quarta-feira, julho 13, 2011

Que futuro para o 3D?


Apresentada como novidade de tempos a tempos ao longo da história do cinema, a tecnologia 3D tem despertado dúvidas quanto à sua eficácia artística e comercial. Este artigo foi originalmente publicado no dia 9 de Julho de 2011 na revista Notícias Sábado, que integra o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias.
Anunciando o 3D como a salvação em tempos de crise, a indústria do cinema prepara-se para lançar, já para o próximo ano, novos títulos adequados a esta tecnologia. Contudo, numa altura em que “Carros 2” estreia nas salas de cinema portugueses, reparamos que o mercado tem assistido, pela primeira vez desde a revitalização da imagem tridimensional no grande ecrã, a uma quebra de receitas sobre os filmes 3D e a um regresso de atenções sobre o 2D por parte do grande público.

Apesar do crescimento revelado na produção a três dimensões, vários profissionais do sector têm feito diversas apreciações negativas à imagem cinematográfica estereoscópica. O crítico de cinema João Lopes afirma que “o fenómeno 3D não pode ser visto como um facto isolado. É mesmo o cume de um enorme iceberg, ou seja, a complexa conversão das salas para o sistema digital de projecção. Infelizmente, tal fenómeno nem sempre foi acompanhado de um grau de exigência criativa compatível com as potencialidades tecnológicas. Jeffrey Katzenberg, personalidade chave de Hollywood (director do sector de animação da DreamWorks), já chamou a atenção para a frustração que começa a assaltar os espectadores: não será possível fazer triunfar o 3D se os filmes se parecerem com vulgares filmes 2D, mais ou menos ‘engalanados’ com o 3D.”

O caso de “Harry Potter e os Talismãs da Morte: Parte 2”, a estrear no próximo dia 14 de Julho, ilustra também as críticas que muitos profissionais de cinema têm feito ao 3D. O último capítulo da adaptação dos livros de J. K. Rowling foi filmado em 2D e, posteriormente, em pós-produção, convertido para 3D, enquanto filmes como “Avatar” foram pensados de raiz para estrearem sob essa tecnologia.

Apesar de tudo, Christopher Nolan, realizador norte-americano responsável por “A Origem”, considera desacertada a discussão “do 3D versus o 2D”, na medida em que “a génese da imagem cinematográfica é a sua tridimensionalidade” proporcionada pela noção “de profundidade de campo”, como afirmou ao LA Times. O realizador afirma ainda, que “as câmaras digitais necessárias não oferecem a suficiente qualidade de imagem”.

Apesar de estarem anunciadas cerca de duas dezenas de produções em 3D, segundo o jornal The New York Times, o quarto episódio de “Os Piratas das Caraíbas” e a sequela de “O Panda do Kung Fu” (ambos lançados nas versões 2D e 3D) tiveram, pela primeira vez desde “Avatar”, resultados de bilheteira aquém do que era esperado, vendendo 47% e 45% (respectivamente) dos bilhetes que se dirigiam a sessões usando este formato.

João Lopes considera que “a carreira do último "Piratas das Caraíbas" deixou os decisores da indústria inevitavelmente inquietos: pela primeira vez, houve mais espectadores a escolher ver o filme, não em 3D, mas em salas com cópias tradicionais. Daí a imensa expectativa que envolve o lançamento, no último trimestre de 2011, dos novos filmes a três dimensões assinados por Steven Spielberg ("As Aventuras de Tintin") e Martin Scorsese ("Hugo Cabret"): está em jogo, não apenas a eficácia comercial do 3D, mas também a sua dignidade artística.”

O fenómeno do 3D precede em muito o mediático lançamento de “Avatar”, de James Cameron. Obriga-nos mesmo a retroceder aos primórdios do cinema. As primeiras experiências com a tecnologia 3D em filme remontam ao início do século XX, entre grandes dúvidas e debates, apontando os irmãos Lumière como pioneiros na sua utilização. Em 1903, criaram “L’Arrivée du Train”, um pedaço de filme estereoscópico que apenas poderia ser visto por uma pessoa de cada vez. A primeira projecção pública foi, porém, feita no dia 10 de Junho de 1915, quando Edwin S. Porter e William E. Waddell apresentaram em Nova Iorque segmentos de “Jim the Penman” (que posteriormente foi exibido sem essa tecnologia) e de imagens captadas das Cataratas do Niagara.

1922 é o ano em que se assinala a estreia da primeira longa-metragem filmada em 3D, “The Power of Love”. Era então utilizado um tipo de processo onde se juntavam os filtros vermelho (no olho esquerdo) e ciano (direito) nos óculos especificados para se ver a imagem formatada e se ter a ilusão da estereoscopia. Até 1951 foram criados cerca de 30 filmes em 3D, sendo que “Robinson Cruzo” foi o primeiro título da URSS do género (mas utilizando óculos com lentes polarizadas).

O verdadeiro boom ocorre pouco depois, em 1952, com “Bwana Devil”, filme dirigido para o grande público a utilizar o processo Polaroid 3D, e que inaugura aquilo que alguns consideram ser a era dourada da produção cinematográfica neste formato. Cerca de 80 títulos foram realizados até a estreia de “Revenge of the Creature” (1953), filme que encerra a época de maior atenção a esta tecnologia. Os anos 50 revelam, por isso, uma descida bastante acentuada na preferência do 3D, sendo que os produtores e exibidores deixaram de acreditar no seu sucesso.

A partir dos anos 70 e, sobretudo, ao longo dos anos 80, assistiu-se a um novo crescimento dos filmes estereoscópicos, com o objectivo de impressionar o público ao serem também utilizados dois projectores de 70mm ao mesmo tempo. No entanto, as falhas que se apresentaram relativas à união das imagens trouxeram uma má reputação para o 3D, cujo aproveitamento terminou no princípio dos anos 90.

Entretanto, a evolução da tecnologia e o desenvolvimento da ilusão de tridimensionalidade permitiu que, a partir de 2003, se pudesse ver um novo renascimento do 3D. “Fantasmas do Abismo”, realizado por James Cameron, o primeiro filme da Disney da espécie, foi também pioneiro ao ser a primeira longa-metragem lançada em IMAX filmada em digital e não em película. A mesma câmara foi utilizada para filmar “Spy Kids 3-D: Game Over”, no mesmo ano. Enquanto as salas iam sendo convertidas para poderem projectar em digital, o 3D adequava-se às possibilidades da pós-produção, permitindo que filmes como “Polar Express” (2004), “U2 3D” (2007) ou “Avatar” (filme de 2009 que é considerado como o responsável pelo ressurgimento do 3D) pudessem estrear nas salas de cinema.

Entretanto estão já previstos o relançamento em 3D nas salas de cinema de “Titanic” (1997) no dia 6 de Abril de 2012 (data que assinala os 100 anos da primeira e única viagem do navio); a estreia do filme de animação da Disney e da Pixar “Brave” com data prevista para 22 de Junho de 2012; e a prequela de “O Senhor dos Anéis”, “O Hobbit”, a ser lançada em duas partes em Dezembro de 2012 e 2013.

Para além das produções norte-americanas, também Portugal assistirá à estreia da primeira produção nacional feita a três dimensões. Realizado por Telmo Martins (autor de “Um Funeral à Chuva” e de duas curtas-metragens feitas em 3D), “Ground Zero” tem estreia prevista para o próximo ano, e anuncia-se como “a primeira longa-metragem de terror em 3D Portuguesa”.

Marcos na História do 3D


Bwana Devil (1952)
de Arch Obolor

Filme baseado na história verdadeira do drama vivido por operários em África atacados pelos leões de Tsavo (conhecidos devoradores de homens), esta foi anunciada como a primeira longa-metragem norte-americana a cores e a utilizar a tecnologia 3D, chamando a atenção do público para experimentarem ter “UM LEÃO no seu colo!” e “UMA AMANTE nos seus braços!”, segundo o poster original. Escrito, produzido e realizado por Arch Obolor, a reacção do público face à projecção da obra foi fotografada por J. R. Eyerman para a revista Life, que documenta uma forma inédita de se ser um tipo de espectador activo.


Chamada para a Morte (1954)
de Alfred Hitchcock

Vítima do desinteresse que invariavelmente o público passou a ter pelo 3D, esta longa-metragem, grande clássico da autoria de Alfred Hitchcock, foi, apesar de concebida para ser projectada em imagem estereoscópica, exibida em 2D. Thriller sobre o plano de um homem traído para assassinar a protagonista do filme (Grace Kelly), Hitchcock dá primazia ao enclausuramento dos objectos filmados no enquadramento para obter a ilusão de tridimensionalidade. O filme foi projectado em 3D em 1980 num cinema de São Francisco e, por causa do enorme sucesso comercial, relançado em 1982 pela Warner Bros.

Andy Warhol's Frankenstein (1973)
de Paul Morrissey

Realizado por Paul Morrissey, escrito em colaboração com Tonino Guerra (“Amarcord”, de Fellini) e produzido pelo inventivo e provocador Andy Warhol, este filme que alia comédia com terror, é violento e sexualmente explícito. Posteriormente conhecido como “Flesh for Frankenstein” aquando do lançamento doméstico, foi lançado em 3D, utilizando-o de uma forma incómoda (havendo estripamentos filmados para que os órgãos fossem lançados em direcção à câmara). Sátira política e simbólica, este é um exemplo do transporte da pop-art para o cinema que hoje é apreciada por grande parte da crítica.

Polar Express (2004)
de Robert Zemeckis

Filme tecnicamente inovador, “Polar Express” foi, para além de ser a primeira longa-metragem de animação apresentada em 3D e IMAX, também pioneiro ao utilizar a captação de movimentos de vários actores (como Tom Hanks) transpondo-os através de um processo digital, para personagens animadas. Escrito, produzido e realizado por Robert Zemeckis (“Regresso ao Futuro”) esta obra, nomeada para 3 Óscares, sobre um rapaz descrente na existência do Pai Natal que viaja para o Pólo Norte, revelou-se um êxito de bilheteiras e de crítica, tornando-se num dos filmes obrigatórios para se ver no Natal.

Avatar (2009)
de James Cameron

Filme impulsionador de uma nova vaga do cinema 3D, “Avatar”, escrito e realizado por James Cameron (responsável pelo blockbuster “Titanic”), utiliza, à semelhança de “Polar Express”, a técnica digital de captação de movimentos dos actores. Apontado como o maior êxito de bilheteiras da história do cinema (sem considerar a inflação), este filme, nomeado para 9 Óscares (incluindo para Melhor Filme), é também a produção cinematográfica mais cara de sempre (contando com um orçamento oficial de cerca 163 milhões de euros). Foi projectado em 3D, em 2D e no chamado “4D”, na Coreia, simulando efeitos ao longo de filme fazendo, por exemplo, tremer a cadeira em que os espectadores estavam sentados.

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