domingo, agosto 22, 2010

A arena de João Salaviza

Tomei a liberdade de fazer upload, no Youtube, da curta-metragem “Arena”, escrita, montada e realizada por João Salaviza, conhecida por tê-lo tornado no primeiro português a ser galardoado para uma Palma de Ouro (de curtas ou longas-metragens), no ano passado, em Cannes. Quando a vi na exibição conjunta do pobre “Taking Woodstock”, de Ang Lee, apreciei bastante a linguagem deste cineasta tão novo, que, em comparação ao precedente “Duas Pessoas” (que se encontra facilmente na Internet), um trabalho que Salaviza fez para a Escola Superior de Teatro e Cinema enquanto lá ainda era aluno, mostrou que gosta de explorar a singularidade das suas personagens e particulares casos que se redimensionam à escala global. Penso que Salaviza é exímio na sua mise-en-scène, e a tomar rédeas de acção com sobriedade e acalmia. Gosto que ele vá contemplando a densidade emocional que se vai sobrevindo ao longo daquela pequena trama, que toque na solidão, no aprisionamento existencial e no vislumbre de uma liberdade inalcançável com grande sensibilidade, sem pretensões ou fulgor de querer tudo mostrar. Daí que “Arena” seja um pedaço de cinema exemplar, sobretudo para o nosso país, não para mostrar que tem que haver qualidade (pois esta já existe, só que não pode ser desenvolvida), mas sim para alertar os portugueses, e sobretudo quem os governa, para o caótico estado em que este se encontra em quantidade e valorização.

8 comentários:

  1. Vi-a no onda curta. Não reconheço neste pedacinho de cinema quer complexidade quer sagacidade suficientes para uma palma de ouro, e é aqui que as coisas se complicam na avaliação de uma obra como esta: será que o que Salaviza explorou é o suficiente para construir uma narrativa completa o suficiente? – Depende única e exclusivamente da expectativa de um espectador perante uma curta duração! A sequência inicial incita-nos a reflectir acerca do estado de aprisionamento por onde o personagem se desenvolve – alienado do mundo exterior ele vai interagir consigo mesmo, marca-se com uma agulha de tatuagem e inflige em si mesmo aquela dor, só para poder sentir o contacto que esta lhe proporciona. Concordo contigo quando dizes que o mise-en-scène corresponde de forma exímia à estrutura que o João cria, e que se conclui como peça fundamental numa curta-metragem onde temos muito pouco tempo para desenvolver uma história, mas houve também aspectos a falhar. A direcção de actores é, em momentos, desastrosa, muito também pela utilização de amadores – ou o realizador tentou extrair deles a sinceridade que pretendia (o que não conseguiu porque tudo parece demasiadamente forçado) ou então falhou a produção e o financiamento que, no nosso país, simplesmente não existe para o cinema.
    O que admiro num argumentista e realizador numa curta-metragem é a capacidade deste(s) em criar várias narrativas dentro da principal, pelo incitar às revoluções intrínsecas de cada personagem que são construídas e batalhas que nós, enquanto espectadores, não conseguimos desdobrar a olho nu.
    Para mim este Arena funciona muito bem do ponto de vista pictórico: de uma beleza sem arranjos artificiais e uma luz limpa e quase agente de pureza dentro do ambiente retratado – o bairro social, este bocado de filme torna-se fácil e agradável de se ver.
    Parabéns também à bexiga do Carloto Cotta que consegue reter líquidos suficientes para uma mija de um minuto (lol) – e que nos proporciona, talvez, o melhor momento do filme.

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  2. Obrigado por teres exposto aqui a curta. Já a queria ver há algum tempo.

    De um modo geral, penso que vale pela realização e fotografia.

    O argumento achei perfeitamente banal, e o elenco vai-se safando se a câmara não se aproximar muito.

    Também me escapou a simbologia -se é que existe- daquele final. Esperava outra coisa.

    É um projecto interessante, mas Palma de Ouro?..


    Abraço

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  3. Percebo-te Paulo. Tocaste num ponto fulcral em recepção de Arena - será que o júri que acolheu e a galardoou com a Palma de Ouro estava sem expectativas e se surpreendeu por ver algo que se destacava dos restantes trabalhos (e assim a Palma de Ouro para curtas foi bem entregue); ou foi mera casualidade? E será que o público português acabou por se desiludir por ter detrás deste projecto o peso insustentável de uma Palma de Ouro? Acho que sim, para ambas as questões.

    Acho "Arena" um filme bonito, agradável, despretensioso e subtil. Pelas razões que enumerei e concordaste.

    Os actores são sim amadores, daí resultar no desequilíbrio performativo. De Sica soube bem filmar o seu Ladrões de Bicicletas apenas com amadores e não se notou este "diálogo decorado". Contudo, agradou-me a prestação do Cotta.

    Uma curta-metragem quer-se simples, e foi o que Salaviza conseguiu.

    Concordo contigo em relação ao resto, sobretudo no momento final ;)


    JB, de nada. Não acho banal, acho simples, e nisso não há nada de mal. Se é um final simbólico requere-se algum pensamento crítico ;) Quanto à Palma, será sempre discutível.

    Abraços aos dois

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  4. axo que vale muito pela fotografia, realizaçao.
    Nao é nenhuma obra prima, mas tem algo genuino, algo que muitos filmes portugueses nao conseguem transmitir...

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  5. Já o tinha visto, há uns meses, na RTP2, mas louvo a tua iniciativa, com este upload.

    Um filme esteticamente muito bonito (concordo com o que dizes sobre a mis-en-scene;a fotografia também é excelente). Percebo toda a intenção da mensagem que o filme transmite, e sobre a qual tu escreves, mas o argumento desiludiu-me um pouco. Não sei se por ser, ou tentar ser, demasiado subtil, demasiado suave - é, uma vez mais, a conversa das expectativas (e aqui garanto-te que não conheço ninguém "não cinéfilo" que goste deste Arena - é preciso saber apreciar).

    De todo o modo, um exemplo, uma esperança, uma lufada de ar.

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  6. Convém referir que o History of Mutual Respect do Gabriel Abrantes é muito melhor que o Arena. E no Abrantes vi muita originalidade e arrojo, coisa que não vi no Salaviza, ao fazer um filme bonito, mas pouco mais do que isso..

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  7. Curioso, também vi a curta antes do "Taking Woodstock" e tenho a dizer que também me junto ao coro de detractores.

    Não é que não tenha gostado (nota: B) mas não percebo como ganhou a Palme d'Or. E prova disso é que depois não teve tracção internacional para conseguir nomeações em outros prémios, nomeadamente de críticos, que as Palme d'Or de documentários e curtas-metragens costumam conseguir. E não foi por ser português.

    Enfim, gostei da realização (bom mise-en-scène, já aqui referido) e achei que de facto a fotografia era boa, mas aquele argumento... Tenho alguns (vários) problemas com ele. Consigo de facto ver a exploração da profundidade emocional do personagem mas...aquele final. Meh.


    Abraço,

    Jorge Rodrigues
    http://dialpforpopcorn.blogspot.com


    P.S. - Mas acho bem que isto tenha servido de exemplo para as instituições responsáveis pelo cinema português começarem a investir mais em projectos de sucesso e menos em porcaria (coff "A Bela e o Paparazzo" coff) porque para mim é uma vergonha que sejamos o país recordista em todo o mundo em termos de nomeações por submissões para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (0). Ai.

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