1. O filme abre, misteriosa e sedutormente, com uma série de fotografias dos estudos de Etienne-Jules Marey (1830-1904) do movimento do corpo humano – como se Holy Motors confiasse num espectador idealmente virgem que contempla a imagem em movimento como um milagre divino, ainda possível na idade do digital (com que o filme é, de resto, filmado).
2. Será possível ainda acreditar no cinema? Isto é: como é que podemos aceitar aquilo que é mentiroso, que pretende ser imersivo e que nos toma como ingénuos? Holy Motors é um filme que nos faz distanciar do planeta Terra – ao mesmo tempo, sustenta-se num trabalho preciso sobre a emoção e a fragilidade da nossa identidade.
3. Um filme são vários filmes, como um espectador também são vários espectadores. Carax parece dar-nos a oportunidade única de vermos a vida como uma “experiência”, uma experiência que é para além do mais transfiguradora, como se vivêssemos várias vezes e a morte fosse um local de passagem. Buda? Não – cinema. Porque essa possibilidade parece residir apenas num espaço secreto: o interior do filme. Na primeira cena, Carax acorda (nasce perante nós) e dirige-se para outra alucinação: uma sala de cinema, deslumbrantemente fotografada.
4. Griffith e Godard; Méliès e Pixar; Etienne-Jules Marey e Avatar – não é que Holy Motors seja propriamente uma síntese da História do Cinema, mas a verdade é que me sinto completamente comovido perante a possibilidade de Carax ter podido restaurar (relembrar) o seu poder, dirigindo-o para o futuro.
5. Por fim, e não terminando (nunca terminando), o filme pode ser um local de encontro (connosco e com o nosso passado), mas também de esquecimento – de “quem éramos nós / quando éramos / quem nós éramos / na altura” (como canta Kylie Minogue no momento de melodrama musical).
para mim ainda me parece impossível escrever sobre o filme. sintetizaste o relevante (o fundamental) do filme. Não diria melhor. parabéns por conseguires traduzir por palavras aquilo que nem se tinha definido no meu pensamento!
ResponderEliminarInteressante perspectiva, a qual faz-me pensar mais que o próprio filme.
ResponderEliminarMas sim, está claro neste HOLY MOTORS o desejo de encetar numa análise profunda mas irreverente do estado actual da Sétima Arte.
Cumps cinéfilos.