Visto pelo realizador como “uma metáfora para o interior da alma”, Hedweijch, a quinta longa-metragem de Bruno Dumont que acaba de estrear entre nós, é uma autêntica resposta à alienação religiosa
Foi o jornalista James Quandt quem em 2004, na revista norte-americana ‘Artforum’, assinalou o surgimento de uma nova corrente cinematográfica perante a proliferação de filmes franceses com narrativas que aliassem a violência e a sexualidade gráficas, chamando-a de “The New French Extremism” (que podemos traduzir como Novo Cinema Extremista Francês). Dessa nova vaga, esteve como protagonista, para além de Gaspar Noé (‘Irreversível’, em 2002) ou Catherine Breillat (‘Romance’, em 1999), Bruno Dumont.
O realizador, que iniciou carreira leccionando Filosofia, estreia-se no cinema com 39 anos em 1997, com o controverso ‘La Vie de Jésus’ (galardoado com a Câmara de Ouro no Festival de Cannes), definindo de ora em diante a sua obra e visão. Inspirado pelo cinema de Pasolini, Rosselini e Bergman, realizou então mais três longas-metragens: ‘L’Humanité’, em 1999 (Grande Prémio, Melhor Actor e Actriz em Cannes); ‘Twentynine Palm’s, em 2003, e ‘Flandres’ (Grande Prémio), em 2006. Profundamente interessado nos conflitos interiores das suas personagens, Dumont ajudou a esbater a ténue fronteira entre a pornografia e o cinema de autor. No entanto, ao enquadrar o sexo, serve-se dele para demonstrar a animalidade das acções humanas e não o prazer que delas se pode extrair. O radicalismo do seu cinema, que se justifica em parte por um cruel realismo e minimalismo, é também resultante da ausência da expressão de sentimentos dos protagonistas, que os vivem intensamente dentro de si. É, por isso, um cinema de ideias sobre o vazio, voltado para dentro do indivíduo.
Na sua quinta longa-metragem, Dumont exacerba ao máximo o extremismo psicológico, debruçando-se sobre a fé. Inspirado em Hadewijch da Antuérpia (mística flamenga do século XIII), que serve de título para o filme e de nome que Céline, a protagonista, assume após ter sido expulsa do convento por causa do seu fanatismo, Dumont constrói uma jornada decadente que coloca à prova o seu amor por Deus. A partir do contacto com o mundo, o realizador observa, distante e cauteloso, Hadewijch, que trava amizade com um radical islâmico (que, à sua semelhança, acredita viver num mundo afastado do divino) e prepara um atentado terrorista.
É interessante como os olhos que filmam esta espécie de Joana d’Arc devota não são os mesmos de Dreyer. Bruno Dumont, ao contrário de si, é descrente e propõe-se a mostrar como a loucura leva Hadewijch à perdição. Em paralelo a ‘Twentynine Palms’, este é um filme que ganha um fôlego renovado nos últimos minutos, remendando pontas que foi livremente soltando ao longo da obra. Apesar de todo a violência e absurdo religiosos, parecemos descobrir, pela primeira vez, a esperança numa humanidade distante de Deus.
O realizador, que iniciou carreira leccionando Filosofia, estreia-se no cinema com 39 anos em 1997, com o controverso ‘La Vie de Jésus’ (galardoado com a Câmara de Ouro no Festival de Cannes), definindo de ora em diante a sua obra e visão. Inspirado pelo cinema de Pasolini, Rosselini e Bergman, realizou então mais três longas-metragens: ‘L’Humanité’, em 1999 (Grande Prémio, Melhor Actor e Actriz em Cannes); ‘Twentynine Palm’s, em 2003, e ‘Flandres’ (Grande Prémio), em 2006. Profundamente interessado nos conflitos interiores das suas personagens, Dumont ajudou a esbater a ténue fronteira entre a pornografia e o cinema de autor. No entanto, ao enquadrar o sexo, serve-se dele para demonstrar a animalidade das acções humanas e não o prazer que delas se pode extrair. O radicalismo do seu cinema, que se justifica em parte por um cruel realismo e minimalismo, é também resultante da ausência da expressão de sentimentos dos protagonistas, que os vivem intensamente dentro de si. É, por isso, um cinema de ideias sobre o vazio, voltado para dentro do indivíduo.
Na sua quinta longa-metragem, Dumont exacerba ao máximo o extremismo psicológico, debruçando-se sobre a fé. Inspirado em Hadewijch da Antuérpia (mística flamenga do século XIII), que serve de título para o filme e de nome que Céline, a protagonista, assume após ter sido expulsa do convento por causa do seu fanatismo, Dumont constrói uma jornada decadente que coloca à prova o seu amor por Deus. A partir do contacto com o mundo, o realizador observa, distante e cauteloso, Hadewijch, que trava amizade com um radical islâmico (que, à sua semelhança, acredita viver num mundo afastado do divino) e prepara um atentado terrorista.
É interessante como os olhos que filmam esta espécie de Joana d’Arc devota não são os mesmos de Dreyer. Bruno Dumont, ao contrário de si, é descrente e propõe-se a mostrar como a loucura leva Hadewijch à perdição. Em paralelo a ‘Twentynine Palms’, este é um filme que ganha um fôlego renovado nos últimos minutos, remendando pontas que foi livremente soltando ao longo da obra. Apesar de todo a violência e absurdo religiosos, parecemos descobrir, pela primeira vez, a esperança numa humanidade distante de Deus.
Este texto foi publicado originalmente no dia 4 de Junho de 2011 na revista Notícias Sábado do DN e JN.
Dumont é para mim um dos melhores cineastas actualmente. Já viste os filmes todos dele? Qual achas melhor?
ResponderEliminarNão vi todos e não pensei bem sobre isso, Álvaro :( Acho A Humanidade fortíssimo... mas todos o são. Podes ler mais artigos sobre o Dumont agora no blog. Vou publicar em breve a entrevista integral que tive com ele :)
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