Nova Iorque, 1997. Na agitação das ruas da metrópole dois homens encontram-se e a vida de cada um transforma-se. A solidão torna-se um lugar estranho. É uma premissa clássica – de boy meets girl ficamos apenas com o boy –, que continua a ser a tendência do cinema gay contemporâneo, como tem demonstrado a 16.ª edição do Queer Lisboa. Como ultrapassar este lugar-comum?
Talvez Keep the Lights On, que repetiu ontem às 17h15 na sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, consiga responder-nos à questão. É a mais recente longa-metragem do norte-americano Ira Sachs, autor que nos trouxe títulos populares como Casamentos e Infidelidades, em 2007, e debruça-se numa relação disfuncional entre um realizador de documentários (possível alter ego de Sachs, que também realizou alguns) e um advogado. O desejo do primeiro, que quer ter sexo com regularidade, luta contra o do segundo, um toxicodependente.
É um combate condenado à autodestruição mas que vai sobrevivendo até a exaustão. Como se o amor, enquanto existir, bastasse para a união das duas personagens – é o que, pelo menos, parece que nos diz Ira Sachs neste melodrama, tão triste como a própria vida.
Os tons melancólicos com que Keep the Lights On está desenhado são intensificados pelo trabalho do diretor de fotografia ateniense Thimios Bakatakis (responsável pela imagens de títulos como Canino ou Attenberg), cujo pensamento sobre a luz nos remete para uma ideia de passado (importa dizer que estamos a ver um filme raro por ser filmado em película). Uma marca temporal, sim, mas também completamente atual (o diretor do festival João Ferreira lembra, no seu texto de apresentação do filme, que a imagem faz ponta com as “lentes vintage” dos nossos dias: do Instagram ao Hipstamatic).
A maior referência está, no entanto, na música omnipresente de Arthur Russel, importante figura da cultura downtown nova-iorquina dos anos 70 e 80. A música que acompanha o filme parte não apenas de uma escolha do realizador mas de um trabalho conjunto com o antigo companheiro de Russel (que morreu vítima de sida em 1992) e por Matt Wolf, que realizou o documentário Wild Combination: A Portrait of Arthur Russel (exibido em 2009 no Queer Lisboa).
Este texto foi publicado originalmente no Diário de Notícias (25 de setembro de 2012)
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