quinta-feira, abril 15, 2010

O Espelho

É (ainda) no crescente assombro e admiração que, cada vez mais, vou tendo por Tarkovsky – esse grande cirurgião, capaz de operar a mais agreste visão –, que estou a digerir, calma e prazerosamente, a sua obra-prima, O Espelho. Deverá ser, provavelmente, o seu trabalho mais auto-biográfico e intimista e, como consequência, o mais complexo e inacessível. Valorizando a intersubjectividade das experiências pessoais, decorridas do pequeno ou mais englobante meio, este é um filme que nos exibe, em completa nostalgia e perfeita composição estilística, a mãe, o pai e os filhos; a guerra; as vitórias e derrotas de simples seres humanos que se unem e desunem pela morte; o amor pelo homem, pelo mundo e pela memória; o medo da despersonalização e do apercebimento de uma constante solidão; a percepção da realidade física e da subsequente aparência; a introspecção, materializada pelo mistério incansável do espelho da alma; o sonho e o seu carácter de verdade; a passagem irredutível de um tempo que não tardará em terminar; o desejo de imortalizar, em modo ultra-sensacionista e com o poder da imagem e do som, os mais marcantes momentos de uma existência; a rebelião – mostrada pela História de uma humanidade que gira em círculos, nervosa e contrariada, a fim de encontrar um sentido à sua vida, mostrada pela fulgurante Natureza, com os ingovernáveis, previsíveis e imutáveis manifestações de si, materializando o grito de revolta para uma generalizada indiferença do homem pelas coisas verdadeiramente sinceras e orgânicas. É, portanto, mais que um filme – é uma chegada a um divino atípico e pessoal, espelhado na natural transcendência da realidade, do sonho e das recordações que, aqui, nunca serão esquecidas.
10/10

11 comentários:

  1. Porque é que eu tenho o feeling que vou delirar com este realizador?

    Cumps.
    Roberto Simões
    » CINEROAD - A Estrada do Cinema «

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  2. ADOREI A TUA CURTA, SIGUR ROS ENCAIXA NA PERFEIÇÃO!
    juro, "the dreamers" adorei (no banner).
    o teu bom gosto é evidente, só por gostares de fleet foxes já és boa pessoa.

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  3. Eu também tenho a sensação que vou adorar este realizador, aliás, é só notas máximas e críticas esplendorosas a tentar fazer jus a Tarvoski, espero que não tenhas conseguido, assim, é sinal que (ainda) é melhor que as tuas palavras!


    Abraço
    Cinema as my World

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  4. Sim, é o trabalho mais autobiográfico dele. Tarkovsky foi o maior dos maiores.

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  5. Becas, muito obrigado mesmo ;)
    bj

    Roberto, porque é perfeição, pura e simplesmente! :)

    Nekas - deixaste-me agora a rir :p É claro que os filmes dele estão a milhas dos meus textos sobre eles. Devem ser (os filmes) vistos por cada um, com a disposição necessária. Aliás, necessários são os filmes de Tarkovsky, acredita.

    Álvaro, é, sim - o mais autobiográfico / o maior dos maiores.

    Abraços!

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  6. Este é um dos meus preferidos de toda a sua filmografia :D

    Boa caminhada até ao final... e não acho que vás mudar muito essas notas :p

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  7. Neuroticon, ainda não há preferidos para mim - são todos excelentes, por razões diferentes. Espero bem que o que dizes seja verdade, que goste tanto dos restantes como tenho vindo a amar ;) Este abril está a ser demais para mim eheh

    Abraço

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  8. Adoro este filme, é coisa prodigiosa, sem dúvida...
    Estou a gostar bastante de acompanhar este "Abril e Tarkovski", já agora...

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  9. João Palhares, é mesmo, sem dúvida. Obrigado, espero que continues por aqui ;)

    João, muito obrigado :) Espero que consiga manter a qualidade da análise, apesar de sentir sempre que há algo que falta ou é deixado por dizer. Se calhar é porque é mesmo. Os filmes de Tarkovsky demoram a digerir - vê-los e falar deles todos num mês só poderá resultar numa congestão cerebral eheh. Para já são todos perfeitos, mas por razões diferentes. Consigo equiparar facilmente este com o Nostalgia, por exemplo. É tudo muito relativo ;)

    Abraços!

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  10. Também vi Zerkalo há pouco tempo. Estou a digerir, mas sim é extremamente inacessível, mesmo dentro de uma beleza que não encontra par em nenhum dos outros Tarkovsky que já vi.

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  11. Sim, sem dúvida. É outro tipo de beleza, é o mundo captado com os mesmos olhos mas com uma visão diferente, se quisermos. Podemos utilizá-la e remetê-la para a nossa própria experiência pessoal, não achas? :) Quais te faltam ver de Tarkovsky?

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