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sábado, julho 23, 2011

5 perguntas (iii): Pedro Cabeleira

Pedro Cabeleira, autor do blogue Estúpido Maestro, escreve na rubrica semanal 5 perguntas, que confrontará vários convidados com uma série diferente de questões sobre a sua relação com o cinema. Uma vez, o Pedro escreveu, a jeito de resposta a uma declaração de Jean-Luc Godard sobre o facto de um autor ter apenas deveres e não direitos, um texto sob a forma de manifesto, porventura controverso, sobre o cinema de autor - cuja leitura eu aconselho que seja feita aqui. Muito obrigado, Pedro, pela tua colaboração.

★★★★★

1. Que filme lhe fez mais ter pena do dinheiro que gastou no bilhete?

Houve um certo filme que fui ver numa sessão da Cinemateca com a presença do realizador que poderia ter sido onde o meu dinheiro foi mais mal investido. Apesar da extraordinária qualidade da obra ainda consegui aprender bastante com a situação, por isso, apesar de ter saído da sala após trinta minutos do seu começo, a “Conversa Acabada” de João Botelho não foi o meu pior investimento. Quando fui ver “Sucker Punch”, filme mais recente de Zack Snyder, lamentei imenso os 5 € que apostei, principalmente por ser um filme de um realizador que eu até tinha alguma consideração. A verdade é que após vinte minutos do inicio da sessão os enjoos e a dor de cabeça falaram mais alto, reacções físicas a um dos piores filmes que vi no grande ecrã.


2. O filme que gosta de um realizador que tenha em muito má conta?

Danny Boyle fez dois filmes que eu considero fracos, coopera com ele nestes filmes um compositor cuja música é claramente desadequada, diria que esse realizador pratica um certo cinema do enjoo, abusa nas cores e adopta um ritmo falacioso e exagerado. No entanto, esta realização “dannyboylesca” adequa-se a um filme que adoro, “Trainspotting”.

3. O filme com o melhor fim?

Pergunta difícil. Há “Haverá Sangue”, “Pulp Fiction”, “O Ódio”, “Barry Lyndon”, “Magnolia”, “Raging Bull”, finais extraordinários! No entanto, em 1971, Stanley Kubrick, consegue, a meu ver, o melhor final de sempre. “A Clockwork Orange” tem o melhor final de sempre, e mal de nós será não concordar que Alex está curado, e difícil será também não nos arrepiarmos ao apercebermo-nos que aquilo que acabámos de ver, foi não só um dos melhores estudos de personagem como uma extraordinária abordagem ao ser, aos seus instintos e acima de tudo ao carácter. Aquele quadro final pomposo, claramente perturbador e ao mesmo tempo tão aliviante e suave é insuperável.

4. Um filme sobrevalorizado?

O cinema tem várias componentes que podem ser analisadas e categorizar um filme como de excelência, grande, muito bom, bom, razoável, etc… ou mesmo de uma forma mais simplista, bom ou mau. No entanto há duas coisas que para mim são essenciais para desenvolver uma ideia de um objecto cinematográfico, a história e a forma como esta é contada. É na não harmonia destes dois pontos que “The Usual Suspects” de Brian Singer de 1995 se torna talvez o filme mais sobrevalorizado. Uma história muito boa, com um clímax quase sufocante, um twist muito inteligente, no entanto, é uma história que foi tornada num filme simplesmente interessante, não mais. Brian Singer vulgariza uma história bastante promissora, não a torna nem densa nem negra, não faz com que o clímax seja sufocante, é um filme que se vê e se acompanha, mas é um filme que perde “personalidade”, não senti a magia de Kayser Soze, não senti medo dele, e se não for por dizerem que ele matou não sei quantos e que é o Diabo em figura de gente nunca iria perceber porque raio os outros o temem tanto. Singer podia ter criado um clima tenebroso, uma obra formidável, mas não, “The Usual Suspects” é apenas uma luxuosa receita que acabou por ficar sem sabor.

5. Uma medida para o cinema português?

Sou apologista que o ICA não deve ser extinguido, mas sim, que devia ser considerada outra distribuição do seu financiamento. Não digo também que se devia acabar com o investimento em filmes, o que seria feito do cinema português? Bom ou mau, a verdade, é que este deve ser feito. No entanto, há uma coisa que não se aposta, quando o produto é mau, deve se investir na mão-de-obra de modo a este ficar melhor. Diria que uma parcela do bolo do ICA devia ser atribuída a estágios ou formações no estrangeiro, que qualificassem portugueses e os especificassem em áreas como distribuição, maquilhagem, imagem, etc… Quanto mais especializados estes fossem, mais fácil seria a produção cinematográfica, mais vantajoso seria o investimento, que estes aprendessem com os grandes, para depois não estarem apenas preparados para cumprir e ser competentes, mas para o fazerem com qualidade e distinção. Formação não é sinónima de criatividade, mas certamente que ajuda para o desenvolvimento desta. Trata-se de aproveitar a potencialidade que o nosso país pode vir a ter nesta área. O conhecimento traz segurança não só em quem tem esse conhecimento mas em quem vai ver os filmes. É fulcral apostar numa formação de excelência quando está mais que provado que os produtos não são de excelência.

sábado, junho 25, 2011

Música com Cinema (3): Blur e Sigur Rós


The Universal, dos Blur
Realização: Jonathan Glazer
1995

Autores de uma das mais consistentes obras discográficas do pop/rock alternativo dos anos 90, os Blur cedo descobriram uma forma igualmente competente de encarar a imagem como complemento directo para as suas canções. As capas dos primeiros singles e álbum sugeriam já esse relacionamento que, com o tempo (e os orçamentos mais nutritivos que o sucesso lhes deu), ganhou forma ainda mais notável em telediscos nos quais vincaram a vontade de expressão de um olhar cinematográfico. Em To The End, assinado por David Mould em 1994, citaram em concreto o clássico O Último Ano em Marienbad, de Alain Resnais. Mais tarde, em No Distance Left To Run (1999), chamaram Thomas Vinterberg a assinar a realização de um teledisco que observa os quatro elementos da banda de noite, às escuras, durante o sono. Entre os seus feitos maiores da sua videografia conta-se ainda The Universal, teledisco rodado por Jonathan Glazer (então ainda longe de se estrear na realização de longas-metragens). Tomando como evidente referência visual o espaço do Korowa Milk Bar de A Laranja Mecânica de Stanley Kubrick, o teledisco faz dos quatro elementos do grupo uma materialização da memória do pequeno “gang” que vemos no filme. Mas mais interessante ainda que este jogo de citações é a construção de um conjunto de situações centradas numa mão cheia de personagens que, sem experimentar sequer uma ideia narrativa, constroem em conjunto um quadro que define assim um ambiente e caracteriza um espaço. Há legendas que sugerem fragmentos de diálogos, olhares que traduzem estados de alma e, perto do final, um segredo que vemos, mas não escutamos, e que desencadeia um momento que podia morar num instante de um filme. Notas igualmente de destaque para a soberba direcção de fotografia e para um trabalho de montagem que sabe, mesmo numa canção de toada lenta, manter vibrante o ritmo dos olhares, gentes e gestos que se cruzam durante o teledisco.


O disco

Em meados dos anos 90 os Blur eram já um nome de absoluto primeiro plano da pop à escala mundial. No Reino Unido viviam então uma “batalha” (mais mediática que real) contra os Oasis, em tempos de euforia brit pop. Parklife, o seu terceiro álbum, editado em 1994, cimentara esse estatuto de protagonismo no panorama pop/rock, sem que tal representasse um instante de cedência por parte da banda quanto às intenções da sua obra e formas a expressar na sua música. De longe o menos esforçado dos álbuns do grupo, The Great Escape foi então (em 1995) um disco mais de continuidade que feito de olhares lançados adiante. Mesmo assim há no alinhamento do quinto álbum de originais dos Blur alguns instantes dignos de morar entre as peças de referência da sua obra. Entre eles The Universal, canção escolhida para ser o segundo single extraído do alinhamento desse disco. Uma balada eloquente, de carga sinfonista (e com um magnífico arranjo para cordas), The Universal tornou-se com o tempo num dos temas-chave da obra dos Blur e é, claramente, uma das mais belas canções pop, com travo clássico, dos anos 90.

Nuno Galopim


Viðrar vel til loftárása, dos Sigur Rós
Realização: Stefán Árni Þorgeirsson e Sigurður Kjartansson
2001

Contextualizado na Islândia dos anos 50, dois clubes júnior de futebol confrontam-se em campo e, ao vencer o jogo, dois colegas da mesma equipa celebram beijando-se, expondo a sua intimidade aos pais, que os separam. A ideia partiu de Ágúst Ævar Gunnarsson, baterista fundador da banda Sigur Rós (que, entretanto, desiste em integrar o grupo em 1999, antes do seu sucesso internacional), e foi concretizada pela dupla de realizadores Stefán Árni Þorgeirsson e Sigurður Kjartansson. Teledisco sobre o amor e a violência, este é um dos grandes casos de como a forma poética da música (e da respectiva letra, como a tradução em inglês do teledisco disponibilizado em cima nos faz compreender) encontra paralelo com a do vídeo. A separação do protagonista das suas bonecas feita pelo pai representa assim a antítese que vive neste pequeno filme: o comportamento natural contra o que é imposto; o colectivo contra o individual; a sociedade contra um certo tipo de amor. A bela fotografia (situada em Reiquiavique), e o slow motion (que existe do início ao fim) parece querer chamar a atenção para estes pequenos acontecimentos, comportamentos e sentimentos – e são os próprios Sigur Rós, apologistas da liberdade, a apresentarem-se como parte dessa observação, surgindo no teledisco em diversos cameo. Jón “Jónsi” Þór Birgisson (vocalista e guitarrista) é o treinador da equipa vencedora; Georg "Goggi" Holm (baixista) é o árbitro; Kjartan "Kjarri" Sveinsson (teclista) é um dos espectadores; Orri Páll Dýrason (baterista) é quem aponta os golos. Este é ainda citado como um dos telediscos mais relevantes para a comunidade homossexual, por mostrar a pureza e a violentação do seu amor.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Chungking Express

Falar de cinema é difícil. Às vezes debato-me com um problema, que surge neste ou noutro dia e que me consome algum tempo de reflexão antes de escrever sobre algum filme que vejo: como falar e sobre o que falar desse filme? Ter uma experiência cinematográfica, boa ou menos boa, será sempre ter uma experiência única e irrepetível de vida, não importa quantas vezes a quisermos ter e a revisitarmos, de alguma forma. Como transpor, com palavras e totalidade, a poesia de Tarkovsky, a misteriosa revelação de um Werckmeister Harmonies ou de Uma Odisseia no Espaço, ou a desinteressante vivência de Os Condenados de Shawshank? A impossibilidade parece-me ser a resposta e, diante desta evidência, muitas são as vezes em que hesito escrever neste espaço, em partilhar o que em tempos me pode ter sabido a uma iguaria. Marcel Martin, autor do famoso A Linguagem Cinematográfica, defende que é necessário que haja uma distanciação entre o público e a obra executada para que o seu valor estético e ideológico fundamental seja, com mais certeza, captado (senão, pelo contrário, restar-nos-íamos à redutora alienação da realidade, vivendo, apenas e só, o cinema). E falar sobre os filmes, sobretudo aqueles que mais me tocaram e inspiraram, ajuda-me a manter essa distanciação, ajuda-me a recolher informações e a crescer enquanto cinéfilo com aspirações a qualquer coisa de maior. Somos todos filhos do cinema, o nosso pai mais novo. As suas características e linguagem absoluta fazem-me crescer. E, sobretudo, as suas possibilidades fazem-me acreditar que a sua criação constante é o futuro.

E isto para começar a falar de Chungking Express? Alonguei-me. O cinema de Kar-Wai é sem dúvida um cinema que adoro, este pedaço aqui é bom, é delicioso. Colorido, sobretudo cheio em pormenores, em riqueza visual, como seria, aliás, de esperar. As suas personagens navegam no caótico e melancólico mundo da desilusão e do desencontro do tempo, na sempre inevitável solidão. Mas é esta certeza a que o chinês chega sempre que faz, contraditória e precisamente, com que ele dê mais atenção, pelo menos nesta obra, à facção divertida, quer dizer, irónica da vida. É difícil esquecer a sua inacreditável obsessão pela California Dreamin’ que, depois desta fita, estará sempre associada ao nosso sonho de chegarmos à nossa Califórnia, de tomarmos o Chungking Express ou o comboio com direcção a 2046, ao nosso sonho de nos retirarmos deste mundo, ao nosso sonho de nos ultrapassarmos e realizarmos. É um sonho, que nem a magia de Kar-Wai consegue realizar.

terça-feira, março 30, 2010

"Lolita", Vladimir Nabokov

Mais do que um ícone, um fenómeno cultural do século XX, um estudo sociológico e psicológico do moderno pensamento, o controverso Lolita é, principalmente, uma bela história de amor.

Parecerá, na melhor das hipóteses, minimamente estranho a categorização da obra como um “romance” (não no sentido narrativo e formal, mas de temática), já que o russo Nabokov, dotado de uma capacidade criativa que é por demais magnífica, tende a explorar, mais do que o amor segundo as concepções clássicas, temas como o erotismo, o desejo sexual e o prazer que cometer certas “atrocidades” morais proporciona aos nossos protagonistas — Humbert Humbert, um intelectual quarentão natural de Paris, e Dolores Haze, uma pré-adolescente americana de doze anos que, para o narrador, pela manhã, um metro e trinta e dois a espichar do soquetes; era Lo, apenas Lo. De calças práticas, era Lola. Na escola, era Dolly. Era Dolores na linha pontilhada onde assinava o nome. Mas nos meus braços era sempre Lolita. Humbert introduz-se a si mesmo, admitindo ser, até, no capítulo 20, um criminoso sexual, tentando justificar-se ao leitor com a seguinte passagem: Senhoras e senhores do júri, a maioria dos delinquentes sexuais que anelam por qualquer relação física, mas não forçosamente coital, com uma rapariguinha, são inofensivos, inadaptados, passivos e tímidos desconhecidos que só pedem à comunidade que lhes consinta o seu chamado comportamento aberrante, praticamente inofensivo, que os deixe praticar os seus pequenos, apaixonados, húmidos e discretos actos de desvio sexual sem que a polícia e a sociedade lhes caiam em cima. Não somos demónios sexuais! (…) Não somos, positivamente, assassinos. Os poetas nunca matam.

Após a apresentação de Humbert, que segue a sua vida até conhecer a rapariga, com uma escrita extremamente fluida, cativante (para não dizer hipnotizante) e com pinceladas de comédia negra brilhantemente dadas, somos introduzidos aos esforços e métodos usados no sentido de este se aproximar, em todos os sentidos, de Lolita (até com a mãe chega a casar para facilitar o trabalho!). A segunda parte do livro é começada logo após a morte da mãe, que faz com Humbert e Lolita fiquem juntos e se inicie, entretanto, uma conjuntura trágica desfavorável para o destino dos dois.

Podemos, então, equiparar esta estrutura narrativa com a de um guião cinematográfico. Com capítulos curtos e uma narração que, ainda que seja feita do ponto de vista de Humbert, é objectiva, podemos facilmente pensar num tradicional guião de cinema, estruturado em três grandes partes, com todas as suas cenas e pontos de viragem. Misturando um romantismo e realismo inegáveis, este pequeno grande clássico da literatura mereceu adaptações à grande tela, em 1962, por Stanley Kubrick, realizador de “Laranja Mecânica” e “2001: Odisseia no Espaço” (o slogan how did they ever make a movie of Lolita? é-nos suficientemente elucidativo para percebermos como tinha sido bem aproveitada a polémica que girou em volta do livro), cujo argumento foi escrito pelo próprio autor, e em 1997, por Adrian Lyne, que, por não ter sido utilizado o guião de Nabokov, introduziu as cenas de sexo que no livro estão descritas. A sátira que é inerente à obra é, de certa forma, algo inédita, por denunciar a imbecilidade das formas de agir, pensar e sentir do ser humano, estilo que se impôs nas artes, nas décadas seguintes (o premiado Beleza Americana, de Sam Mendes, onde o nome do protagonista, também este com tendências pedófilas, Lester Burnham, é um anagrama para “Humbert learns”, segue, a seu jeito, moldes nabokovianos evidentes).

Muito se pode retirar de Lolita, mas é principalmente a crítica ao homem contemporâneo do Ocidente que deve ser, por todos nós, aproveitada para reflexão posterior. Brilhante na maioria dos seus aspectos, o livro merece ser lido e relido, pois pertence, seguramente, aos grandes clássicos da literatura.

quarta-feira, outubro 07, 2009

:Compreendendo os adolescentes

Muitas são as películas que se destinam ao público adolescente - afinal, que público, na sua grande maioria, é mais consumidor e ingénuo relativamente às imagens que se lhe são exibidas? Poucas são, contudo, aquelas que tentam, de uma forma mais ou menos directa, entrar na profundidade da sua mente, criticando o seu comportamento e a busca da identidade na violência, na sexualidade ou, simplesmente, no conformismo. Tarefa difícil mas certamente não irrealizável. Dessa forma, deixo-vos hoje com uma série de cinco inspiradoras películas que valem a pena ser visionadas pelo menos uma vez na vida, dada a sua qualidade artística ou a forma como marcaram a sociedade e o mundo da sétima arte pela temática (ou a forma como esta é abordada). Mysterious Skin (2007), Paranoid Park (2007), Ken Park (2002), The Dreamers (2003) e A Clockwork Orange (1971) são, para além dos que em baixo enuncio, filmes muito recomendáveis.

Sementes de Violência (1955)


Fúria de Viver (1955)


Kids - Miúdos (1995)


Elephant (2003)


Entre les Murs (2008)

terça-feira, janeiro 06, 2009

:Requiem for a Dream - A Vida não é um Sonho

requiem_for_a_dream_by_deviantjesus
Numa altura em que a televisão tem uma importância quase, diria eu, terminante na comunicação social e na sociedade ocidental na generalidade, e numa época em que outros tipos de drogas (as mais próximas do conceito), consideradas, em termos legais, ilícitas, também se encontram em voga, torna-se imperativo ver este autêntico “Requiem”, desta vez não musical, mas cinematográfico, e crucial também se torna, claro, no meu caso em particular, escrever uma pequena opinião sobre filme.
Voltando-me, antes de mais, para a sinopse, deparamo-nos com três (ou quatro, dependendo da perspectiva, que pode ser mais abrangente) histórias entrosadas, situadas numa Brooklyn contemporânea: a de uma mãe dependente do seu programa televisivo preferido, o de um concurso semelhante àqueles que podemos ver nas tardes dos nossos canais generalistas, interpretada magnificamente por Ellen Burstyn (nomeada, com este filme, para um Óscar) e que, ao se ver perante uma oportunidade de aparecer no programa, inicia um desregrado vício por supostos medicamentos que diminuem o seu peso; a do seu filho (Jared Leto) e amigo que iniciam um perigoso e descuidado processo de tráfico de drogas (e o vício das mesmas, por conseguinte, sob o triste pretexto de experimentar para garantir a “qualidade”), e a da sua namorada, aspirante a estilista, representada por Jennifer Connely, presenteando-nos com uma actuação de prender a respiração (possivelmente, a meu ver, a melhor da sua carreira). É com isto que tudo se coaduna, improvável mas brilhantemente, dirigindo-nos a uns trinta minutos finais do mais dramático que alguma vez vi: aliás, torna-se, a certo momento, interessante reflectir sobre tantos momentos concentrados trágicos e emocionalmente pesados, como uma bomba a detonar lentamente. Será que a vida, para além de não ser, como o título o diz, um sonho, está delineada para atirar-nos com uma pedra de desditas a certa altura da nossa existência? O filme é, identicamente, um bom motivo para reflectir sobre os nossos próprios pensamentos sombrios e vícios (realço um, que parece ser a dependência invisível e incorpórea do novo século: o computador e, como consequência, a Internet) e para termos, mais uma vez, uma visão (terrivelmente) negativa sobre as drogas.
De qualquer das formas, é sempre bom, a meu ver, apreciar filmes que explorem a psique do homem, a obscuridade das suas acções e as respectivas motivações e consequências, mas nunca nenhuma história me tinha feito sentir tão culpado e baixo como este. De outro modo, as sequências não teriam a intensidade que lhes é concebida se não fosse também papel peremptório que teve a banda sonora. E que dizer dela? Clint Mansell é um génio, e comprova-o novamente, mais tarde, com “The Fountain” (“Death is the road to Awe”) não admira mesmo nada que quisessem já utilizar a “Lux Aeterna” em vários trailers e anúncios televisivos.
Tão arrojada e inovadora como a trama, só apenas, muito provavelmente, o próprio Aronofsky (já agora, alguém notou influências de Kubrick neste projecto?), que demonstra, mais uma vez, a sua versatilidade e talento (e futuramente, espero que “The Wrestler” esteja ao nível dos dois últimos projectos). Os vários planos, meticulosamente planeados ao seguir o argumento sublime, demonstram bem uma originalidade e ousadia característicos do realizador. No entanto, e não avultando isto como um ponto negativo, é uma fita muitíssimo deprimente e que deixa, infelizmente, um grande sentido derrotista à vida na sua generalidade, sem qualquer tipo de mensagem esperançosa que possa, de alguma forma, confortar o espectador. E, bem vos posso garantir, é um autêntico murro no estômago, a não querer repetir muitas vezes. Não há melhor forma de descrever “A Vida não é um Sonho”, um filme que não é só um trabalho artístico, mas sim uma verdadeira e quase perfeita análise da humanidade actual, demonstrando a sociedade em toda a sua deterioração, imperfeição e hediondez. Não é para todos, mas para quem não viu, aqui fica o desafio de ver "Requiem". Depois opinem!
10/10