quinta-feira, janeiro 08, 2009

Rohtenburg – Amor Sinistro

Butterfly


A história real aconteceu em Março de 2001, quando Armin Meiwes e Bernd Brandes, sua vítima (cúmplice?) se dirigiram para a casa do primeiro, com o objectivo de celebrarem um sádico ritual. Tinham-se conhecido na Internet, quando Meiwes colocou um anúncio a requisitar alguém disposto a servir de "menu" para ele realizar a fantasia de devorar um ser humano. Este caso insólito, que chocou o mundo pelo envolvimento de canibalismo (tema capaz de mexer com qualquer um), ganha em "Rohtenburg" honras de filme.

É usual vermos a etiqueta (preciosíssima para o marketing) "baseado em factos reais" nos cartazes de muitos filmes do género. "Rohtenburg - Amor Sinistro" seria, à partida, mais um a tentar o lucro fácil de um caso polémico, mas é com agradável surpresa que constatamos que o objectivo dos seus mentores foi não somente fazer um filme de terror, mas sim relatar, divulgar e analisar o acontecimento em que se baseia.

"Amor a quê, ou a quem?" é uma pergunta a que o filme procura responder. Falado em inglês (pormenor que facilita a sua exportação e permite a inclusão de Keri Russell -"Mission Impossible 3"- no elenco), "Rohtenburg" divide-se em dois segmentos: o primeiro explora, por meio de flashbacks, o passado dos homens envolvidos (aqui, ambos têm nomes fictícios), até à noite em que se encontram; o segundo centra-se na personagem de Katie Armstrong, estudante universitária a elaborar uma tese acerca do caso. Embora o filme pudesse acontecer sem Katie, a verdade é que a personagem adquire relevância devido à análise que faz das suas descobertas através dos voice-overs, e devido à sua transformação ao longo do filme (desde aquela conversa com os dois amigos, no princípio, em que não parece muito à vontade em revelar o que planeia fazer, até à excelente cena final), simbolizando a curiosidade humana, a nossa vontade de descobrir a verdade, e respectivas consequências.

É a personagem com quem o espectador se identifica, uma vez que a história pessoal de Oliver Hartwin (correspondente a Armin Meiwes) e do cúmplice nos é apresentada à medida que ela avança na investigação. O que não quer dizer que os dois envolvidos sejam retratados de forma plana: não, o filme humaniza-os, atribui-lhes um passado (apesar da sua veracidade poder ser questionada), e tenta fazer-nos compreender o que os levou a procurar aquela solução. E não deixa de ser irónico que Meiwes tenha tentado impedir a distribuição do filme nos E.U.A. e na Alemanha, alegando que a fita o "estigmatizava como sendo um bárbaro assassino", quando o filme faz exactamente o oposto, ao incluir no argumento um encontro entre Hartwin e outro homem que respondera ao seu anúncio, e em que Hartwin desiste da ideia quando o cúmplice, já embalado e à sua mercê, lhe diz que é incapaz de continuar. O que nos leva à seguinte questão (e ao porquê de eu utilizar mais vezes a palavra "cúmplice" do que "vítima"): será Simon (correspondente a Bernd Brandes) uma vítima no verdadeiro sentido da palavra, uma vez que se disponibiliza, de livre vontade, a ser morto e a servir de alimento a Hartwin? E quanto a Hartwin? Pode ser considerado um verdadeiro assassino, dado que contou com a colaboração de Simon?

No final, o "Rohtenburg" acaba por ser uma história de amor retorcido, e uma experiência difícil. O filme não tem muito gore (para isso, aparentemente existe outro, "Cannibal", baseado na mesma história), mas a simples sugestão, em algumas cenas, chegou a perturbar-me mais do que a tortura explícita dos "Hostel" ou "Saw". A realização é boa, mas é a fotografia (em que predominam os tons cinzentos e castanhos) que se destaca, criando uma ambiência opressiva e deprimente ao longo de toda a projecção. Quanto à prestação dos actores, Keri Russell faz um trabalho competente, mas o "show-stealer" é mesmo Thomas Kretschmann ("King Kong"; "Wanted"), na sua composição de Oliver Hartwin, capaz de criar, até certo ponto, uma empatia com o espectador e de humanizar a figura do canibal.

Os que forem à procura de um filme de terror ou tortura poderão acabar desiludidos com o pouco tempo atribuído à cena final (em que realmente acontece "alguma coisa"), ou surpreendidos pela vertente dramática das cenas que levam aí. De qualquer das formas, não deixa de ser um esforço bem conseguido de mergulhar na mente do assassino e da vítima, e um filme que merece ser visto por qualquer interessado no acontecimento.

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