De forma a coincidir com o mês da estreia do aguardado Enter the Void – Viagem Alucinante, pedi a alguns colegas e bloggers cinéfilos que elegessem “a” cena do cinema de Gaspar Noé, ou noutros termos: a cena que mais admiram em toda a sua filmografia. Carlos Pereira, um dos realizadores do documentário Um Filme Português (2011) e estudante de cinema em Barcelona, respondeu ao desafio. Muito obrigado, Carlos, pela tua colaboração.
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Gaspar Noé parece acreditar que a violência da vida se define em relação direta com a violência da mortalidade. Em “Enter the void”, tal como acontecia em “Irreversível”, o corpo é apenas um veículo da alma: meio de transporte sujo, desorientado, influenciável e condenado. Não é por acaso que o ponto de vista de “Enter the void” não é o de Oscar, o seu protagonista, mas o da sua alma. A câmara de Noé começa num absoluto ponto de vista subjetivo para, mais tarde, deambular enquanto energia numa cidade de Tóquio vista do céu.
Como filmar a morte? Para Noé, a morte é sempre algo de inesperado, abrupto, que não oferece quaisquer hipóteses de redenção. Daí que a última imagem vista pelos olhos de Oscar após ser alvejado seja tão fascinante: a sua última visão da vida é um confronto com o seu próprio sangue, com a sua efémera materialidade. A viagem começa aí, com uma potência espiritual que se vai perdendo e encontrando no singular espaço das memórias afectivas. Sem coordenadas geográficas, o lugar da reminiscência transforma-se na única prova da irredutibilidade humana.
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