Na recente visita ao BFI (British Film Institute), em Londres, descobri um livro chamado Time Within Time (ao lado), que é a compilação de nada menos que… os diários de Andrei Tarkovsky, escritos entre 1970 a 1986 (ano da sua morte)! Traduzido do russo por Kitty Hunter-Blair (que, como a própria indica numa nota inicial, já tinha tido a oportunidade de traduzir, entre 85-86, o seu livro Esculpir o Tempo), os diários do realizador soviético reúnem desde reflexões sobre a arte e descrições sobre o processo de pré-produção e rodagem dos seus filmes a relatos confessionais sobre as personagens da sua vida e família e listas de compras e de coisas a não esquecer.
Entre as inúmeras curiosidades, descobrimos que Tarkovsky era, sobretudo, alguém com fome de filmar sempre que pudesse mas que, por circunstâncias que lhe eram exteriores (o relato da rodagem de Solaris é particularmente doloroso), nunca pôde criar mais que as sete longas-metragens que conhecemos da sua autoria. “Num bom período de tempo poderia ter chegado a ser milionário. Ao fazer dois filmes por ano desde 1960 poderia ter feito já 20 filmes… Mas não há hipótese com os nossos idiotas”, confessava numa entrada escrita a 7 de setembro de 1970.
Para não se esquecer e comprovar a sua energia, o realizador registava ideias para inúmeros projetos futuros. Algumas ideias são quase indecifráveis (sendo que Tarkovsky apontava por vezes títulos com ideias que guardava para si). Traduzi alguns títulos para português (quando as obras em que se baseia estão disponíveis em língua portuguesa), outros deixei com a designação traduzida por Hunter-Blair:
- Kagol (sobre o secretário pessoal de Adolf Hitler, Martin Bormann);
- Physicist — dictator (diferentes versões);
- The House with a Tower;
- Echo Calls;
- Deserters;
- José e os seus Irmãos (adaptação do romance de Thomas Mann);
- Matryona’s House (adaptação do conto de Aleksandr Solzhenitsyn);
- Dostoiévski (Tarkovsky, que considerava que este filme poderia ser a síntese “de tudo aquilo que quero fazer em cinema”, confrontava-se com o dilema de adaptar os livros do escritor russo, como O Idiota – que chega a planear e a pensar fazê-lo em sete partes para televisão –, O Adolescente ou Crime e Castigo, ou de realizar um filme sobre o próprio criador);
- Joana d’Arc, 1970 (depois viria a registar de novo a ideia com o título Nova Joana d’Arc e, também mais tarde, retomou a ideia como “o último dia de Joana d’Arc”);
- A Peste (adaptação do romance de Albert Camus);
- Two Saw the Fox;
- The Last Hunting Trip ou The Clash (argumento);
- Catastrophe (argumento);
- The Waiting Room;
- Ariel (que também intitulou de The Flying Man e de The Renunciation, argumento que Tarkovsky chegou a co-escrever com Fridrikh Gorenshtein, baseado no romance de ficção científica de Alexander Beliaev, e que nunca viu a luz do dia. “Poderá ser um filme enorme e tradicional com uma inclinação anti-intelectual e com um final grandioso”, escreveu a 8 de maio de 1972);
- Thomas Mann (Tarkovsky voltou a viver um dilema semelhante ao do projeto Dostoiévski, dando a entender, pelo título com o nome do escritor, que gostava de realizar um filme sobre Mann. Contudo, há com mais frequência notas sobre adaptar para cinema Doutor Fausto, o seu livro estrangeiro preferido, cuja produção seria discutida com a então República Federal da Alemanha)
- A Morte de Ivan Ilitch (adaptação do conto homónimo de Lev Tolstoi, que era para si o seu livro russo preferido, a par de Crime e Castigo, de Dostoiévski);
- The Horde;
- Hamlet (versão para cinema do texto de Shakespeare, já que tinha já encenado a peça em 1977);
- Hoffmanniana (Tarkovsky chegou a escrever um argumento com este título baseado na vida e obra do escritor alemão E. T. A. Hoffmann, e que nunca viria a ser filmado).
Fica apenas como nota, caso haja interesse:
ResponderEliminarEmbora esta edição da Faber & Faber - que aliás é, também, a única que possuo - não desiluda, julgo ser consensual que a edição francesa é, actualmente, a mais completa.
Journal 1970-1986. (Édition définitive)
Traduit du russe par Anne Kichilov
avec la collaboration de Charles H. de Brantes.
Publ. Paris, Éditions de l'Étoile - Cahiers du Cinéma, 05/2005. 600 pages.
ISBN 2-86642-373-9
Obrigado pela indicação, Hugo. Um abraço.
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