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quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Quando o artifício é o mudo




Se [hoje], dia de estreias nas salas de cinema comerciais portuguesas, decidirmos prestar atenção aos títulos em cartaz teremos uma estranha surpresa chamada O Artista (título original: The Artist). Não, não é 3D, mas um filme… praticamente mudo e a preto e branco. O facto deve ser sublinhado: devido à não advertência das suas qualidades peculiares, o cinema Odeon Liverpool One, na Inglaterra, viu-se obrigado a reembolsar os seus espetadores, que mostraram desagrado e estranheza pelo formato. 

Escrito e realizado por Michel Hazanavicius (n. 1967), esta produção francesa leva-nos à Hollywood de 1927 onde atores como George Valentin (interpretado por Jean Dujardin) perdem irrevogavelmente a sua fama devido à passagem do mudo para o sonoro no cinema, assistindo à ascensão de novas estrelas preparadas para enfrentar a nova tecnologia, como Peppy Miller (Bérénice Bejo que, tal como Dujardin, é uma figura presente no trabalho do realizador). A jornada de Valentin relembra, para além do filme Crepúsculo dos Deuses (filme realizado por Billy Wilder em 1950), a decadência real de atores como John Gilbert, Vilma Banky ou Norma Talmadge, ridicularizados pelas suas vozes e sotaques. 

Este caricato retorno à era do mudo era já desejado pelo cineasta há já algum tempo: “os grandes cineastas que eu mais admiro provêm do cinema mudo… Hitchcock, Lang, Ford, Lubitsch, Murnau, Billy Wilder (como argumentista).” O interesse, aliás, vem já presente na restante filmografia de Hazanavicius, resultado do seu trabalho como realizador de anúncios de televisão e marcada essencialmente pelo pastiche e pela cinefilia – desde o telefilme La classe américaine, de 1993 (que parodia o cinema clássico norte-americano ao colar vários extratos de filmes da Warner Bros. e ao dobrá-los com novos diálogos) às paródias aos filmes de espiões Agente 117 (que chegou a estrear em Portugal em dezembro de 2006 e está disponível em DVD) e a sua sequela Agente 117 – Perdido no Rio (de 2009, entre nós disponível em aluguer de vídeo). 

Homenagem ao cinema mudo ou simples paródia que encantou os norte-americanos mais nostálgicos, a verdade é que O Artista não tem parado de colecionar prémios. Estreado na competição oficial no Festival de Cannes (onde, apesar de ter “perdido” a Palma de Ouro para A Árvore da Vida, foi galardoado com o prémio para melhor ator). Foi considerado o grande vencedor na mais recente edição dos Globos de Ouro (melhor filme de comédia ou musical, melhor ator de comédia ou musical e melhor banda musical, responsabilidade de Ludovic Bource) e é talvez a maior aposta para a próxima cerimónia de entrega dos Óscares da Academia (estando nomeado para um total de 10 nomeações, incluindo melhor filme, realizador e ator). Não nos admiremos por isso que a estreia de O Artista (que chegou em Portugal, pela primeira vez, em outubro do ano passado, ao abrir a 12.ª edição da Festa do Cinema Francês) chegue em plena época de corrida aos Óscares, despertando os olhares mais curiosos.



Independente das suas qualidades, O Artista foi alvo de uma atenção que, para além de histérica, é tão pueril quanto a narrativa com que é preenchido. O que, na verdade, não nos admira: o esforço de conduzir esta homage para os Óscares estava já patente quando estreou no sul de França (uma espécie perversa e bizarra de meta a conquistar). Depois de tomarmos conhecimento de que Billy Cristal estará acompanhado, num sketch a decorrer na cerimónia de entrega dos prémios da Academia, por Uggie (o parceiro canino do protagonista) parece já não haver dúvidas do filme que se imolará vitorioso. O que, em boa verdade e sabemos nós, não significa absolutamente nada. 

O que O Artista comprova, isso sim, é que uma boa história dispensa qualquer artifício (seja o 3D, a cor, o som, o digital ou uma proporção da imagem e velocidade distintas…) e que, apesar de a proposta seduzir – ou desinteressar – pela “invulgaridade” do seu formato, é a energia com que as suas sequências são motivadas que efetivamente importa. O filme está carregado dessa potência que entretém (isto é: que agarra com habilidade a atenção do espetador) e impressiona (através da brincadeira com os inúmeros clichés de Hollywood), mas que se reduz, em última instância, por se limitar à cópia daquilo que já não é e a um formalismo encantado de estudante de cinema. 

Estou crer que não seja o objetivo do filme motivar o interesse do público pela era do mudo no cinema norte-americano (Luís Mendonça escreveu no seu blogue, em jeito de nota irónica, que “o editor dos 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer já poderá tirar os poucos filmes mudos - e já agora também Singin' in the Rain, Sunset Boulevard ou até Modern Times - que tem vindo a incluir nesse menu fast-food de cinema: afinal, para quê maçá-lo com velharias imperfeitas, se podemos sintetizá-las em hora e meia de grande diversão? Nem parece que está a ver um mudo, né verdade?”). Porque, para o bem ou para o mal, quando assistimos a’O Artista parece que estamos diante não de um filme deslumbrante mas, antes, de um filme deslumbrado.

(A primeira parte deste texto foi publicada no Diário de Notícias - 1 de Fevereiro de 2012)

quarta-feira, janeiro 25, 2012

A palavra (4): Jorge Mourinha

Os dois filmes mais nomeados para os Óscares de 2012 são sintomas. Sintomas da cinefilia de quem os fez - no caso de O Artista, Michel Hazanavicius, realizador francês vindo da televisão e cuja obra já revelava um amor pelo cinema "à maneira de"; no caso de A Invenção de Hugo, Martin Scorsese, o mais cinéfilo de todos os cineastas, fervente defensor do restauro e da divulgação da história do cinema. E sintomas da magia do cinema que os dois filmes evocam e procuram recuperar, pelo meio de uma paisagem audiovisual onde ele já não é a força cultural da primeira metade do século XX, mas está perdido pelo meio dos multiplexes, computadores, iPads e televisores.

(…) Os Óscares, assim, voltam em 2012 a ser aquilo que sempre foram: uma enorme manobra de marketing que premeia mais o sucesso (As Serviçais, Meia-Noite em Paris) ou o estatuto (Scorsese, Spielberg, Streep) do que a qualidade, que quer fazer passar o cinema que se faz numa Hollywood cada vez menos inspirada pelo único cinema que vale a pena. É por isso que é tão estranho, e tão sintomático, ver A Árvore da Vida, de Terrence Malick, entre os nove nomeados para Melhor Filme - porque Malick é o único cineasta americano contemporâneo que não quer saber de Hollywood. E o seu é o único filme que não precisa dos Óscares - são os Óscares que precisam dele.
Jorge Mourinha in Público (caderno P2, Uma magia que já não se faz), 25 de Janeiro de 2012

segunda-feira, maio 16, 2011

Cannes [5]: Para os irmãos Dardenne, não há duas sem três


O dia de ontem do Festival de Cannes assinou-se pela presença dos já galardoados irmãos Dardenne (com duas Palmas de Ouro – uma para «Rosetta», outra para «A Criança»), que estrearam «Le Gamim Au Vélo», acompanhados da actriz Cecile de France. A história que os irmãos franceses se propõem a nos mostrar é sobre uma criança que, vivendo num orfanato, passa os fins-de-semana a andar de bicicleta com uma dona de um cabeleireiro. No entanto, algum segredo se esconde, conduzindo para um trágico final. Em entrevista (aqui), Luc explica que «Cécile De France tem uma presença luminosa evidente. Era muito importante para o papel de Samantha, pois não se sabe porque é que ela quer tanto ajudar esse garoto. Não há psicologia». Vasco Câmara considera que se há movimento que se nota neste filme é «a abertura do cinema dos irmãos ao mainstream» e que este é «um caso de fácil adesão emocional para o espectador e por isso um caso menos memorável do que a Rosetta do homónimo e inacreditável filme dos Dardenne». João Lopes volta a discordar e diz-nos que este é «um filme assombroso que poderia (ou poderá) dar aos Dardenne a sua terceira Palma de Ouro, depois de Rosetta (1999) e A Crianca (2005).»



«The Artist», de Michel Hazanavicius, é um filme mudo a preto e branco (contemporâneo). Trata-se de um objecto raro, de uma comédia que explora o mundo do cinema nos anos 20. Sobre a escolha da estética, Michel diz na conferência de imprensa (aqui): «era uma ideia que já tinha há muito tempo. O mudo é cinema puro, e também gerou os maiores realizadores. Sabia que não queria fazer uma imitação, porque o filme mudo é mais propício ao melodrama. Vejam: Chaplin só fez melodramas, sempre com um tom cómico.»

Na secção Un Certain Regard, projectou-se «Martha Marcy May Marlene», o primeiro filme de Sean Durkin. O crítico José Vieira Mendes explica-nos que «provém do fascínio do realizador pela investigação de seitas religiosas e comunidades espalhadas pelos EUA, que não fazem mais do que manter reféns pessoas mais fragilizadas psicologicamente. O filme está centrado na história verdadeira de uma bela rapariga que acaba por se invadir de uma destas comunidades, que tem uma actividade violenta e que continua ser perseguida pelos seus membros.» Concorre para ganhar a Câmara de Ouro.