quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Manifestações de Manifestações


Estava nas minhas tão habituais andanças pela internet quando, de repente, me deparo com algo que... não sei se me chocou, mas revoltou. A minha primeira reacção foi uma gargalhada. Uma gargalhada forte, causada pelo ridículo da situação. Não vou deixar-vos mais na expectativa, vou dizer-vos de que se trata: no dia 20 de Fevereiro, em Lisboa, decorrerá uma Manifestação... não pelo Casamento e pela Família, como lá dizia, mas sim contra o Casamento e a Família, já que atinge parte dos mesmos. O ridículo começa logo no nome da iniciativa. Depois de ler o título e de perceber do que se tratava resolvi ler o manifesto. Passo a mostrar e a responder.

MANIFESTO
Quem faz a Família?
(Não há um só modelo de família. Esta pergunta é equivalente a perguntar "quem faz uma banda?". Há bandas com baterista, com guitarrista, com trompetista... outras têm um vocalista e um violinista... Depende. Uma criança e o seu avô, um homem e a sua esposa, um filho e uma mãe, um homem e o seu marido, uma senhora e a sua sobrinha cujos pais faleceram, uma mulher com um filho legítimo e outro adoptado... Um pai, uma mãe, a avó que anda de casa em casa e um filho... Ou aquele casal que não pode ter filhos mas que nem por isso deixa de se unir... Ou aquele paraplégico e a sua esposa que foi obrigada a adoptar visto que as condições do marido não o permitiam reproduzir-se. Querem mais exemplos? Há infinitas combinações... Para quê tentar um golpe de marketing baixo, uma manipulação foleira, tentando impingir que existe apenas um modelo de família?)
 
Quem educa as crianças?
(Voltamos à mesma história. Quem educa as crianças? O pai, a mãe, o avô, a avó, a tia, o tio, a mãe adoptiva, o pai adoptivo, a prima afastada que adoptou, a vizinha do lado ou a ama porque a mãe não tem tempo... depende... depende de família para família, nem sempre existem todas estas pessoas e não há um padrão absolutamente necessário. Senão podíamos fazer marchas já há muito tempo, e tirar as crianças aos pais solteiros, às mães solteiras, às avós que ficaram com os netos, aos tios que adoptaram... Nenhum deles é um pai e uma mãe, num seio em que não há violência nem factores perturbantes. Famílias destas existem 1% e é uma vez por semana que se dá este fenómeno de "seio saudável".)
 
Quem faz o Casamento?
(Ah, esta é fácil: duas pessoas que se amam. Antigamente um preto e um branco não era um casamento. Um rico e um pobre... ui, casar?! Tudo isso mudou, porque o objectivo do casamento é homenagem ao amor, a união entre duas pessoas que se amam.)
 
Quem constrói a solidariedade?
(Acho sempre piada a estes truques de (tentativa de) manipulação. Uma pessoa ao ler este manifesto vai estando convicta do que lê, pois as premissas parecem reais e verdadeiras, e no meio aparecem coisas que não têm nada a ver mas que, inconscientemente, nos ficam na cabeça. Quem faz a solidariedade? Resolvi pesquisar no dicionário o significado da palavra "solidário", para perceber se estava a entender bem ou se era do meu sono. Pude ler "Que tem interesses e responsabilidade mútua." Hum, não, afinal eu estava a entender bem: isto está mesmo descontextualizado e não tem nada a ver com o assunto. Quem constrói a solidariedade é todo e qualquer cidadão (independentemente de cor, tamanho, orientação sexual, cor do cabelo, estupidez natural ou tamanho do nariz) que tenha um acto de solidariedade. Um gay não é solidário só porque gosta de homens? Onde está a falta de solidariedade aqui?)

Quem aposta na maternidade e na paternidade dignas?
(Depois da manipulação fraca surgem os insultos. Típico de um discurso sem fundamentos. Hum... eu aposto numa maternidade e numa paternidade dignas. O meu pai e a minha mãe também. Os meus colegas também. E professores. E amigos (heteros, gays, assexuados...). O que é que isto tem a ver com a adopção por pessoas do mesmo sexo? É pouco digno? Se fossem de sexos diferentes mas existisse um mau ambiente familiar, se fosse apenas uma pessoa, se fosse uma adopção por um casal heterossexual... contra isto não há marchas. Nunca vi uma contra a violência dentro das famílias, por parte destas tão preocupadas pessoas.)
 
Quem ensina nas escolas?
(Posso rir-me? Obrigada. Quem ensina nas escolas? Os professores. Uh, boa. E mais? Há professores altos, gordos, ruivos, morenos, heterossexuais, barrigudos, gays, casados, solitários, irresponsáveis, responsáveis, engraçados... Mais características? E não é o facto de um professor meu gostar de uma mulher ou de um homem que muda a forma como ele me ensina matemática, português, biologia ou química...)
 
Quem trabalha e gera riqueza?
(Ok, agora os gays não trabalham. Esta pergunta acho que era retórica.)
 
Quem faz a história?
(As pessoas... entre elas, gays. Os homossexuais são pessoas. Existem na sociedade. Têm tanta intervenção nela como os outros. Gostar de homens ou mulheres não muda nada disto.)
 
Quem decide o Futuro da Sociedade?
Tu e Eu. Homem e Mulher.
(Boa! Concordamos! Eu, tu. Homens e mulheres. Qualquer que seja a relação entre eles!)

Queremos manifestar:
Que o casamento é entre um Homem e uma Mulher.
Que cada criança tem direito a um Pai e uma Mãe.
(Volto a pedir-vos que vão dizer isso às crianças que só têm um pai ou uma mãe. Ou que vivem com os avós. Todas estas minorias fazem a maioria das crianças. Posso dar um exemplo concreto: no ano passado, na turma da minha irmã, só ela e um amigo é que tinham os pais juntos. Os outros colegas tinham os pais separados... e sofriam muito com isso. E, atenção, eram HETEROSSEXUAIS. Vamos fazer uma marcha contra isto?)
 
Que a FAMÍLIA faz a Sociedade.
(Sim, concordo, quaisquer que sejam os elementos que a constituem.)
 
Que a maternidade e a paternidade são valores sociais.
Que os Pais têm o direito à liberdade para educar os seus filhos.
(Pena que a maioria não usufrua dela. Há quem queira usufruir e não lho permitem.)
 
Que a solidariedade nasce, em primeiro lugar, na Família.
(Conheço tantos gays solidários como heteros. Volto a perguntar: o que é que tem a ver?)
 
Que a Escola ensina, ajuda e apoia as famílias.
(Sim, é verdade... os professores gays são tão capazes como os outros.)
 
Que a primeira escola de vida é a Família.
(E é aí que deve começar-se a incutir valores como o AMOR, a TOLERÂNCIA e o RESPEITO. E não a tradição cega.)
 
Que a riqueza de um País está nos Homens, nas Mulheres e nas crianças.
(Sim, quer se apaixonem por homens ou por mulheres.)
Que a história é escrita por homens e mulheres e não pelo Estado.
(Homens e mulheres que têm intervenção no Estado.)
 
Que o Futuro da Sociedade, em democracia, é escolhido pelo Povo.
(Sim, que escolhe um representante. Se existissem referendos para cada lei...)
 
Que o Poder respeitará a cultura e a vontade da maioria.
Que a cidadania se exerce.
(Verdade! E que tal começarem a votar nas eleições? É que querem tanto exercer uma cidadania... onde? Não sei. A abstenção ganhou.)
 
Por isso, nós Mulheres e Homens Livres de Portugal temos o direito a decidir,
pelas Crianças, pelo Casamento e pela Família.
Família e Casamento exigem o Referendo!
Nunca vi tanta gente preocupar-se com a família. Agora vejo bêbados que batem na mulher e nos filhos a dizerem que "os paneleiros vierem estragar o conceito de família" e que "os putos não podem ter dois pais que isso não lhes faz bem à mioleira." Alguém que saiba e compreenda o que é uma família, os valores que lhe devem ser inatos, os pilares necessários para um crescimento saudável e, mais importante que tudo, que reconheça que o elemento básico é o amor... não pode estar contra isto. E o mais engraçado é que a hipocrisia dos portugueses é enorme. Assinam petições para que haja referendo sobre o casamento homossexual, dizem que o povo precisa de voz! Mas quando chega a hora de votar, nas eleições para eleger um representante que toma este tipo de decisões, como envolve outro tipo de responsabilidade... ganha a abstenção. No mínimo contraditório...
Preocupem-se com os casais que já têm filhos. Esses sim, não estão a fazer bem o seu papel. Não queiram desviar as atenções... As escolas cada vez mais apresentam queixas ao Ministério da Educação devido às consequências da falta de educação que as nossas crianças têm. Concentrem-se naquilo que parecem defender com tanta convicção: a Família, as crianças. As vossas. Enquanto não lhes garantirem isso permitam que alguém trate do resto. Desviar as atenções é hipócrita.
Viva o Amor e a Família!

14 comentários:

  1. Pfff até parecem que vão mudar a mentalidade das pessoas através de manifestos destes D:. Vá bom post Sandra

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  2. Não percebo...

    Não percebo porque até a famália foi estereotipada...

    Não sou homossexual mas não é por isso que não os defendo. Todos nós temos os nossos direitos, deveres, prazeres, gostos e preferências. Todos nós temos(ou, melhor, devíamos) a oportunidade de escolher o que quer que fosse (dentro dos parâmetros da racionalidade e da lei) sem contradições nem abstenções.

    Pais(mãe e pai) educam filhos e estes são homossexuais, pais (pai e pai) educam filho e é heterossexual. Pais (mãe e pai) cristão educam filho e ele é ateu.

    Hoje em dia a sociedade em redor tem um peso maior na nossa visão do que a própria família, não deixando esta de ser subvalorizada. A atracção ocorre desde pequeno, deste a ínfima coisa, os pais não nos ditam (ou não deviam) as preferências sexuais assim como não nos ditam quando devemos caminhar e/ou correr.


    Pais são aqueles que têm amor pelos seus filhos, são aqueles que os educam mas não os convertem para as suas ideias, sejam eles mãe/pai, pai/pai, mãe/mãe, avô/avó, etc.

    Abraço
    http://nekascw.blogspot.com/

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  3. Mas é preciso mesmo dizer alguma coisa? O manifesto auto-destrói-se com todas as barbaridades que tem nele patentes

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  4. Sim, é verdade Nekas. Enfim, nenhuma opinião homofóbica tem fundamentos válidos.

    Eu também não sou homossexual... o que não me impede de lutar por uma causa justa e tão bonita como o amor!

    Obrigada :)

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  5. é verdae, concordo plenamente contigo, vais ao site da plataforma casamento e cidadania e lês que são as famílias "normais" que geram riquesa e outros disparates que tais xD

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  6. Pois Peres, enfim! É isso e as marchas do PNR...

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  7. Pois Pedro, o pior é que conheço poucas famílias que podem entrar na designação de "normais". Porque será? Porque esse padrão é uma mera quimera.

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  8. O próprio conceito do PNR é auto-destrutivo :P

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  9. Nice post sandra....

    ;) xD
    bj


    BY CARLLONE

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  10. Já conhecia e também eu achei patético.

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  11. Muito bom construído o texto, com as doses certas de ironia - que só mesmo assim faz termo à ignorância que citaste. Ainda hoje a minha professora de geografia disse que o casamento homossexual deveria ir a referendo porque é uma questão social, do povo: sim, o povo decide quem é que, na singela e singular, opinião dele deveria casar. Sim, o povo decide a vontade pessoal de dois indíviduos. Sim, não é uma questão de duas pessoas, é da sociedade. Sim senhor, claro!

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  12. A única coisa que as pessoas que apoiam este tipo de marchas e referendos só geram em Portugal uma coisa: vergonha pura para a nação. Aquela Isilda Pegado a.k.a. Anita Bryant de Portugal que ganhe peso na consciência, mas é.

    Beijinhos Sandra!

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  13. Sandra, adorei o teu post. Respondeste a este manifesto sem nexo da maneira certa. Se estas pessoas pensassem um pouco antes de escreverem estas barbaridades, evitavam ser ridicularizadas... Afinal de contas, se os pais tivessem alguma influência na sexualidade dos filhos, não havia homossexuais. Enfim, mentes limitadas...

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  14. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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