domingo, janeiro 18, 2009

:Diarios de Motocicleta - Diários de Che Guevara

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Baseado nos registos deixados pelo próprio Che Guevara, o brasileiro Walter Salles traz-nos uma aventura inesquecível e magnífica de uma das figuras mais marcantes da História contemporânea que, ao atravessar metade da coluna latina da América do Sul acompanhado pelo melhor amigo, encontra o seu novo eu interior, conseguindo as bases suficientes para conceber os ideais políticos e revolucionários de que é eternamente conhecido.
Viajamos para Janeiro de 1952, onde dois amigos, Alberto, um bioquímico, e Ernesto, um estudante de Medicina, decidem percorrer oito mil quilómetros, num prazo limite de quatro meses (que não é, como imaginarão, cumprido), desde Buenos Aires até a península de Guajira, na Venezuela, na “Poderosa”, uma mota emblemática e velha. Depois de partirem da sua terra-natal, os dois iniciam uma jornada divertida, com altos e baixos despreocupados, cursando por entre paisagens naturais de uma beleza rara, retratada na perfeição com um cuidado estético na fotografia bem visível. Porém, após a visita da namorada de Ernesto, e depois de a mota morrer, o cenário torna-se mais cinzento, o ambiente adensa-se e a consciência de que não estão num mar de rosas social é tida em consideração, ao conhecerem uma série de grupos, culturas e problemas questionáveis, que farão do estudante uma nova pessoa, mais lutadora e íntegra. Chegamos a sentir o peso de tal descoberta com as inúmeras fotografias movimentadas a preto e branco que vão, de vez em quando, surgindo no ecrã: e a sequência final é um excelente modelo. Os seus monólogos meditativos, transpostos em voz off, são do melhor que o argumento pode dar (não pensem que todo o resto da história não vale a pena!): talvez por serem os escritos de Guevara, talvez por reflectirem a condição humana de forma genérica, ou talvez ambas. A verdade é que são de tal forma poderosos que nos sentimentos com vontade de largar tudo e partir para a estrada, deixando tudo para trás: e a fita mostra mesmo a razoabilidade desta decisão.
García Bernal está belíssimo como Ernesto “Che” Guevara, humanizando-o com uma feição real e honesta, sem demonstrar as ideias políticas e subversivas com exageros, escapando todo o argumento de um carácter político que muito provavelmente seguiria não fosse a existência de outros filmes que se concentraram nesse aspecto, dando-nos o actor uma interpretação verosímil e talentosa, das melhores de toda a sua carreira (note-se o ano do lançamento da película, o mesmo da estreia de “Má Educação”, de Pedro Almodóvar, onde nos apresenta um brilhante trabalho, merecedor de todos os prémios recebidos). Já Rodrigo de la Serna tem um desempenho competente, apesar de não equitativo.
O que de tão inspirador tem o “Diários”, para além de toda a audácia dos protagonistas que é transportada para uma obra de ficção (como acontece, mais ou menos, com “O Lado Selvagem”, de Sean Penn, mas de forma claramente menos solitária) é o facto de podermos ver, num panorama tão geral quanto específico, os resultados que pequenas mas poderosas acções vindas de dois corajosos amigos podem provocar em maiores grupos de pessoas onde, inicialmente, para todos eles, a fé afigurava-se como algo de já perdido. O filme é muito mais do que um road movie vulgar pela América do Sul; é um retrato histórico em tempos de pré-revolução que todos deveriam ver, e que reacende novas e universais perspectivas sobre o poder da amizade, do amor, da justiça e, principalmente, sobre o poder de acreditar que ainda é possível trazer um olhar de mudança para os desprotegidos e um grito de esperança para os mais silenciosos.
9/10

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