sentimento diferente, positivo. Tem que ver com algo de diferente - do facto de termos confiança naquilo que vimos anteriormente e esperarmos um certo grau de qualidade relativamente ao autor.
Abraço
O Expresso também se dividiu quanto ao filme de Trier.
ResponderEliminarO Homem Que Sabia Demasiado, seria já previsível. Mas, neste momento, como é possível ler-se, encontro-me do lado daqueles que o consagram positivamente.
ResponderEliminarAbraço