Pouco depois de um estudo ter mostrado que Portugal está entre os países com maior índice de pirataria e de se terem reforçados os apelos contra o descarregamento ilegal de filmes, uma dupla de australianos ousou lançar The Tunnel pela Internet – e quem quiser não paga
Para além de uma poderosíssima ferramenta de comunicação, informação e entretenimento, a Internet, que redefiniu toda a sociedade nas últimas décadas, trouxe ao ser humano contemporâneo uma facilidade renovada na partilha das suas criações, permitindo-o expressar-se para o planeta como nenhum outro meio o havia feito. Sendo as redes sociais o maior exemplo dessa projecção virtual, será pertinente questionar de que forma é que outros sectores foram afectados com a proeminência, cada vez mais imperativa, da utilização da Internet.
Muito à semelhança do universo da música, o cinema tem sido dos espaços mais afectados no que respeita o retorno financeiro. Vitimizado pela pirataria, surgiu recentemente uma alternativa original e inédita que poderá vir a revolucionar a forma como entendemos a legalidade da partilha de ficheiros e as próprias estratégias de distribuição cinematográfica. Referimo-nos a The Tunnel, filme de terror estreado no dia 19 de Maio… na Internet. Permitindo o descarregamento pago ou gratuito (portanto, sem que se violem os direitos de autor), de acordo com a preferência (e possibilidades) do espectador. Esta solução transforma, quase por completo, a visão malévola da Internet, o principal problema do cinema da actualidade.
A Internet não se apresenta, apesar de tudo, como o primeiro obstáculo que a sétima arte enfrentou. Desde o seu nascimento, as inovações tecnológicas acompanharam o esforço de chamar o público para as salas de projecção. Foi o caso do som, em 1927 (com o lançamento do primeiro filme sonoro, O Cantor de Jazz, que rivalizou com um modelo de imagem muda que julgava estar seguro) ou da cor. No entanto quando, a partir dos anos 50, a televisão surgiu como inimigo número um do cinema, a crise na indústria cinematográfica escalou a um outro nível. Obrigando os estúdios a repensar as estratégias de distribuição, assistimos ao florescimento de temas mais apelativos, à criação dos cinemas ao ar livre “drive-in” nos EUA, ao “cinerama” (sistema que envolvia a junção de três projectores de 35 mm que permitia uma visão mais alargada e periférica da imagem mas que, pelos custos envolvidos, teve pouca duração), ao CinemaScope (processo descoberto em 1953 e que expandia o tamanho do ecrã) e ao 3D, utilizado pela primeira vez em 1952 (com o filme Bwana Devil) e que prometia ao espectador uma realidade inédita e mais “natural” (mas que por obrigar o espectador a utilizar óculos de cartão Polaroid imperfeitos, desconfortáveis e com malefícios à sua saúde, passou rapidamente da moda).
Será, contudo, impossível falarmos de imagem a três dimensões sem nos lembrarmos do projecto titânico de James Cameron, “Avatar” (2009). Voltou a falar-se do 3D, a par do cinema digital, como a “salvação” da indústria em tempos de crise, num tempo quem que o grande público tem vindo a demonstrar alguma preferência pelo conforto da casa (importa recordar os desenvolvimentos do “home cinema”, a nível de som e de imagem envolventes), pela facilidade de ver um filme cujos direitos foram adquiridos por um canal de televisão, de o alugar em videoclubes (hoje em dia existentes nos serviços portugueses de televisão) e de o comprar em suporte DVD, Blu-Ray ou em formato electrónico (através de lojas virtuais). O inimigo actual do cinema é, no entanto, maior que todo o conjunto acima mencionado, considerado pelos produtores, distribuidores, autoridades e criadores como um problema fracturante e ilegal.
A partilha ilegal de filmes pela Internet, à qual chamamos de pirataria e que infringe os direitos de autor detidos por uma obra cinematográfica, começou a ser desenvolvida em grande escala depois do final dos anos 90 quando o programador Shawn Fanning criou o “Napster”, o primeiro programa na Internet de partilha de ficheiros de música em rede “peer-to-peer” (isto é, “de parceiro a parceiro”, traduzindo de forma livre). Bastou pouco tempo para que o que se via na indústria da música se transferisse para o cinema: o protocolo de rede BitTorrent, lançado no dia 2 de Julho de 2001, permitiu a distribuição de arquivos por “torrents”. Quanto mais pessoas “semeassem” (isto é, pusessem em activo) um ficheiro em particular, mas facilidade teria um internauta em ir buscá-lo. Assim se promoveu, ilicitamente, uma rede colossal de gente que, em redor do planeta, descarregava para o computador, e entre si, ficheiros de vídeo, de música, etc. A actividade à margem da lei começou a ser de tal forma preocupante que os governos se viram obrigados a promover uma atitude anti-pirataria junto de quem, em seu entender, não estaria ciente do seu comportamento. Nos cinemas e DVDs portugueses, antes que os filmes começassem, tornou-se natural ver o aviso que advertia que “o download não autorizado é ilegal”, e que o mesmo era “punível até 3 anos de prisão”. Mas continua a haver quem faça downloads ilegais, nota-se uma queda das receitas das bilheteiras e houve notícias da falência de videoclubes. A mediatização deste problema (que avança continuadamente sem fim à vista) cresceu com a penalização do descarregamento ilegal em vários países (como a França); com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o autor do site BTuga no passado Abril, ou com a criação da rede dos Partidos Pirata depois de 2006, primeiro na Suécia e, depois de outros países, já em Portugal, tendo sido o PPP (Partido Pirata Português) fundado no dia 12 de Maio de 2009 por alunos de Engenharia Informática, lutando contra as leis dos direitos de autor.
Sensível ao debate que se impôs sobre a pirataria, uma dupla de produtores argumentistas australianos decidiram iniciar o “135k Project”, que consistia em criar um filme com 135 mil fotogramas (o que equivale a 90 minutos) e lançá-lo via online, permitindo ao espectador descarregá-lo legalmente, fazendo-o decidir ainda se quer contribuir para o filme. Caso seja esse o seu intento, então este pode escolher entre pagar um dólar por um fotograma, ou pagar o DVD do filme original. The Tunnel, filme de terror lançado na Internet no dia 19 de Maio deste ano, abriu caminho para um tipo de distribuição cinematográfica completamente moderno e para uma solução inédita para o problema da partilha ilegal de filmes. Em questão põe-se, para além da liberdade de lançamento dos filmes, a generosidade do público, que só se vê impelido a pagar por aquilo que consume porque assim é obrigado.
Um telefilme mascarado de acontecimento cinematográfico
Ao contrário da originalidade da estratégia de distribuição do filme na Internet, The Tunnel, realizado pelo australiano Carlo Ledesma e escrito pelos produtores Julian Harvey e Enzo Tedeschi, apresenta-se como um objecto reciclado da fórmula gasta do “falso documentário” de terror, tomando como exemplo The Blair Witch Project (1999), [REC] (2007), Cloverfield (2008) ou Paranormal Activity (2007). Seguindo a história de uma jornalista e da sua equipa de filmagem que investiga os túneis subterrâneos de Sidney e a razão o seu acesso é interdito, esta é uma obra previsível desde o primeiro minuto, desinteressante e recheada de lugares-comuns e que a torna num autêntico telefilme sem qualquer mérito.
Este texto foi publicado originalmente no dia 11 de Junho de 2011 na revista Notícias Sábado do DN e JN.
No Brasil acontece a mesma coisa.
ResponderEliminarO Falcão Maltês
Em todo o mundo, realmente.
ResponderEliminarUma ideia deveras interessante. Um pouco como os Radiohead fizeram com o seu primeiro álbum, penso eu.
ResponderEliminarAbraço
Frank and Hall's Stuff