Troncos nus, pernas que se cruzam e pés apoiados lateralmente sobre o metatarso. Eis o que podemos descobrir entre as imagens de La Table aux Chiens, documentário que foi ontem exibido às 19h15 na sala 3 do Cinema São Jorge. Uma síntese curiosa que nos demonstra o principal objetivo do projeto de Cédric Martinelli e Julien Touati: desconstruir o corpo masculino e dar-lhe uma dimensão quase alienígena, como se o espectador fosse um astronauta acabado de aterrar num planeta desconhecido com vida.
O foco do olhar dos dois realizadores está portanto no movimento do corpo, mais precisamente no kathakali, dança tradicional do norte da Índia que se cruza com a performance e que nos atrai pela riqueza dos gestos e da caracterização das personagens. Em cada deslocação e cada olhar notamos que há sempre um pensamento e uma ordem. E é sobre a preparação do resultado final que La Table aux Chiens quer incidir.
O treino na escola do kathakali é intensivo e leva os alunos ao limite do seu esforço. Entre os indianos há dois intrusos: a câmara, que olha para os corpos com uma certa carga de erotismo (o que provavelmente justifica a sua presença no Queer Lisboa 16), e o corealizador Julien Touati, que se integra perfeitamente nas aulas. No final, o resultado é uma experiência transcendental em que a espetacularidade da dança se impõe sobre as imagens da preparação antes vistas.
Valerá a pena, portanto, descobrir esta média-metragem (a duração é apenas de 40 minutos) que segue as mais recentes tendências do cinema documental contemporâneo: cada vez mais calado e mais preocupado em expressar o seu discurso sobre um tema apenas através das imagens e da sua montagem.
Este texto foi publicado originalmente no Diário de Notícias (23 de setembro de 2012)
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