quarta-feira, março 21, 2012

Entrevista a Gaspar Noé

As salas de cinema nacionais assistiram recentemente à estreia de Enter the Void - Viagem Alucinante, filme com o qual Gaspar Noé competiu em Cannes (numa versão com maior duração). No âmbito da sua última visita a Portugal feita para a promoção desta longa-metragem, o Nuno Galopim (Sound + Vision) e eu tivemos a oportunidade de falar com Noé, entrevista que serviu de base para um artigo escrito para o Diário de Notícias. Publico de seguida a entrevista integral ao realizador francês.


Numa entrevista disse que o Irreversível foi um “assalto ao banco”. Porquê?

Na verdade estava a preparar Enter The Void - Viagem Alucinante com uma equipa de produção alemã, antes de Irreversível. E de repente a pré-produção caiu por terra. Estava em Paris, nesse verão, à espera para fazer outra coisa qualquer. Encontrei o Vincent Cassel e a Monica Bellucci e propus-lhes um outro filme, e eles aceitaram. Mas era um filme erótico... Quando leram o argumento decidiram, no último momento, que não o queriam fazer, mas entretanto já tinha o dinheiro para fazer esse filme. Por isso propus que se fizesse o filme com a história contada ao contrário. Todos pensaram que era uma piada... Mas seis semanas depois estávamos em rodagem. Digo que foi um assalto ao banco porque, habitualmente, primeiro escrevemos o argumento, depois apresentamo-lo aos atores, depois levamos um ano até ter o financiamento. Mas neste caso havia dinheiro para fazer outro filme e fizemos o Irreversível. Creio que se o argumento estivesse escrito para o Irreversível acho que teria havido problemas, sobretudo com a cena da violação.


E este filme segue a ideia dos planos-sequência de Irreversível

Já que tinha Enter The Void em mente quando rodei Irreversível há muitas coisas que tentei aí que na verdade eram para este filme. Como a ideia dos planos sequência, a ligação entre todas as cenas de uma forma que se note bem... Em Irreversível usei também uma grua pela primeira vez.


A partir de quando é que começa a surgir a ideia para Enter the Void?

Comecei a pensar no filme por volta dos meus vinte e poucos anos. Gostava daquele filme, o Viagens Alucinantes, de Ken Russell... Também desde cedo gostava muito de 2001: Odisseia no Espaço. E como muitos jovens tinha experimentado o LSD, a marijuana, cogumelos... Achei que seria interessante fazer um filme que sugerisse o que está estar pedrado. Escrevi primeiro um argumento para uma curta-metragem e li vários livros depois. Um deles, O Livro Tibetano dos Mortos. Achei que seria interessante que, após 30 minutos, a personagem morresse e o seguíssemos depois na sua trip astral, no seu sonho post-mortem.


E essas imagens aproximam-se realmente das sensações de uma trip? Como se passa essas sensações para as imagens?

Quando se fuma algumas drogas há imagens bem mais complexas que as que vemos no filme. Quando se toma marijuana ou acid [LSD] há coisas mais fáceis de reproduzir. Quando se está sob o efeito de drogas há coisas difíceis de expressar... Por isso acho até que este filme está demasiado narrativo para ser realista. Aproximo-me mais que em outros filmes do que é estar sob um estado alterado de consciência, mas é um filme muito narrativo. Para retratar essas experiências teria de o conceber como um filme experimental. 


Porquê usar a câmara como o ponto de vista do protagonista?

Achei que seria uma boa ideia. Senão o filme teria uma perspetiva exterior. Se fosse visto de fora, como explicaria que aquilo era a sua experiência depois da morte? Se queria retratar essa visão, esse ponto de vista interior, teria de ser dessa forma. 


Como foi pensada a música em Enter the Void? Num dado momento ouvimos Bach em eletrónica…

No iTunes vou dando estrelas ao que vou ouvindo e acabo assim por ter dez horas de música de que gosto mesmo muito. Incluí assim Bach, aquela reinterpretação, pela Delia Derbyshire, dos inícios da música eletrónica... Já Thomas Bangalter [membro dos Daft Punk] fez muitos sons para o filme, mas estão misturados com muitos outros elementos, em várias camadas.


Tem sido citado como um dos maiores representantes de uma nova vaga, a do Novo Cinema Extremista Francês [expressão designada pelo programador e crítico de cinema James Quandt]. Revê-se nesse movimento?

Há essa coisa com os nomes... Não sei quem inventou essa expressão. Extremista? Mas se há violência na vida há violência no cinema... Porque na televisão vemos os corpos, mas não as pessoas a serem mortas, há certas imagens que se tornam chocantes. Como se tornaram chocantes as imagens em que se viu como Saddam Hussein foi morto. E há uma mistura de sexo e violência que talvez seja mais explícita em França que na América. E na América talvez sejam mais sádicos, veja-se filmes como o Hostel ou Saw, que não lidam com o sexo… Talvez alguns filmes sejam extremistas, mas não creio que seja um movimento.


Pode falar sobre o seu novo trabalho, o 7 Days in Havana [estreia em Portugal a 5 de julho de 2012]?

Propuseram-me fazer uma curta para entrar em 7 Days in Havana, que é feito por sete realizadores diferentes. Fui duas ou três vezes a Cuba e fiz um pequeno filme... sobre uma jovem rapariga lésbica.


Como é que vê a vitória de O Artista nos Óscares da Academia?

Gostei muito do filme e estou muito feliz por eles. Foi giro ver aquele tipo, que eu conheço, na televisão a roubar-lhes o Óscar... Porque foi para o país ‘errado’. Era um projeto arriscado, não era assim tão evidente que se tornasse num filme tão comercial. Talvez assim os canais de televisão e os financiadores tomem algumas opções mais arriscadas nos próximos tempos. Porque se viu que um projeto ousado pode afinal ser compensador.

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