Chegou como o filme mais aguardado do ano - a ansiedade evidente para ver "o Mestre" (o filme e Paul Thomas Anderson) expressava-se na fila que, meia hora antes da sessão das 22h00 do cinema Monumental, se alongava pelas escadas abaixo. Por fim, o filme - uma cópia a 35mm, perto talvez da experiência dos 70mm sentida pelos espectadores na Sala Grande do Palazzo del Cinema por altura do Festival de Veneza (de onde saiu como o vencedor "justo" - não venceu o Leão de Ouro, mas o prémio de melhor ator e de realização). Chega-nos a Portugal e a sensação de privilégio sentiu-se em todo o seu exagero: afinal, estávamos a falar de uma antestreia (o filme só é lançado nos cinemas a 17 de janeiro) e estávamos, sobretudo, a falar de Paul Thomas Anderson, autor de Haverá Sangue (2007) ou Magnólia (1999), que refundaram as esperanças de um certo público europeu no grande cinema norte-americano.
No final, a desilusão. Houve uma certa necessidade (estranha) de condescendência quanto a um objeto tão ambicioso quanto a sua superficialidade. De facto, este filme, que nos situa nos EUA dos anos 50 (os EUA do pós-guerra mas também da renovação individual) e no interior de uma seita religiosa, a Causa, liderada pela personagem de Philip Seymour Hoffman, parece viver numa tensão paradoxal - por um lado quer viajar para um território completamente diferente e alienígena, mas, por outro, limita-se a querer explicar tudo e mais alguma coisa, a querer que tudo seja perceptível - até a "estranheza" (provocada pelo desalinhamento coreografado dos atores ou pela música hipnótica de Jonny Greenwood). Quase nada aqui é misterioso ou imprevisível - sentimos o grande jogo de xadrez de P. T. Anderson, o jogo em que ele, como Deus, "domestica" todas as suas personagens. Como a Causa.
A presença dos atores é, contudo, excecional - e quando falamos em atores falamos "no" ator, Joaquin Phoenix, força da natureza que se entrega em toda a sua fúria de viver. Mas Anderson tem mais de ganância do que essa "fúria", instrumentaliza Phoenix no sentido absoluto da história (cada gesto parece estar acompanhado por uma reiteração: numa estalada de Phoenix ao filho de Hoffman sentimos Anderson a dizer-nos "eis o início de todas as guerras, eis o conflito do homem motivado sempre pela religião").
Instrumentaliza também os restantes atores transparecendo a sua busca desenfreada pela imagem perfeita (esta ambição tem tudo de kubrickiano, o que é tão bom como perigoso). Dessa procura nascem imagens de uma beleza e intensidade perturbantes (que dizer da fotografia de Mihai Malaimare Jr.? que dizer daquela meia hora inicial? e daquela viagem no mar que se inicia com um plano de cortar a respiração, o do barco que se despede de nós com a enorme bandeira dos EUA como se nos introduzisse um sonho? simplesmente que tudo isto se inscreve nos melhores momentos do recente cinema contemporâneo). Mas não tão intensas como, por exemplo, o filme que faz o maior raccord (em ambição, temas e personagens) com The Master - chama-se Haverá Sangue e ainda hoje permanece potente na sua sensualidade e mistério.
Em The Master, todos as sequências que abrem o filme - até a metade da sua duração - parecem preparar-nos para uma catarse, libidinosa como a personalidade do protagonista. Mas o que nos chega parece um teatro de fantoches (como, repito, a Causa), preparado para esquecer as possibilidades do drama (aliás, o segmento que nos relembra da rapariga que Phoenix ama parece estar imbricada no épico).
Para o bem ou para mal este filme prova-nos que até os grandes realizadores podem cair. Da necessidade em nos mostrar como o homem se transfigura perante a possibilidade do absoluto, da imortalidade e do invisível chegou apenas a demonstração desse gesto e do poder da manipulação.
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