É um sonho tornado realidade. Depois de ter encarnado Albert Nobbs na peça encenada por Simone Benmussa, Glenn Close jamais esqueceria a interessante figura que lhe valeu um prémio Obbie em 1983. Inspirada pela história do dramaturgo irlandês George Moore (1852-1933), a atriz norte-americana, que conhecemos pelos seus papéis em Atração Fatal (1987) ou Os 101 Dálmatas (1996 e 2000), levaria quase 30 anos para adaptar por fim para o grande ecrã The Singular Life of Albert Nobbs.
O que há, então, de tão enigmático em Albert Nobbs? À primeira vista conhecemo-lo como alguém simples, que trabalha como mordomo há 17 anos no hotel mais respeitado de Dublin em pleno século XIX e que poupa as suas gorjetas para, mais tarde, poder abrir a sua própria loja na capital da Irlanda. O segredo? Albert é… uma mulher.
“Naquela época a Irlanda era extremamente pobre. Em redor do hotel havia apenas pobreza. Ela sabia que sem o seu emprego era para lá que poderia ir. E ela sabe que pode ser despedida a qualquer momento”, explicou Glenn Close, situando a/o protagonista num contexto social preenchido pelas desigualdades de género e pelo machismo.
No entanto, e como Close afirma, “o poder da história equivale a um simples copo de água”, já que “quando a luz reflete sobre o copo, algo de extremamente complexo é criado”. Aí pretende residir, pois, a profundidade de Albert Nobbs, que vive também da ambiguidade sexual no interior da personagem (a partir do momento em que se apaixona pela colega de trabalho representada por Mia Wasikowska).
Com um orçamento estimado de 6 milhões de dólares (cerca de 4 milhões e meio de euros), Albert Nobbs teve uma receção fria nos EUA, quer na bilheteira (onde é visto como um falhanço comercial) ou pela crítica. Apesar disso, Glenn Close, que produziu, protagonizou, co-escreveu o argumento com o escritor John Banville (vencedor do prémio Booker em 2005) e a letra do tema musical final (interpretado pela cantora Sinéad O’Connor), foi nomeada este ano para o Óscar de melhor atriz (competindo com outra representação de peso de Meryl Streep como A Dama de Ferro). Albert Nobbs conta também nomeações para melhor caracterização e atriz secundária (Janet McTeer).
A longa-metragem [estreou hoje] entre nós e junta ainda os desempenhos de Jonathan Rhys Meyers (Match Point), Aaron Johnson (Kick-Ass – O Novo Super-Herói) e Pauline Collins (A Estrada do Paraíso, também protagonizado por Glenn Close). A realização é assinada pelo filho do Nobel da Literatura Gabriel García Márquez, o colombiano Rodrigo García, responsável por ter dirigido séries de televisão como Sete Palmos de Terra e que conseguiu filmar Albert Nobbs em tempo-recorde: 34 dias.
A desilusão, no fim, é justificada. Impulsionada até ao fim pelo segredo da identidade de género, Albert Nobbs vive de uma austeridade plástica (raramente há planos gerais, vivendo da mera proximidade ao trabalho de ator – que, por sua vez, não tem suficiente valor) e dramática (cada momento narrativo é expandido até a incompreensível exaustão) que nada mais é que irrelevante.
A par de tudo isto, admire-se a fascinante estranheza e ambiguidade de Albert Nobbs que cumpre o destino (infeliz, tal como ele / ela) de nunca estabelecer com o espetador qualquer tipo de relação. Nobbs / Close mantém-se assim uma espécie de máscara cujo acesso é bloqueado até o limite. E García, que parece ter filmado (melhor dizendo: “ilustrado”) com tédio, não resolve esse problema, exibindo com uma pobreza simplista uma figura rica em potencialidade. Enfim: sem saber o quer.
Nota feliz para Janet McTeer (a mais luminosa das personagens), outra infeliz para o tema musical final de Sinéad O'Connor, que reúne um sentimentalismo que, curiosamente, é estranho ao tom do filme.
(A primeira parte deste texto foi publicada no Diário de Notícias - 24 de Fevereiro de 2012)
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