segunda-feira, julho 04, 2011

5 perguntas (i): Diogo Figueira

Diogo Figueira, autor do blogue de cinema A Gente Não Vê, abre a rubrica semanal 5 perguntas, que confrontará vários convidados com uma série diferente de questões sobre a sua relação com o cinema. Muito obrigado, Diogo, pela tua colaboração - e apelo aos leitores que visitem o seu espaço.

★★★★★

1. O melhor filme português?

Há vários recantos que me falta explorar e teria mais para falar se a questão fosse invertida. De qualquer forma, os dois filmes portugueses que, até hoje, mais prazer me deram ver são de tal maneira diferentes, em conteúdo e forma, que não poderei deixar de nomear os dois: "Recordações da Casa Amarela", de João César Monteiro, e o recente "José e Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes. O primeiro pela sua causticidade, pela subtileza do diálogo através do subtexto, aforismo de mestria da escrita para cinema, que tão bem praticam os grandes escritores internacionais e que nunca tinha visto ser feito por cá, ou tão bem. Ainda pela personagem de João de Deus, na qual vejo a personalidade mais marcante do cinema português, muito daquilo que nos falta, personagens capazes de entrar numa lista portuguesa de personagens memoráveis. Enfim, pelo tom irónico e satírico que o filme pratica, que adequadamente ou não, mas pelo menos curiosamente, me faz lembrar a escrita de José Saramago (apesar de não ser uma parábola). O meu único problema com o filme é o ritmo. O segundo, pela sensibilidade, pela beleza do pormenor, pela genialidade das reflexões, pela subtileza e encaixe perfeito dos momentos captados, pelo perfeccionismo da câmara e da montagem que fazem do filme não um fic-doc (como é The Hurt Locker ou Close Up) mas sim um doc-fic, forjando dali dois personagens igualmente memoráveis, que nos atingem com a dimensão mística da ficção, do ideal. Já admirava Saramago, enquanto escritor, e foi muito bom ficar a conhecê-lo longe do sensacionalismo da imprensa.

2. Interdição ou legalização do descarregamento gratuito de filmes na internet?

Legalização, com limites. A favor da interdição há as óbvias questões do lucro, dos direitos autorais, etc. Mas a favor da legalização está o factor mais forte de todos: a publicidade. Se eu não conhecer o trabalho do Iñarritu e puder descarregar o 21 Grams ou o Babel, gostando, a probabilidade de querer ir ver Biutiful será muito maior. Tenho ouvido, por diversas vezes, vozes que, ao combinar ir ao cinema, apelidam "Tree of Life" de "seca". Não fazem a mínima ideia do que estão a falar. Não sabem de que trata o filme, não sabem que é Malick (então este), nada. Mas se virem The New World ou The Thin Red Line, aí as coisas poderão mudar de figura. Actualmente, é financeiramente incomportável para qualquer mínimo assíduo de filmes ir ao cinema ver tudo o que quer. Portanto, as escolhas serão sempre feitas. O que sugeriria era que fosse legalizado o download de filmes cuja estreia no país em questão tivesse sido há mais de um ano. Ou isto ou algo nestes termos. Assim, sempre que um filme sai, existe um período médio em que não pode ser descarregado, mas, a partir daí, não haveria problema - e o seu download poderia fazer certas pessoas ir ver o próximo filme do realizador/argumentista/actor em sala. Repare-se, as pessoas têm sempre de fazer opções. Aqui, apenas 1) se ajuda a tomar a opção (contribuindo, eventualmente, para um enriquecimento do conhecimento cinematográfico da população); 2) contorna-se o inevitável, já que a pirataria é, a meu ver, inexterminável. Surge a questão da venda dos DVDs. Os DVDs que se vendem agora continuar-se-ião a vender na altura porque os motivos para comprar um DVD não são a necessidade de ver o filme mas sim a vontade de ter o sentimento de posse sobre aquele objecto (seja que razão for).

3. Que filme viu mais vezes em sala?

Felizmente, um dos meus favoritos, There Will Be Blood. Duas vezes. Não há outro filme, segundo me lembro, que tenha visto duas vezes em sala, ainda. Em DVD, vence também There Will Be Blood e em VHS ou The Lion King ou The Jungle Book.

4. Digital ou película?

Nem um nem outro; ambos. A película certamente que tem as suas vantagens sobre o digital ou não seria advogada por mestres como Paul Thomas Anderson (e conheces o respeito e veneração que tenho por ele) ou Wally Pfister (ganhou até um Óscar na passada edição dos prémios). Por outro lado, o digital certamente que também comportará as suas, ou não seria advogado por mestres como David Fincher (a belíssima fotografia de The Social Network ou Benjamin Button, ambos nomeados para o Óscar) ou Roger Deakins (estreou-se em digital depois de True Grit e adorou). Eu acho que em última análise o que deve ditar a questão é o orçamento. Se há pouco dinheiro, faça-se em digital. Se há muito dinheiro e somos o Christopher Nolan, faça-se em película. De qualquer forma, acho que o segundo tenderá a desaparecer e acontecerá sem os maremotos de lamentos histéricos que muitos proclamam, com pouco conhecimento de causa já que, como se vê, o digital pode dar uma grande fotografia. Última nota, a película é mesmo, mesmo cara. É uma monstruosidade. E os cineastas portugueses teimam em não aceitar isso.

5. O filme que mais anseia que estreie?

Sem hesitar, os dois de Paul Thomas Anderson: The Master, já em rodagem, e Inherent Vice, em processo de escrita (ainda por cima já li o livro). Depois, Django Unchained, de Tarantino, Midnight in Paris, de Woody Allen (em terras lusitanas), entre muitos outros. O eterno não-concretizado Napoleão, de Kubrick, vale? Bom, agora resta-me esperar para que realmente nunca seja feito.

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