Bruno Dumont, um dos mais interessantes cineastas contemporâneos, respondeu a uma série de questões que lancei que serviu de base para escrever este artigo publicado no Diário de Notícias. Publico de seguida a entrevista integral ao realizador francês.
Como relaciona este filme com a França actual, onde o debate religioso é tão visível, especialmente agora que a lei não permite determinados aspectos da prática religiosa (como a utilização pública das burcas)?
Hadewijch é mais uma tentativa de fazer tábua rasa às instituições religiosas e políticas – mostrando a sua violência intrínseca e a alienação dessa superstição – para uma procura espiritual nova e laica.
Acredita que a laicidade política pode promover intolerância religiosa?
A crença em Deus e as religiões são para mim arcaísmos que deveriam estar fora do alcance da política. Mas a política actual é em si uma outra forma desse arcaísmo autoritário que deve ser ultrapassado.
Tem alguma relação pessoal com Deus?
Nenhum. Estou apenas a tentar quebrar o que abrange esse conceito e explorar o seu mistério.
Em Hadewijch, as personagens vão da fé extrema para serem extremistas. Será a fé a razão pela qual as coisas escalam a este ponto ou será o mundo em volta deles o gatilho que faz com as que pessoas se comportem desta forma?
A fé é uma forma alienada de desenvolvimento espiritual do homem: um anel totalitário que contém nos seus germes o poder destrutivo de uma acção terrorista, a sua manifestação extrema.
De que forma vê Hadewijch como uma catarse e metáfora para o interior da alma?
Hadewijch é Puro Amor e é a parte de cada um de nós que deseja desesperadamente Amar e Ser Amado. Hadewijch é este pequeno teatro que parte de nós mesmos, pelo que o filme é a visão e a representação umas vezes em catarse e outras em metáfora.
O Nassir fala sobre o invisível. O que é o invisível para si? Como o considera no cinema?
O invisível é todo a área da interioridade que é irrepresentável para nós, salvo através do cinema que, a par das coisas visíveis, consegue descobrir as proporções certas e, assim, dar-nos visões e, logo, representações.
A violência é inevitável ao comportamento humano?
Sim, mas pode e deve ser transformado pela cultura, pela civilização: pacificado por eles.
Apesar da violência, haverá algum sinal de esperança na última sequência do filme? E pelo que devemos ter esperança?
Hadewijch é testada e mostra o caminho espiritual: a única forma nova de amor humano, longe de Deus.
Hadewijch é uma mística do século XII. Por que escolheu esta referência?
Foi ela que, através dos seus poemas e das suas Visões, me deu a ver a forma mística do amor puro.
O que o fez decidir levar a protagonista do filme para um lugar do mundo árabe a um certo ponto do filme? Onde era já agora?
É um dado artificial num contexto histórico. É partir de uma certa comunidade para uma outra contrária e inimiga. Num western americano dos 50 ou 60 seria como estar entre os índios. É como não estar em nenhuma parte ou em todas ao mesmo tempo.
James Quandt, um jornalista, classificou o seu trabalhou como uma força motriz do chamado “Novo Cinema Francês Extremista”. Como se relaciona com esta ideia? Vê a sua obra como parte de um movimento?
Não posso ter essa perspectiva, encontro-me no meio do que fiz e não na extremidade de qualquer coisa. O jornalista fala provavelmente partindo de onde se encontra e do seu ponto de vista.
Toma o minimalismo de Bresson e a intensidade psicológica de Bergman como referências do seu cinema? Que cineastas admira mais?
Não penso nisso e entretanto o tempo passou. Olho para mim sem saber exactamente por onde e por quem já passei. Todos nós somos formas acumuladas de cinema e somos humildemente o seu movimento perpétuo.
Como passou da Filosofia para o Cinema?
Como não conseguia passar pela porta, fui pela janela.
«Hors Satan», o novo filme que acabou de apresentar em Cannes, parece ser mais radical. Pode falar-me disso?
Hors Satan é o resultando de Hadewijch: face a um novo mundo longe de Deus, o combate contra Satanás, nas paisagens sagradas dos nossos jardins espirituais.
Acordou mal nesse dia, está-se a ver.
ResponderEliminarBom trabalho.