A discussão continua, desta vez no IndieLisboa, num tom mais pesado, com particulares acusações à RTP. Falta saber quando - ou se - terminará. Recordo aos leitores o interessante programa Câmara Clara do canal 2 (há duas semanas atrás, sobre o cinema português, com João Salaviza e Inês de Medeiros, que pode ser visto aqui), onde ficou clara a necessidade de produzir mais filmes portugueses (e nada se referiu sobre a sua potencial qualidade, como gostam os tugas de falar) e do facto de o financiamento (propriamente o FICA) ter voltado grande parte das suas economias para uma série televisiva, da TVI ("Equador"). Quanto a mim, concordo com Medeiros quando salienta a escusada vontade, actual e ridícula, de se fundir a linguagem da televisão com a do cinema, formando aquilo que é o "audiovisual" (reforço as aspas). Deixo-vos, sem demoras, a "discussão" que ocorreu:
Paula Moura Pinheiro estava no Cinema São Jorge como moderadora, a convite da organização do festival de cinema independente IndieLisboa. Mas para os realizadores e produtores presentes no debate Estados Gerais do Cinema Português, ontem ao final da tarde, Moura Pinheiro é, acima de tudo, a sub-directora da RTP 2. O debate tinha tudo para ser explosivo. E foi - desde o primeiro momento.
O realizador Fernando Vendrell foi o mais emotivo. "A programação da RTP é uma vergonha, é má, inculta, arrogante, brutamontes", disse, exaltado.
Pedro Costa foi directo: "Porque é que os meus filmes passam à meia-noite?", perguntou a Moura Pinheiro. "O país é muito melhor do que a televisão pública que temos", reforçou o produtor Pedro Borges, que denunciou as "manobras de chantagem e intimidação contra produtores independentes por parte do director da RTP 2 [Jorge Wemans]", numa referência ao tem vindo a denunciar como "censura" daquele canal em relação a documentários da sua produtora, a Midas.
A sub-directora da RTP 2 respondeu de forma igualmente directa: "Abaixo de uma determinada linha de água a ‘porcaria' da RTP [numa referência irónica às críticas que acabara de ouvir] acaba, fecham-na. Isso já fez parte da agenda de um Governo PSD. Há uma coisa que é o ‘share', abaixo dos cinco ou dos quatro por cento, acaba-se". Paula Moura Pinheiro argumentou ainda que o seu próprio programa, Câmara Clara, vai para o ar às 22h30, e garantiu que no que diz respeito à exibição de cinema português a RTP 2 está "acima do que a lei prevê".
O debate abriu com a leitura de uma carta enviada pela ministra da Cultura, na qual Gabriela Canavilhas promete uma "injecção no sector audiovisual" de cerca de 6,600 milhões no muito polémico Fundo de Investimento para o Cinema e o Audiovisual (FICA, participado pelo Estado, Zon Multimédia, RTP, SIC e TVI), "até ao final do primeiro semestre" (o FICA tem estado paralisado por problemas de gestão).
Canavilhas diz também que "o modelo de receita [para apoio ao cinema] assente na taxa de exibição [de publicidade nos canais televisivos] está esgotado" e que é preciso criar "um modelo que permita um aumento efectivo de receitas". E refere a necessidade de "imposição de um maior nível de exigência junto da RTP".
Em relação ao FICA, as críticas na sala foram generalizadas - Pedro Borges, por exemplo, sublinhou a perversidade do sistema, dizendo que "a TVI meteu lá 1,6 milhões e sacou 2,5 milhões para [financiar a série] ‘Equador'".
Para Luís Urbano, da produtora O Som e a Fúria, o FICA "foi uma experiência completamente aventureira", até porque "o dinheiro já foi para as mãos de quem não devia ter ido". Defendeu, por isso, o encerramento do fundo e um plano para a atribuição das verbas que ainda estão retidas nele. Para Urbano, o financiamento do cinema "tem que estar sedeado no Instituto do Cinema e do Audiovisual [ICA]".
A deputada socialista Inês de Medeiros lançou algumas propostas concretas para tentar resolver aquele que todos identificam como o principal problema do cinema português: a falta de dinheiro. A discussão centrou-se na diversificação das fontes de financiamento e Medeiros defendeu a necessidade de taxar "as novas plataformas onde a publicidade [que saiu das televisões] se foi instalar"; de manter, através do FICA ou de outro modelo, a obrigação das televisões privadas financiarem o audiovisual; e de introduzir "quotas reais" para todas as televisões exibirem cinema.
O panorama do cinema português actualmente é desolador, concordaram os realizadores e produtores presentes. "Rejeito liminarmente ser uma espécie de bandeira de uma geração bem sucedida. Essa geração não existe", disse João Salaviza, que com o filme "Arena" ganhou a Palma de Ouro para curta-metragem no Festival de Cannes no ano passado. "O espaço para essa geração que se tem anunciado é muito reduzido. O dinheiro existe, mas é mal distribuído. Gasta-se um milhão com filmes que não vão além de Badajoz".
Quanto à dependência do cinema da taxa da publicidade, Salaviza interroga-se: "Porque é que o dinheiro não vem do orçamento de Estado?". Mas Luís Urbano alerta para o perigo de se "condicionar a produção a formatos". "Como produtor não posso estar dependente de um ministro aventureiro como foi o anterior [José António Pinto Ribeiro]", disse.
"Que medidas para a internacionalização do cinema português?", fora a primeira questão lançada para debate. Mas rapidamente todos disseram que, perante a gravidade da situação geral do cinema, essa era uma questão secundária - "uma ultra-falsa questão", segundo Pedro Costa, sublinhando que o seu último filme, "Ne Change Rien", "fez três mil espectadores em Portugal e vai fazer o triplo no Japão."
"O problema não é a internacionalização. É a nacionalização", concordou Fernando Vendrell. "Cineastas que encontrei em festivais internacionais não percebiam porque é que os meus filmes não estreavam no meu próprio país". Se houvesse uma alteração da quota de exibição, defendeu, isso significaria automaticamente maior produção. "Seria preciso fazermos entre 25 e 40 longas-metragens anualmente para termos uma quota razoável".
in Público | Alexandra Prado Coelho
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